Franklin Martins: TV Pública é da sociedade
Sem as burocracias muito comuns no acesso da imprensa a representantes do governo em Brasília, o encontro rendeu informações, dados e várias opiniões. Antenado com o debate sobre a mídia alternativa, foi Franklin quem fez a primeira pergunta: “Como vocês estão?” Contamos a ele dos projetos da Rádio e TV Vermelho, do crescente índice de visitações. O ministro comparou os acessos do portal com os de seu antigo blog, hospedado no iG: “Vocês estão muito bem”.
Franklin explicou o cronograma e o processo de implementação da TV Pública. O governo deve enviar em agosto um projeto de lei ou medida provisória que dará base legal para a TV. Já estão definidos os modelos de gestão (participativa), de financiamento (independente) e de constituição da rede pública (NBR e TVEs).
O ministro falou da digitalização dos espectros de rádio e tv, sobre a concessão das rádios comunitárias e do novo ambiente que envolve a relação entre imprensa e governo Lula. Seu depoimento ao portal inaugura a seção “Entrevista da Semana”, que passa a ser publicada às segundas-feiras, com conteúdo exclusivo produzido especialmente pela equipe da Sucursal de Brasília.
Leia a íntegra da entrevista a seguir:
O projeto de implementação da TV Pública no país foi recebido pelos movimentos sociais de forma positiva e com grande expectativa, apesar da pressão do setor privado. Em que pé está a articulação?
Há algumas semanas, o presidente Lula organizou uma reunião com vários ministros para fechar uma etapa da discussão da TV pública dentro do governo. Fechamos uma etapa de definição de alguns conceitos básicos com relação ao modelo de gestão, modelo de financiamento e da construção da rede pública.
Entramos agora numa nova fase de detalhamento visando enviar para o Congresso, provavelmente em agosto, um projeto de lei ou uma medida provisória. A partir daí a discussão da TV pública ganha base legal para construirmos em termos práticos a TV pública já com um rumo determinado e definido. Nós teremos 60 dias de detalhamento e aí entraremos na fase final de implantação propriamente da TV pública.
Este é o cronograma que irá até 2 de dezembro, que é a data de inauguração da TV digital em São Paulo, e nós esperamos estar com um arcabouço da TV pública implantado. Mas a TV pública vai demorar alguns anos sendo implementada.
Mas aí será um processo de consolidação, implantação e negociação com TVs locais.
Já se bateu o martelo em três pontos fundamentais para a definição do caráter da TV pública. Primeiro, o modelo de gestão: a idéia básica é que a TV pública terá uma diretoria executiva que tocará o dia-a-dia da TV e ela será controlada por um conselho. Nos moldes em que existem em vários países do mundo. Esse conselho será composto por entre 15 e 20 membros, dos quais o governo indicará um número pequeno. Mais de 2/3 serão de personalidades independentes, e as indicações do governo serão em áreas específicas como comunicação social, cultura, educação, ciência e tecnologia. E o restante será de personalidades independentes, mas não serão representantes de instituições.
A idéia é não se fazer um conselho de corporações. Mas um conselho de usuários da TV pública e que estão preocupados em garantir que ela atenda determinados princípios como pluralidade, respeito às minorias, desenvolvimento do espírito crítico, botar os diferentes Brasis dentro dela. E princípios que serão definidos numa carta da TV pública.
Esses conselheiros terão mandato fixo e enquanto estiverem no seu mandato não devem nenhuma satisfação ao governo. Opinam, votam e a diretoria presta contas a esse conselho do ponto de vista de princípios. Então, por exemplo, o jornalismo tá chapa branca. Aí o conselho diz ó, não tá dando. A programação não tá absorvendo a produção regional, ou tão se passando valores que estigmatizam ou discriminam minorias…
Com relação ao financiamento, numa fase que ainda vai precisar de mais detalhamento mas que já ficou acertado, é que seria necessário ter um modelo de financiamento que deixe a TV pública independente financeiramente diante do governo. Que ela receba recursos orçamentários para que a chave da torneira não esteja na mão do governo.
Estão-se estudando alguns modelos, desde participação de alguns fundos ou parte da alíquota de determinados impostos e determinadas circunstâncias, ou um planejamento plurianual que não pode ser revertido. Estão se estudando mecanismos que garantam esta independência. Não há ainda uma definição a respeito de qual seria o mecanismo mais adequado.
