Acompanhando as discussões acerca do tema Socialismo Petista, é curioso observar como este tornou-se lugar comum. Entretanto, antes de significar uma ampla identidade com a proposta de construção de uma sociedade socialista, o que se vê é uma generalização pouco criteriosa e mitigada pelos inúmeros adjetivos, ressalvas e ponderações sobre o que seria fruto de uma revolução na qual estariam em lados opostos classes sociais antagônicas com interesses irremediavelmente distintos.

Carlos Nelson Coutinho traz um debate interessante a partir de um pensador francês do século XVII – La Rochefoucauld – segundo o qual a “Hipocrisia é homenagem que o vício presta à virtude”.

A hipocrisia, no nosso caso, estaria no uso generalizado e pouco consusbistanciado do termo socialismo – que deveria ser exatamente nossa virtude – e na sua utilização sem a menor dose de cautela e rigor que o termo requer sobretudo se o mesmo deve, em sua essência, representar alternativas reais de construção de uma sociedade baseada em valores diferentes dos que vivemos.

Repetimos com maior ou menor ênfase, a importância do debate acerca do nosso horizonte estratégico mas não guardamos, entre nossas fileiras, a devida coerência prática que esta audaciosa proposta revolucionária nos sugere.

Defende-se hoje, de modo mais enfático, valores republicanos do que propriamente valores e práticas socialistas. Apresenta-se mais os mecanismos para humanizar o capitalismo do que estratégias de ruptura com os modos de produção que o caracterizam. Fala-se em “socialismo pestista” mas esquece-se da palavra revolução – ou quando utilizada, assim como a palavra socialismo, vem sempre adjetivada como forma de amenizar a força que está por detrás da proposta concreta de ruptura com a exploração, com a burguesia, com a acumulação de riquezas e com a proposta de construção uma outra sociedade.

Uma sociedade na qual caberá a cada um conforme suas necessidades e as suas possibilidades. Uma sociedade na qual a liberdade individual será submetida aos interesses de um coletivo dos sujeitos históricos.

Liberdade, a igualdade e a democracia são hoje, inclusive para nós, valores fundamentais. Entretanto, transforma-se a referência a noções como socialismo e democracia em peças de retórica, e pagamos todos, um preço alto por jogar para debaixo do tapete as condições necessárias para a superação dos modos de produção capitalistas e seu aparato ideológico. Permitimos que a burguesia se aproprie de nossas palavras de ordem e as transforme a tal ponto que não mais as reconhecemos. Observamos, entorpecidos, a incorporação de táticas e da estratégia que menos exige esforços de rompimento com as condições materiais historicamente determinadas em nossa sociedade. Registramos a rejeição do debate de fundo, da crítica e da problematização de temas tão caros à sociedade, transformando-os em tabus diante da hegemonia burguesa.

É preciso debater profundamente e construir novas posturas e abordagens para estes temas. Somente assim, podemos começar a pautar, franca e consistentemente as possibilidades reais de construção de uma nova sociedade.

Finalmente, se o socialismo pode vir a ser a nossa virtude, não podemos cair na armadilha do vício que revela, de maneira implacável a hipocrisia que deturpa as mentes e confunde os corações daqueles que tem diante de si um horizonte muito claro, cujo caminho não permite mediações de qualquer natureza.

*Artigo enviado em 3 de março de 2007