O ciclo de debates “Ações afirmativas: estratégias para ampliar a democracia”, realizado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em parceria com a PUC/SP e com o apoio de várias entidades governamentais e não governamentais, entre elas a Fundação Perseu Abramo, vai até dezembro de 2007. O evento tem como principal objetivo o aprofundamento dos debates e das reflexões sobre a realidade socioeconômica brasileira, assim como sobre o desenvolvimento das políticas de inclusão social e promoção da igualdade racial.

A iniciativa, portanto, tem a finalidade de promover a interlocução do governo federal com representantes de diversas instituições públicas e privadas para estimular reflexões sobre estratégias de desenvolvimento de ações afirmativas no âmbito das políticas públicas brasileiras para a superação do racismo e da discriminação racial.

Os temas serão Ações afirmativas como estratégias para superação do racismo e discriminação racial (3/9); Aspectos jurídicos como base para as políticas de igualdade racial (1/10); O impacto das ações afirmativas na comunicação social (22/10); Democracia, igualdade racial e políticas internacionais (5/11); e Direitos culturais, políticos e cidadania no Brasil contemporâneo (3/12).

No primeiro encontro é reafirmada necessidade de políticas públicas voltadas à igualdade racial

Dados apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) durante o primeiro encontro do ciclo de debates Ações afirmativas, estratégias para ampliar a democracia, realizado em São Paulo no dia 6/08, demonstraram a existência de grandes iniqüidades entre brancos e negros na vida escolar e no mercado de trabalho.

O tema pautado foi A construção das desigualdades raciais no Brasil. Integraram a mesa de abertura a ministra Matilde Ribeiro, a reitora da PUC/SP, Maura Pardini Bicudo Véras, e a Coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, Teresinha Bernardo.

Como expositores, participaram a técnica do Ipea Luciana Jaccoud e o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Valter Silvério. Como comentarista, a perita eminente independente para o acompanhamento da Declaração e Programa de Ação de Durban, Edna Roland.

Segundo Jaccoud, as informações relacionadas à educação e ao trabalho são particularmente elucidativas quando se trata da desigualdade racial, pois são estas áreas estratégicas na construção de oportunidades e ao mesmo tempo permeadas de preconceitos e estereótipos. Em sua exposição, a pesquisadora apresentou e debateu dados da edição 13 do Boletim de Políticas Sociais, do Ipea, o qual analisa o período de 1995 a 2005.

Devido à precária qualidade do ensino e, principalmente, ao uso da repetência como instrumento pedagógico, a freqüência a uma escola não significa aquisição de escolaridade. Por isso o indicador de acesso ao processo educacional considerado mais adequado pelo Ipea é a taxa líquida de matrícula, que indica a porcentagem de crianças freqüentando escola no nível adequado, ou seja, na idade em que deveriam estar.

A taxa líquida de matrícula entre jovens negros de 11 a 14 anos é de 68%, quando se supõe deveria ser universal. Os outros 32% já desistiram ou encontram-se ainda no primeiro ciclo do ensino. As diferenças entre negros e brancos estão próximas dos 15 pontos percentuais, ao passo que há dez anos o diferencial era de 27 pontos. Ou seja, embora haja uma redução da desigualdade, um a cada três negros já estão excluídos da escola nessa fase.

Quando se trata do ensino médio, embora o acesso à escola tenha aumentado em todos os grupos raciais, a taxa líquida de matrícula denota uma ampliação da desigualdade entre brancos e negros.

Já no ensino superior, em 2005 a percentagem de jovens negros matriculados havia triplicado em relação a 1995, provavelmente devido aos programas de ações afirmativas como o ProUni e a reserva de vagas nas universidades públicas. Contudo, permanecia a diferença entre os dois grupos raciais, e a possibilidade de um branco entrar na universidade ainda era três vezes maior.

Para a integrante do grupo de peritos das Nações Unidas, Edna Roland, esses dados indicam a necessidade de reflexão sobre a qualidade da educação para desenvolver políticas de permanência, tão ou mais importantes do que as de acesso. “A escola é um equipamento público e como tal deve ser promotora de cidadania. Nesse espaço não se pode permitir a discriminação e temos ainda o desafio de equalizar as desigualdades anteriores”, disse.