Isso se espera ter resolvido nos próximos 60 dias e, do ponto de vista do modelo de constituição de meios públicos, a idéia é fundir as estruturas da Radiobrás e da Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, que controla as TVEs do Maranhão e do Rio de Janeiro), numa nova estrutura que ainda está se discutindo.
Qual é o melhor formato jurídico – se é uma organização social, se é uma fundação pública de direito privado -, está se estudando tudo isso no momento atual. Tem uma espinha dorsal, parte reunindo as duas estruturas, os dois orçamentos, o quadros de funcionários. Você tem uma massa crítica para dar a largada.
Em torno desta coluna vertebral se partiria para construir uma rede, estabelecendo acordos, parcerias com as TVs educativas ou universitárias abertas que existem nos diferentes estados. Em pelo menos 25 estados existem TVs com estas características.
Então a idéia é ir montando essa rede. A TV pública ofereceria uma parceria na formação e a idéia é ter pelo menos quatro horas de programação local e quatro horas de programação de produção independente. Aí você teria o restante de uma programação nacional inclusive parte dela será com parceria com emissoras locais.
A idéia do programa de financiamento de produção independente é atender também à pluralidade regional cultural do país. E, ao mesmo tempo, o governo federal lançaria um programa de reequipamento das TVs públicas que de um modo geral estão muito sucateadas.
Haverá reestruturação das TVEs e da Radiobrás?
Neste momento de transição para digital, haverá um programa que durará alguns anos porque a transmissão digital vai se implementar ao longo de vários anos no país. Em contrapartida, o governo federal exigiria que quem entrar nessa rede terá que ter um modelo público de gestão. Digamos, o estado X, hoje em dia quem manda é o Palácio do governador. Mas, se quiser compor essa rede e entrar no programa de reequipamento, terá que ter uma modificação no seu modelo de gestão. O governo federal não vai querer determinar como é, mas tem que ser um modelo semelhante que ele adotou do ponto de vista de ter mecanismos que permitam um controle público, e não estatal.
Mas isso acaba com o perigo da influência do governo, da intervenção do governo?
É evidente que não acaba. A BBC, que é uma TV pública absolutamente consolidada, teve problema na Guerra do Iraque. É normal. Mas o terreno para expressão dos interesses públicos é muito mais forte do que no outro modelo. E a expressão dos interesses meramente governamentais fica mais enfraquecido. Esse é o tamanho desse modelo que acreditamos ser mais favorável ao fortalecimento do caráter público da TV pública.
O artigo 221 da Constituição Federal afirma que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos princípios da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística; e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Como seguir estes preceitos?
O projeto pega parte da regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal naquilo que o artigo determina. A TV Pública no Brasil será comercial, pública e governamental com caráter complementar entre elas. A idéia é exatamente essa.
Essa estrutura que nascerá da fusão da Radiobrás com a Acerp, uma parte dela continuará a fazer a comunicação de governo. A NBR vai continuar a existir, mas vai andar com sinal fechado. Ou seja, outras atividades, como o Café com o Presidente, vão continuar a ser feitas mediante a uma prestação de serviço que o governo federal contrata junto a essa TV. Isso não vai para TV aberta. Isso é uma prestação de serviço como se fosse uma produtora.
A TV pública não veio para competir com a TV comercial. Não veio para substituir a TV comercial. Não veio para asfixiar a TV comercial. Ela veio para fazer a TV pública, que existe no Brasil mas profundamente debilitada, sucateada. Porque não existe uma rede nacional de TV pública no Brasil. Não existem investimentos públicos compatíveis com as necessidades.
Estima-se que o orçamento anual das TVs comerciais do Brasil varia de R$ 5,5 bilhões a R$ 350 milhões. O governo está se propondo de largada um orçamento mais baixo da TV comercial, em torno de R$ 350 milhões. E isso é um avanço significativo em relação ao que existe hoje que, juntando TVE e tudo, dá em torno de R$ 200 milhões.
Com relação à rede, nós temos as TVs Senado, Câmara, Judiciário… Não conseguimos colocar isso no sinal aberto?
