Um olhar sobre o Brasil
O Periscópio Internacional número 16 aborda os seis meses do segundo mandato de Lula, o PAC em São Paulo, no serviço público e na Segurança, o Superávit primário, a nova direção da UNE, entre outros assuntos.
Lula completa seis meses do segundo mandato
Superávit primário
Observatório do PAC em São Paulo
O PAC e o serviço público
O governo e os movimentos
PAC da Segurança
Segurança versus violência
Representação comprometida
A complexa integração
PCdoB pode sair da CUT
UNE elege nova direção e define plano de lutas
Estranhos aplausos
Lula completa seis meses do segundo mandato
O presidente Lula completou seis meses de seu segundo mandato com boas notícias. Pesquisas realizadas no mês de junho mostram que continuam em alta os índices de sua popularidade e do governo.
A pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI)-Ibope aponta o presidente Lula tem apoio de 66% da população, que aprovam sua maneira de governar. Os que desaprovam são 30%. Sobre o governo, 50% dos entrevistados o consideram bom ou ótimo. Para 33%, é regular, e apenas 16% acham a administração federal ruim ou péssima.
O levantamento feito pelo Instituto Sensus, encomendado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), mostra índices semelhantes. A pesquisa aponta que o petista continua bem avaliado, com aprovação de 64% da população. Em abril, data da última pesquisa deste instituto, eram 63,7%. Somente 29,8% o desaprovam. A avaliação do governo também é bastante parecida: 47,5% consideram o desempenho do governo positivo e somente 14% o avaliam de forma negativa. “O que mantém a popularidade do governo é o funcionamento da economia e os programas sociais, além do carisma do presidente”, disse Ricardo Guedes, diretor do Instituto Sensus.
Desde que assumiu o segundo mandato, em 1º de janeiro de 2007, Lula vem tentando implementar uma agenda positiva de investimentos em infra-estrutura, educação e segurança, além de manter os programas sociais que já vinham sendo implementados.
Para muitos observadores, esta iniciativa marcaria uma diferença muito importante em relação aos seis primeiros meses do primeiro mandato (2003-2006), que estiveram dominados por temas como a reforma da Previdência e as altas taxas de juros.
Logo em janeiro, o governo brasileiro lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), propondo inverter o vetor, do ajuste para o desenvolvimento, buscando superar as restrições monetaristas que dominaram os primeiros anos de sua primeira gestão na presidência da República.
O PAC engloba um conjunto de políticas econômicas, planejadas para os próximos quatro anos, e que tem como objetivo acelerar o crescimento econômico do Brasil, com a previsão de investimentos totais de 503 bilhões de reais até 2010, sendo uma de suas prioridades a infra-estrutura, como portos e rodovias.
O Programa é composto por cinco blocos. O principal deles engloba as medidas de infra-estrutura, incluindo a infra-estrutura social, como habitação, saneamento e transportes de massa. Os demais blocos incluem: medidas para estimular crédito e financiamento, melhoria do marco regulatório na área ambiental, desoneração tributária e medidas fiscais de longo prazo. A meta é obter um crescimento do PIB de 5% ao ano.
O primeiro balanço divulgado em abril pelo Comitê Gestor do PAC (CGPAC), composto pelos ministros da Casa Civil, da Fazenda e do Planejamento, e responsável pelo monitoramento de 1.646 ações (734 estudos e projetos, e 912 obras), apontava que 91,6% dessas ações estavam com o andamento satisfatório, sendo que 52,5% do total avançavam em ritmo adequado, com o cronograma em dia e os eventuais riscos administrados, e 39,1% precisavam ser acompanhados com atenção, pois estão com pequeno atraso ou foram identificados riscos potenciais, mesmo estando o cronograma em dia.
Ao findar este primeiro semestre, o governo afirma ter conseguido a solução de vários problemas que impediam a realização de algumas obras do PAC. De acordo com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em entrevista à revista Carta Capital, houve muitos avanços desde o primeiro balanço do Programa. Ela citou como exemplo a hidrelétrica de Estreito, a Ferrovia Norte-Sul, a Transnordestina e o Ferroanel, cujos entraves estão sendo resolvidos e algumas obras já retomaram atividades.
Com os investimentos, a economia brasileira deve crescer 4,7% neste ano, segundo projeção divulgada no final de junho pelo Banco Central. A estimativa do BC supera os 4,5% previstos pelo PAC. O número foi incluído no “Relatório de Inflação”, documento preparado pelo BC a cada três meses com a análise sobre a situação da economia.