Afirmou ainda que as ações afirmativas devem ser consideradas não apenas na perspectiva da oportunidade individual, e sim como uma forma de inclusão grupal. “A concentração dos recursos públicos em áreas e regiões habitadas por afrodescendentes podem se tornar um benefício coletivo e propiciar a melhoria das escolas públicas”, afirmou.

Trabalho e renda – A segunda parte da apresentação da pesquisadora do Ipea trouxe informações sobre o mundo do trabalho. Para ela, um indicador sintético da situação do negro no mercado de trabalho é o rendimento médio, que melhorou 12% no período analisado. “Ainda assim, o trabalhador negro ganha em média 53% do branco, e quanto maior o número de anos de estudo maior a diferença salarial entre os grupos”, afirmou

A desigualdade não é explicada por diferenças de escolaridade, como demonstram as análises do Ipea sobre trabalhadores dos vários níveis educacionais. Negros com o mesmo nível educacional que brancos recebem rendimentos inferiores, em todas as faixas de anos de estudo.

A análise demonstra também que é possível reduzir as diferenças entre negros e brancos e que o Brasil vem logrando algum êxito neste campo. Contudo, negros ainda saem do sistema educacional com um ano e meio de educação menos que brancos, ganham apenas 53% do que ganham brancos e têm o dobro da chance de viver na pobreza.

Políticas públicas
– O pesquisador Valter Silvério destacou a necessidade de transformar os programas de inclusão em políticas públicas, para que sejam incorporadas definitivamente pelo Estado. Sua exposição abordou o processo de racialização da sociedade brasileira, ocorrida no momento colonial. “As relações sociais foram pensadas sob a ótica das raças superiores e inferiores e com isso construiu-se um conjunto de mecanismos não apagados em nenhum outro momento histórico, que foram ressignificados e ressurgem o tempo todo”, disse.

Silvério afirmou que o movimento negro, a partir dos anos 1980, inovou a luta social no Brasil por meio de uma ação coletiva descentralizada e não unívoca. Tal ação, característica das sociedades contemporâneas complexas, passou a incorporar uma nova agenda marcada por temas e problemas transnacionais, em especial aqueles relacionados às diferenças étnico-raciais, com o gênero, com a identidade e a democracia.

Citou os manifestos de intelectuais levados ao Congresso Nacional em meados de 2006, um contra e outro a favor da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e do Projeto de Lei 73/99, em torno dos quais se articulam as duas posições marcantes no debate que se dá na academia.

Destacou a idéia levantada pelo manifesto favorável ao Estatuto e ao PL cotas, segundo o qual existe uma forte expectativa internacional de que o Estado brasileiro finalmente implemente políticas consistentes de ações afirmativas. Inclusive porque o país conta com a segunda maior população negra do planeta e deve reparar as assimetrias promovidas pela intervenção do Estado da Primeira República com leis que outorgaram benefícios especiais aos europeus recém chegados, negando explicitamente os mesmos benefícios à população afro-brasileira.

“A elite insiste que o Estado deve ser neutro e que a sociedade civil se encarregue sozinha das relações sociais. De outro lado, os apoiadores do Estatuto e do PL cotas entendem que para desracializar a sociedade são necessárias políticas públicas”, concluiu.


Ciclo terá cinco encontros temáticos até dezembro

O ciclo de debates “Ações afirmativas: estratégias para ampliar a democracia”, realizado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP) e com o apoio de várias entidades governamentais e não governamentais, vai até dezembro deste ano. O propósito do evento é aprofundar debates e reflexões sobre a realidade socioeconômica brasileira, assim como sobre o desenvolvimento das políticas de inclusão social e promoção da igualdade racial.

A iniciativa, portanto, tem o objetivo de promover a interlocução do governo federal com representantes de diversas instituições públicas e privadas para estimular reflexões sobre estratégias de desenvolvimento de ações afirmativas no âmbito das políticas públicas brasileiras para a superação do racismo e da discriminação racial.

Os temas serão Ações afirmativas como estratégias para superação do racismo e discriminação racial (3 de setembro); Aspectos jurídicos como base para as políticas de igualdade racial (1 de outubro); O impacto das ações afirmativas na comunicação social (22 de outubro); Democracia, igualdade racial e políticas internacionais (5 de novembro); e Direitos culturais, políticos e cidadania no Brasil contemporâneo (3 de dezembro).