O problema é o seguinte: o espectro é limitado. O espectro de rádio ou televisão tem uma limitação. Você chega numa cidade como São Paulo, é lotado de um lado ao outro do espectro. Isso quer dizer que, se você meter mais alguma coisa, um sinal começa a interferir no outro.
A digitalização, em potencial, poderia ajudar a democratizar esses canais. Nós vamos levar um tempo migrando para o digital. Vamos ter o digital, mas a maioria das pessoas continuará vendo a televisão pelo analógico. Então as emissoras são obrigadas – e isso foi uma definição do governo brasileiro – a oferecer simultaneamente o sinal analógico e o sinal digital ao telespectador. Sinal aberto gratuito livre. Caso contrário, teremos a TV digital e uma outra coisa em canais diferentes.
A TV digital abre espaços mais à frente para você ter multiprogramação, para você ter mais canais. Mas neste primeiro momento estaremos transmitindo nos dois sistemas. As TVs Justiça, Câmara, Senado, das Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais em geral, elas são sinais fechados, não estão nesse espectro. Estão indo por cabo. Mais a frente será que haverá possibilidade? É provável! Mas aí é uma discussão mais para frente.
Num primeiro momento, nós estamos queremos botar no ar uma TV de caráter público generalista. Em tese, teremos quatro canais, mas não botaremos quatro canais no primeiro momento. Queremos fazer bem o primeiro. Se ele aprovar, façamos um segundo específico para educação. E isso aos poucos.
As emissoras privadas comerciais não têm interesse na multiprogramação por uma razão muito simples: o bolo publicitário não vai crescer significativamente. Ele é X; se você botar quatro programações diferentes, você vai dividir X por quatro. No outro você divide X por um. Ou seja, você continua a entrar no X e você está gastando mais fazendo quatro.
Já no caso da TV pública, que não tem esse objetivo comercial, eu não preciso me preocupar de dividir o bolo publicitário. O que me interessa é a oferta e a programação que faço. Nós assistiremos, provavelmente mais à frente, às TVs comerciais se contentando em ter um canal com uma ótima qualidade, etc, e na máxima interação para venda de serviços, etc. Enquanto na TV pública você terá várias programações, multiprogramação e um interesse numa atividade maior que permita, inclusive, que o sujeito que está em casa.
Isso quem tiver banda larga, que irá compor a programação que ele deseje, pegar programas. Eu posso ter um bloco de filmes brasileiros – vai lá e pega, é gratuito. Na TV comercial ele vai ter que pagar para isso. Então eu diria que a TV digital é um avanço muito importante para o poder publico.
Neste ano, vencem algumas concessões de rádio e TV no país. A grande mídia brasileira e setores da oposição ficaram muito impactados com o que houve na Venezuela, a questão da não-renovação do sinal da RCTV, tendo já explicitado sua preocupação de que o governo brasileiro possa trilhar esse mesmo caminho com emissoras que são mais críticas ao governo. Eu acho isso um preconceito mais do que qualquer coisa. O governo brasileiro nunca emitiu nenhum sinal de que está se preparando para fazer isso. Acho que isso é mais um discurso ideológico, uma coisa de querer de vez em quando pendurar no governo uma etiqueta de antidemocrática. Mas isso não corresponde nem um pouco à realidade.
Na verdade é o seguinte: as empresas de rádio, televisão, os jornais, as revistas, a imprensa de um modo geral, gozam de uma liberdade de imprensa total no Brasil. Publica o que quer – e evidentemente que, quando se publica o que quer, a gente também está sujeito a críticas. Não quer dizer que publiquei e está por isso mesmo. E quem é o crítico mais severo? É o telespectador, é o ouvinte, é o leitor, que muitas vezes olha e diz que não está me convencendo isso aqui, e toma distância, fica crítico, deixa claro que não está gostando daquilo… E isso força retificações, força mudanças.
Nós estamos assistindo, o conjunto da imprensa brasileira, a uma retificação positiva de comportamento, que é fruto do fato de muitos leitores, muitos telespectadores, terem durante aquele período da crise, formado uma visão muito crítica em relação ao comportamento desse ou daquele órgão, desse ou daquele jornalista, etc. Acho que é positivo para a imprensa.