Para alguns analistas do mercado, o governo tem mesmo razões para comemorar, pois as projeções do crescimento, defendido por Lula, são bastante otimistas e se aproximam cada vez mais da estimativa de 4,5% que o governo federal traçou ao anunciar o PAC. Segundo as projeções feitas por cem instituições financeiras a expansão do produto Interno Bruto (PIB) a ser apurada em dezembro de 2007 será de 4,20% e, não, mais de 4,16 como projetado anteriormente. Para a indústria a expectativa subiu de 4,19% para 4,23%.
Superávit primário
Mas a euforia, segundo alguns colunistas da grande imprensa, pode ser entendida porque as metas de crescimento do governo são tímidas. O governo poderia pagar menos juros e usar o dinheiro extra para ampliar investimentos públicos, reduzir impostos e “acelerar” o próprio PAC.
Para eles, o governo ainda teme que “crescer demais” pode provocar efeitos do aquecimento da economia, como escassez de mercadorias ou energia. Portanto, conforma-se com 5% pois, se a taxa for alcançada, já será uma vitória política, já que a média das últimas décadas é a metade.
Se esta análise for correta, é como se, no fundo, no fundo, o governo prosseguisse prisioneiro de um trauma típico do neoliberalismo em terras tupiniquim: o medo de crescer.
O aperto fiscal promovido pelo setor público obteve um recorde em abril. Governo federal, Estados, municípios e estatais economizaram R$ 23,5 bilhões para pagar juros de suas dívidas, maior valor já registrado desde 1991, início da série estatística do Banco Central. Essa economia, chamada de superávit primário, foi recorde e equivale a quase todo o investimento em obras estimado pelo governo federal para este ano, que deve ficar próximo de R$ 25 bilhões. Dos R$ 23,5 bilhões economizados em abril, R$ 14,9 bilhões – ou 63% – vieram do governo federal.
Também contribuíram para o recorde as empresas estatais, que obtiveram um superávit primário de R$ 4,727 bilhões, o maior já registrado por essas companhias num mês de abril.
De forma geral, os números mostram que a situação das contas públicas é a mesma observada recentemente: o setor público, puxado pelo governo federal, continua economizando bilhões de reais para pagar juros.
Os investimentos públicos no Projeto Piloto de Investimento (PPI) – um tipo investimento que não depende de aval parlamentar mas só de decisões do governo -, que reúne obras em infra-estrutura e saneamento cujos gastos podem ser abatidos do superávit primário somaram, de janeiro a maio deste ano, R$ 990,5 milhões.
O valor é superior em quase 60% ao volume aplicado em PPI no mesmo período do ano passado, quando atingiu R$ 592,4 milhões, mas é menos de 10% do orçamento total de R$ 11,3 bilhões previstos até dezembro.
Apesar de o valor pago nas obras até agora estar longe dessa previsão, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Agustín, afirmou que até o fim do ano será alcançado esse montante. “Há uma evolução normal, com uma aceleração dos investimentos ao longo do ano”, disse. Para Agustín, é normal o menor volume dos investimentos porque ainda há projetos para aprovação e no fim do ano as liberações são mais intensas. “Nós continuamos com o objetivo traçado pelo governo, de que o conjunto de investimentos previstos para este ano seja realizado”, garantiu. Os investimentos totais, incluindo o PPI e mais R$ 3,8 bilhões ainda do Orçamento do ano passado, somaram R$ 4,5 bilhões nos cinco primeiros meses do ano. A previsão de investimentos para o ano todo é de R$ 16,4 bilhões.
Agustín também comentou que, embora o mês de maio tenha revelado um crescimento de despesas e reduções de receitas, o governo cumprirá a programação financeira e a meta de superávit primário para este ano, estabelecida em 3,8% do Produto Interno Bruto.
Segundo Agustín, as despesas de 2007 tiveram um crescimento menor que em 2006 e as receitas estão crescendo num ritmo menor, porém crescem mais que as despesas, o que dá garantia de que as contas estão sob controle: “A convergência disso mostra uma situação fiscal de longo prazo bastante positiva”.
O relatório do Tesouro Nacional, apresentado no dia 27 de junho, aponta que enquanto as receitas aumentaram 3,7% acima do crescimento do PIB entre 2005 e 2006, neste ano estão crescendo 3,4% em relação ao ano passado. Essa mesma comparação, no caso das despesas, revela uma desaceleração mais acentuada, caindo de 7,2%, entre 2005 e 2006, para 2,5% entre o ano passado e este ano. “Há, aí, uma solidez no equilíbrio das contas”, afirmou Agustín.
O balanço dos gastos totais com o PAC, previstos em R$ 15,3 bilhões, não foi divulgado pelo Tesouro Nacional. No mês de maio, o então secretário, Tarcísio Godoy, apresentou detalhadamente os gastos com as obras prioritárias e com o restante do PAC. Até abril, o governo havia gasto apenas 3,5% dos recursos do PAC.
Augustin lembrou que as avaliações do PAC são quadrimestrais e que divulgação do resultado do Tesouro não é um balanço do PAC.
Assegurou, contudo, que está havendo uma aceleração no investimento do setor público. De acordo com ele, um dado que comprova a aceleração é o volume total de investimentos do governo, que aumentou 36% nos primeiros cinco meses do ano em relação a igual período do ano passado.
Sob encomenda do Jornal do Brasil, pesquisa da Associação Contas Abertas, divulgada no início deste mês de julho, mostra que, do total de R$ 7,3 bilhões autorizados no primeiro semestre no âmbito do PAC, só foram empenhados R$ 2,9 bilhões e pagos R$ 1 bilhão. Este montante representa 13, 8% do total autorizado. Os números mostram também que, das 427 ações do PAC, 122 não saíram do papel.
Observatório do PAC em São Paulo
O governo federal, após quatro meses de negociação com os 27 estado da Federação e 184 municípios das principais regiões metropolitanas do país, deu início a assinatura de convênios de cooperação na área de saneamento e urbanização.
São projetos que envolvem principalmente fornecimento de água, tratamento sanitário, recuperação de mananciais, urbanização de favelas, remoção de áreas de risco, e principalmente erradicação de palafitas.
Os financiamentos serão basicamente dirigidos a empresas de saneamentos estaduais e municipais que possuem capacidade de endividamento com receita proveniente da cobrança por serviços.
O estado de São Paulo receberá R$ 7,39 bilhões, dos quais R$ 4,92 bilhões de fonte federais e o restante das contrapartidas dos estados e municípios. As obras, em São Paulo, vão atender, principalmente, a região metropolitana de São Paulo, Campinas e Baixada Santista. Em Minas Gerais serão investidos, em quatro anos, R$ 3,8 bilhões, dos quais quase R$ 3 bilhões virão de fontes federais. No estado de Minas Gerais, o governo pretende despoluir o rio das Velhas, que faz parte da Bacia do São Francisco e a Baía da Pampulha.
São Paulo é o estado com a maior população do Brasil, mais de 40 milhões de habitantes e abriga o maior parque industrial e a maior produção econômica – mais de 31% do Produto Interno Bruto (PIB) do país; Minas Gerais é o segundo mais populoso do Brasil, com quase 21 milhões de habitantes, e possui o terceiro maior PIB do país.
Ambos são administrados pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de oposição ao governo. Os governadores destes dois estados são virtuais candidatos da oposição à sucessão de Lula em 2010.
No caso de São Paulo, o Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores pretende acompanhar a aplicação dos recursos por meio de um “Observatório do PAC”. Em resolução aprovada no dia 23 de junho, o Diretório afirma que vai combater a instrumentalização do PAC pelo PSDB e pelo núcleo mais organizado da oposição ao governo Lula – que está justamente em São Paulo – propondo mecanismos de participação da sociedade no monitoramento desses investimentos, exigindo regras claras e cobrando transparência total na sua aplicação.
“Cobraremos as contrapartidas de recursos do governo Serra para as obras do PAC, bem como exigiremos mecanismos de controle social para garantir que a destinação desses investimentos beneficie o conjunto da população e favoreça a economia paulista”, diz o documento.
O Rio de Janeiro, administrado por Sérgio Cabral (PMDB), da base aliada do governo, também receberá R$ 2,8 bilhões. Ao todo, serão dez capitais visitadas pelo presidente. No Rio, projetos de urbanização de favelas e obras contra enchentes na Baixada Fluminense receberão verba federal.
Se por um lado, os petistas estão de olho na prestação de contas dos recursos do PAC pelos governos tucanos; do outro, as elites mostram-se preocupadas com os eventuais benefícios políticos que os recursos do PAC poderão proporcionar aos municípios e estados administrados pelo PT.
Levantamento do jornal Folha d S.Paulo, um dos maiores periódicos do país e, como constataram alguns institutos de observação da mídia nas eleições de 2006, porta-voz dos tucanos, indicou que à frente de 9% das cidades do estado de São Paulo, as prefeituras petistas receberam cerca de 35% da verba para saneamento e habitação do governo federal.
O jornal alega que a distribuição dos recursos vai ao encontro da última resolução do Diretório Estadual do PT, que diz que “o PT deve se apropriar dessa conquista [o PAC] que é de um governo petista e interferir diretamente no processo de destinação dos recursos às ações do governo federal em São Paulo e não permitir que Serra faça gentileza com o chapéu alheio”.
A Casa Civil da Presidência afirmou ao jornal que o “governo federal nunca fez nenhuma seleção utilizando esse critério [político]” e priorizou municípios com população acima de 150 mil habitantes, o que explicaria predominância de cidades administradas pelo PT – pelo menos 11 delas estão acima dessa nota de corte.
O PAC e o serviço público
Para o funcionalismo público federal, o programa de aceleração inclui uma ameaça à categoria, caso um projeto de lei complementar (PLP 01/07) do PAC seja aprovado no Congresso. O PLP determina que, durante 10 anos, o gasto com a folha de pagamento do serviço público só poderá aumentar em 1,5% ao ano, além da reposição da inflação.
A medida é uma emenda à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece limites de gastos para municípios, estados e governo federal. A LRF foi criada em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que acatou a “sugestão” do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Para entidades ligadas ao funcionalismo público, a aprovação do PLP representaria uma estagnação salarial de 10 anos, logo, ainda maior que o arrocho salarial promovido pelos oito anos do governo tucano. Esse aumento de 1,5%, segundo as entidades, seria todo consumido no crescimento vegetativo do funcionalismo, isto é, somente as progressões de carreira e as promoções dariam conta dessa quantia. Assim, para além da questão salarial, a qualidade do serviço público ficaria ainda mais comprometida, já que com o orçamento engessado, não seriam permitidas novas contratações, nem mesmo para reposição de trabalhadores que se aposentarem.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já teve algumas audiências com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e com a bancada governista para negociar a retirada da limitação de gastos com pessoal do PAC. “Está difícil, eles têm sido muito duros. Tanto a bancada como o ministro sinalizam que a PLP é importante para o PAC. Segundo eles, é preciso sinalizar para o ‘famoso mercado’ que o governo está fazendo o ajuste fiscal”, afirma Quintino Severo, secretário-geral da CUT.
As centrais sindicais querem redigir um texto substitutivo para evitar a estagnação do serviço público.
O governo e os movimentos
Se, de um lado, o presidente Lula pode comemorar os resultados das pesquisas, com sua popularidade em alta, de outro, acende-se sinal amarelo de suas relações com os movimentos sociais que sempre o apoiaram.
Como dissemos na edição de março deste Periscópio Internacional, havia a expectativa que a nova composição do governo refletisse as forças sociais e políticas que consagraram a vitória de Lula no segundo turno das eleições. E, também, que estas mesmas forças tivessem papel determinante nos rumos do governo.
Mas o que se viu foi uma reforma ministerial prisioneira de um conceito de governabilidade institucional. A prioridade do governo Lula foi a de corresponder à correlação de forças existente no Congresso Nacional, muito mais recuada do que aquela que foi produzida no segundo turno de 2006. (Ver Periscópio Internacional de maio de 2007 – Novo ministério)
A composição do ministério, ou seja, a criação de um governo de coalizão, com partidos de um amplo leque ideológico, que comporta legendas também da direita, como o Partido Progressista de Paulo Maluf, tem se mostrado frágil quando se trata de aprovar medidas reformistas de esquerda. Um exemplo disto é o bloqueio, no Congresso Nacional, das medidas que destinam para reforma agrária as terras onde há trabalho escravo.
A coalizão de partidos, que proporciona maioria na Câmara dos Deputados, não foi capaz de garantir a aprovação da reforma política. Os partidos não foram capazes de votar unificados, por exemplo, na questão do voto em lista fechada. Esta lista significaria uma mudança profunda no sistema eleitoral brasileiro. Com ela, de acordo com o percentual de votos obtidos, o partido indicaria seus eleitos, com base em uma relação pré-ordenada. O eleitor passaria a votar na legenda e não em candidato. O que predominou foram os interesses pessoais de cada parlamentar.
Outro episódio significativo da fragilidade da base de sustentação do governo foi a aprovação da emenda 3 no Congresso Nacional, sobre a qual o presidente Lula usou o seu poder de veto. A emenda 3 desregulamenta direitos dos trabalhadores, com a flexibilização da leis trabalhistas. (Ler Periscópio Internacional, edição de maio)
Mais uma vez o que se viu foram os interesses conservadores sobrepondo-se às alianças firmadas com o governo.
O PT, por sua vez, deliberou o engajamento, junto aos movimentos sociais, no esforço concentrado para a votação da manutenção do veto presidencial à emenda 3.
Estes fatos, aliados a aspectos conservadores da política do presidente Lula como a proposição projeto de lei complementar (PLP 01/07), como dissemos acima, e a persistência de contradições entre a política de desenvolvimento e a política do Banco Central, expressas na manutenção de taxas de juros ainda elevadas e superávit recorde, têm contribuído para que seus aliados históricos, como a CUT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e partidos que sempre estiveram juntos nas candidaturas anteriores de Lula à presidência da República, aumentem o tom de suas críticas ao governo.
PAC da Segurança
O governo Lula deve anunciar oficialmente no dia 1º de agosto o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), apelidado de “PAC da Segurança”. O programa, depois de quatro meses de elaboração, foi apresentado no mês de julho pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao presidente e a um grupo de ministros que tem envolvimento direto com a questão, cuja tarefa será o de fazer ajustes antes do Pronasci ser lançado.
Por orientação do presidente, dois pontos ainda precisam ser discutidos de maneira mais detalhada. A questão de como será implementado o piso salarial nacional dos policiais e a definição mais rigorosa da liberação dos recursos destinados ao programa para os próximos anos.
Tarso Genro, segundo agência de notícias da Radiobrás, declarou que “seguramente” o piso dos policiais deverá ultrapassar R$ 1 mil. Para colocar o programa em prática já este ano, o ministro informou que será necessário descontingenciar cerca de R$ 470 milhões. No montante, não estariam incluídos os gastos com o reajuste do piso salarial dos policiais.
Segundo Tarso, a idéia é construir 187 novas prisões no país. O ministro ponderou que o número vai depender dos custos de cada unidade prisional.
O PAC da Segurança terá como meta inicial a criação de 2.200 vagas em presídios específicos para jovens de 18 a 24 anos e a ampliação, na mesma quantidade de vagas, nos presídios femininos. A idéia, nos primeiros três anos do programa, é criar ao menos um estabelecimento penal feminino e outro para jovens com essa faixa etária em cada uma das 11 regiões metropolitanas que a princípio serão atendidas pelo Pronasci.
De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça, o Pronasci propõe a integração de ações de segurança pública e políticas sociais para o enfrentamento da criminalidade no país. O principal objetivo é enfrentar as causas sociais e culturais do crime, por meio de ações de prevenção, controle e repressão da violência.
Segurança versus violência
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Tarso Genro disse que ações policiais como a ocorrida no final do mês passado no complexo do Alemão, no estado do Rio de Janeiro, estão previstas numa primeira fase do PAC da Segurança. “Operações dessa natureza estão previstas para a reocupação do território”, disse o ministro, para quem “a questão da pacificação e da reocupação do território é imprescindível”.
Segundo Tarso, “se o Estado não exerce a autoridade plena sob determinada região, o Estado não tem condições de mudar o paradigma de segurança pública. As políticas sociais podem ter efeito na melhoria da qualidade de vida, mas elas não reduzem os índices de criminalidade. O que ocorre no Rio não é uma ação do Pronasci. É uma iniciativa do governo do Estado. No Pronasci, operações dessa natureza estão previstas para a reocupação do território”.
Perguntado sobre o risco de ter as ações do Pronasci contestadas por entidades de defesa dos direitos humanos, Tarso declarou “que esse risco é pequeno, porque zonas de poder do crime organizado fechadas para a entrada do Estado são muito poucas no país e creio que – não digo 100% – quase a totalidade dela é no Rio de Janeiro. Quanto à presença de instituições de direitos humanos e da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], o governo federal acha que é altamente positivo, porque essas ações sempre têm que ter um contraponto e uma vigilância dessas instituições da sociedade. Ocorrem excessos, efetivamente, e esses excessos derivam, inclusive, de uma tradição que queremos mudar no paradigma da segurança pública do nosso país”.
No dia 27 de junho, uma das maiores operações policiais contra o tráfico de drogas no estado do Rio de Janeiro deixou 19 mortos no Complexo do Alemão, um morro controlado pro traficantes. Antes desse confronto, o Complexo já estava a cerca de 50 dias ocupado pela polícia.
Os embates com os grupos criminosos que controlam a área resultaram na morte de pelo menos 44 pessoas. De acordo com o secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, todas as mortes ocorreram em confronto. Outras 80 pessoas teriam sido feridas, incluindo diversos policiais; crianças e jovens foram impedidos de ir às aulas e o acesso aos postos de saúde foi restrito.
A operação policial gerou reações diversas na sociedade. Em entrevista à revista Carta Capital, a socióloga e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), Silvia Ramos, disse que enxerga na postura do governador do Rio de Janeiro, Cabral Filho, um avanço em relação às gestões anteriores, mas reprova o tratamento exclusivamente policial. Para ela “falta um plano”. A política de Cabral tem “muitos méritos por conseguir pontos com a sociedade. Mas ainda está quase que apoiada exclusivamente na PM”.
Entidades de defesa dos direitos humanos e movimentos populares reuniram-se com a Secretaria de Segurança Pública do Rio. Eles levaram denúncias de abuso policial apresentadas pelos moradores e se posicionaram totalmente contrários às mega-operações e à atual política de segurança aplicada pelo governo estadual, considerada criminalizadora da pobreza. Segundo a agência Carta Maior, eles também cobraram do governador as declarações dadas durante a campanha eleitoral, quando Sérgio Cabral se posicionou de forma contrária ao emprego do chamado “caveirão”, veículo blindado usado pela Polícia Militar em incursões às comunidades carentes.
Para Sandra Carvalho, da entidade Justiça Global, por trás dessa realidade, há uma concepção errônea de combate ao crime organizado. “A política de Segurança Pública criminaliza a pobreza, e essas ações criam a idéia de que o tráfico de drogas e o crime se organizam apenas nas comunidades pobres”, defende.
A ação da polícia, continua Sandra, não pode se resumir apenas à intervenções repressivas, mas deve englobar trabalho de inteligência que desintegre as redes de crime organizado, que contam com a participação tanto da polícia, como da Justiça.
Para Raquel Willadino, do Observatório das Favelas, “não somos contra a entrada da polícia, mas sim contra a forma como isso está ocorrendo”. A previsão, segundo ela, é que as ações se estendam a outros morros no Rio, um dos maiores motivos de preocupação das organizações.
O presidente Lula anunciou a destinação de R$ 2,8 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento para o Rio de Janeiro, incluindo investimentos sociais em diversos complexos de favelas da cidade. Sandra aponta que essa é uma reivindicação histórica das comunidades, mas que outras iniciativas devem ser feitas, como uma reforma das polícias. “O que não dá é condicionar a liberação de verbas para gastos sociais a essas ações”, defende.
Representação comprometida
O Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias. A LDO é a lei que orienta a formulação do Orçamento para o ano seguinte, no caso para 2008. Ela fixa os parâmetros, como taxa de crescimento, regras para investimentos e despesas e inflação, pelos quais o governo irá se orientar para elaborar a peça orçamentária. Pelo texto aprovado pelos congressistas, o parâmetro a expansão do PIB (Produto Interno Bruto) será de 5% de 2008 a 2010, inflação de 4,5% e dólar cotado a R$ 2,23 para o próximo ano.
A sessão do Congresso que votou a LDO não foi conduzida pelo seu presidente, o senador Renan Calheiros – Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), da base aliada do governo. Renan ausentou-se da sessão após forte pressão dos partidos de oposição na Câmara Federal e no Senado.
O presidente do Senado Federal foi acusado de ter despesas pessoais pagas por uma empreiteira (ver Periscópio Internacional 15). Desde então, vem sendo pressionado a se afastar do cargo até que o Conselho de Ética da Casa conclua as investigações.
O Senado vem sofrendo fortes turbulências nos últimos meses. Além das acusações que pesam sobre Renan, no final do mês de junho, um outro senador da República renunciou ao mandato para fugir de um processo de cassação e da possibilidade de perda dos direitos políticos por oito anos.
Joaquim Roriz, do mesmo partido que Renan, foi flagrado por um grampo da Polícia Federal, durante a Operação Aquarela, negociando partilha de dinheiro de origem ignorada. Roriz foi governador do Distrito Federal (capital do país) por quatro vezes. Durante anos teve sua vida investigada pelo Ministério Público por suspeita de corrupção. Desta vez não conseguiu escapar.
Atualmente o Senado Federal possui 81 senadores, eleitos para mandatos de oito anos, sendo que são renovados em uma eleição um terço e na eleição subsequente dois terços das cadeiras. Todas as 27 unidades da Federação (26 estados e Distrito Federal) possuem a mesma representatividade, com três senadores cada; ao contrário da Câmara Federal que tem representação proporcial à população de cada estado. O Senado, que deveria representar a Federação, a partir da Constituição Federal de 1988, ganhou papel de Câmara revisora e tornou-se uma instituição profundamente antidemocrática.
O filósofo Renato Janine Ribeiro, ao retratar o senado conservador criado no século XIX, traduz um pouco o que é o Senado brasileiro. Diz o filósofo: “ao avançarem os regimes que um dia se tornarão democráticos, tentou-se conter a representação popular, eleita diretamente pelo povo e presente na Câmara Baixa, mediante um “Senado conservador” (o termo é de Napoleão), formado dos nobres ou dos ricos. O saber das elites conteria o clamor das massas. Temia-se (diziam) que a demagogia levasse os pobres a eleger uma Câmara que iria expropriar ou taxar os ricos. Por isso, os senadores têm mandato vitalício ou, pelo menos, mais longo que os deputados. Se a maioria de pobres elegesse uma Câmara de esquerda, precisaria manter essa maioria por duas ou três eleições seguidas, antes de controlar também o Senado. Isso daria tempo a uma reação conservadora, até porque o governo de esquerda pouco poderia fazer de sua agenda e se tornaria impopular”.
A complexa integração
Mais um episódio envolvendo o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o Brasil. Desta vez, Chávez lançou um ultimato aos Congressos do Brasil e do Paraguai: se não ratificarem a entrada da Venezuela no Mercosul em até três meses, o país retirará o pedido para ingressar no bloco. As declarações foram feitas em cadeia de rádio e TV.
Segundo Chávez, a Venezuela irá esperar até setembro. “Não esperaremos mais porque os Congressos de Brasil e Paraguai não têm razão política nem moral para não aprovar. Se não fizerem, nos retiraremos até que se dêem novas condições”, disse.
Chávez classificou ainda como “impertinente” a afirmação do chanceler Celso Amorim de que era preciso “um gesto positivo” de Chávez em relação ao Congresso brasileiro, onde tramita a ratificação da entrada da Venezuela no Mercosul. “A Venezuela não tem nada que se desculpar, é o Congresso do Brasil que tem de se desculpar por se intrometer em assuntos internos”, afirmou.
A política externa brasileira tem sido alvo de freqüentes ataques dos partidos de oposição e demais setores conservadores, que perderam a batalha pela criação da Alça; que não querem o Mercosul, não querem a Unasur, e não querem a integração continental. Orientados por uma política externa de subordinação aos Estados Unidos, estas forças utilizam todo pretexto para atacar a integração continental.
Neste contexto, as declarações de Chávez tem fortalecido a direita brasileira, que conquista a opinião pública com argumentos nacionalistas; e colocado o governo Lula em uma complicada armadilha, pois tem que responder à altura do Estado brasileiro, e ao mesmo tempo não colocar mais água na fervura dos inimigos da integração.
PCdoB pode sair da CUT
O Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) aprovou, no dia 8 de julho, uma resolução na qual apóia a proposta de criação de uma nova central sindical, de acordo com as perspectivas das mudanças na legislação brasileira, específica, que dará reconhecimento legal à existência das centrais sindicais.
A resolução é uma indicação para que para que a Central Sindical Classista (a CSC,onde atuam os comunistas) saia da Central Única dos Trabalhadores e (CUT) e impulsione a criação de uma nova central sindical.
O “PCdoB avaliou o atual quadro político e sindical brasileiro e concluiu que as iniciativas de recomposição em curso na esfera do sindicalismo exigem um novo patamar na busca pela unidade do movimento e coesão da luta dos trabalhadores’, diz o texto.
Segundo João Batista Lemos, dirigente sindical do PCdoB, a questão é essencialmente política”, diz Batista, e relaciona três pontos de partida: a mudança ocorrida com o governo Lula; a nova realidade político-sindical, e o processo de acumulação de forças dos comunistas no movimento sindical.
Esta não é a primeira vez que o PCdoB, por meio da Central Sindical Classista, ameaça sair da CUT. Mas agora a saída pode fazer parte de uma estratégia maior do partido, que pressupõe a criação de um novo setor na esquerda brasileira que incluiria legendas como o Partido Socialista Brasileiro (PSB), cujo bloco vem se consolidando desde a eleição da presidência da Câmara dos Deputados.
O PCdoB é um aliado histórico do Partido dos Trabalhadores. Esteve junto com o PT em todas as eleições presidenciais e compõe a base aliada do governo Lula desde o primeiro mandato.
Em fevereiro deste ano, o PT e o PCdoB lançaram candidatos próprios à presidência da Câmara dos Deputados. O petista Arlindo Chináglia do PCdoB (ver Periscópio Internacional 11). A partir daí o PCdoB vem debatendo a idéia da constituição de um novo campo entre os partidos de esquerda.
O pano de fundo desta questão é a sucessão presidencial em 2010. Como não um candidato natural à sucessão de Lula, os partidos da base aliada do governo estão se movimentando na disputa de um novo nome.
UNE elege nova direção e define plano de lutas
A União Nacional dos Estudantes (UNE) realizou, no início do mês de julho, seu 50º Congresso, com a participação de cerca de oito mil estudantes. O Congresso definiu plano de lutas para o próximo período e elegeu a nova direção da entidade. A UNE será dirigida pela estudante de jornalismo Lúcia Stumpf, do PCdoB.
Onze chapas concorreram à composição da nova direção. Do total de votos válidos (2.526), a chapa 11, que tinha Lúcia como candidata, conquistou mais de 65%, contabilizando o apoio de 1.802 estudantes. As demais chapas não apresentaram candidato para a presidência.
A chapa 10 teve totalizou 279 votos. A chapa 7 conseguiu 232 votos. Já a chapa 9 saiu com 92 votos e a chapa 8 somou 73. As outras chapas juntas fizeram 14 votos.
A nova gestão da UNE promete trabalhar nos próximos dois anos para retomar a trajetória de luta que caracterizou a entidade no passado. Para isso, quer intensificar as passeatas e manifestações como forma de reivindicar melhorias no ensino. A jornada de lutas foi aprovada no 50º Congresso será feita em conjunto com movimentos sociais e servirá para comemorar os 70 anos da entidade.
Na agenda da entidade consta a defesa pela ampliação do número de vagas e a abertura de novas faculdades federais, ampliados dos recursos para a assistência estudantil (moradia, alimentação e creches); a defesa de que os reajustes das universidades pagas somente sejam promovidos em comum acordo com os estudantes. A UNE defende também um sistema de cotas sociais para as vagas nas universidades públicas, com 50% delas destinada a estudantes de escolas públicas. Dentro dessas vagas, se faria um recorte racial tendo como base os critérios do IBGE.
A resolução aprovada sobre conjuntura nacional aponta a importância para o Brasil da eleição do presidente Lula, a qual a UNE apoiou, e também na América Latina; mostra avanços; mas também identifica limites.
Segundo o documento aprovado, “os primeiros meses do novo mandato mostram um governo que ainda precisa resgatar o projeto de reconstrução do Estado Nacional. Há um grande avanço quando o governo lança o Programa de Aceleração do Crescimento, visando um investimento de mais de R$ 287 bilhões em infra-estrutura e nas áreas sociais, contribuindo para a geração de empregos.Mas, ainda precisamos superar os preceitos neoliberalizantes na política macro econômica, como a política monetarista de juros estratosféricos, a política fiscal de superávit, reforçando a submissão a ditadura do capital financeiro-especulativo, por isso a UNE defende a demissão imediata do Henrique Meirelles presidente do Banco Central. Por um lado, o presidente acerta ao vetar a Emenda 3 – uma Reforma Trabalhista enrustida -, mas por outro, o governo sinaliza com uma nova Reforma da Previdência e com restrições inaceitáveis ao direito de greve do funcionalismo e o limite de reajuste para funcionários públicos federais”.
Para a nova presidente, sem demitir Meirelles “não vai ter como exigir um financiamento maior para o ensino público. O governo não vai ter como dar mais verbas”.
Estranhos aplausos
O presidente Lula foi vaiado na abertura do Pan-americano no estado do Rio de Janeiro. A manifestação lhe impediu de fazer a declaração habitual de um chefe de Estado que recebe os atletas em seu país. Os dias que se seguiram foram de muita especulação sobre as razões pelas quais um setor do público teria vaiado o presidente, público este que pagou entre R$ 20 até R$ 250 por cada ingresso. Outra questão também que permeou o debate na imprensa é se haveria alguma orquestração por trás deste episódio.
O Rio de Janeiro é um dos estados em que Lula, embora tenha recebido cerca de 70% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais de 2006, encontra maior resistência da classe média do país. Observando-se os altos custos dos ingressos dos jogos pode-se verificar que o público ali presente não era exatamente de sua base social.
O fato é que as vaias ocorreram no estado do Rio de Janeiro, cuja prefeitura é de um dos principais partidos da oposição a Lula, o Partido dos Democratas (ex-PFL). Sintomático é que neste mesmo espaço, o prefeito César Maia tenha sido muito aplaudido.