O controle externo da mídia deve ser feito pela sociedade. Não pelo governo. A sociedade cuida disso. Eu já disse varias vezes: não cabe ao governo plantar, regar e colher órgãos favoráveis nem asfixiar órgãos que não são favoráveis. É a sociedade quem cria e consolida órgãos ou então que enfraquece órgãos que vai chegando a conclusões que não estão a altura dos serviços que eles se propõem a prestar.
O senhor concorda com uma lei que regule o setor, tipo a lei de Responsabilidade Social de Rádio e Televisão que tem na Venezuela e que o governo de Hugo Chávez se baseou para não renovar a concessão do canal?
Eu não vou me pronunciar sobre a questão da Venezuela. Quando falo, eu estaria falando como ministro, falando portanto como governo, e a posição do governo é a não-interferência nos assuntos de outros países. Isso vale para agora como valeu quando ocorreu a reunião do Mercosul.
O presidente Chávez trouxe uma proposta de que o Conselho dos Países do Mercosul aprovassem uma resolução de apoio ao fechamento da televisão lá, e o Brasil foi contra por achar que não deveria interferir nos assuntos dela.
O governo brasileiro cumpre seu papel básico na relação da imprensa no Brasil que é garantir a mais absoluta e irrestrita liberdade de imprensa. E acha isso muito bom para o país. Acha bom para a imprensa. E acha bom para o governo, porque o governo sendo criticado pode perceber os seus erros. Quando as críticas são justas, pode reafirmar seus pontos de vistas.
É bom para a imprensa porque a imprensa exerce a liberdade, mas ela também se submete ao julgamento crítico dos seus leitores, telespectadores e ouvintes. É bom para o Brasil, que vai aos poucos separando o joio do trigo e qualificando o debate publico. Só com liberdade se faz um debate público qualificado.
Ministro, o movimento das rádios comunitárias denuncia que neste governo do presidente Lula têm sofrido mais perseguição do que nos governos anteriores. Como o senhor vê esse processo de concessão para as rádios?
Eu não tenho condição de dizer a você se nos outros governos eram mais abertos que este. Não estou contestando – apenas não tenho condição de confirmar ou rejeitar sua afirmação. Pessoalmente, o governo vai ter que fazer um esforço muito sério na área das rádios comunitárias porque nós estamos no faroeste.
Nas chamadas rádios comunitárias existe de tudo hoje em dia. Existem rádios que efetivamente são comunitárias e estão legalizadas. Existem rádios que efetivamente são comunitárias e não estão legalizadas e querem se legalizar. Existem rádios que não são comunitárias e estão legalizadas como comunitárias. E existem rádios que não são comunitárias e não estão legalizadas.
E são milhares de rádios, com uma potência muito baixa interferindo umas nas outras etc.. Muitas delas são, na verdade, rádios comerciais disfarçadas, justamente porque o espectro é finito e acabou, quer dizer que se invadiu uma outra área.
Acho que é necessário fazer uma varredura. Nós tivemos ontem (29/5) em São Paulo problemas importantes de interferência de rádios comunitárias. Eu não sei te dizer se são rádios comunitárias verdadeiras ou não, legais ou não. Mas sinais de rádios comunitária, de pequeno alcance de 1 quilômetro, 2 quilômetros, interferindo nas comunicações entre aviões e aeroportos, é uma coisa grave. Eu acho que era necessário fazer um mutirão. Essa é minha opinião.
Isto não é algo que esteja afiado ao Ministério da Comunicação, da Secretaria de Comunicação Social – isto quem tem que realizar é o Ministério das Comunicações junto com a Anatel. Mas eu acho que tem que ser feito mutirão que bote ordem nessa área. O que é comunitário tem que se ceder e tirar registro, tem que se ceder o diploma para funcionar e o que não é comunitário não pode funcionar. E o que está funcionando como comunitária e não é, tem que ser cassado.
As teles e as TVs pressionam o governo de várias formas. E a lei geral de telecomunicações – como o senhor está vendo o processo?
O Ministério da Comunicação está trabalhando em cima de um projeto na Lei Geral de Comunicação de Massa, que será discutido oportunamente no governo. Eu ainda não tive acesso a esse material e é uma discussão importantíssima. Você pode dizer que há uma lei de comunicação – mas é do tempo do rádio, do começo da televisão. Então ela não contenta todas as transformações tecnológicas que nós atravessamos. Então é necessário.
Tem uma disputa forte entre importantes grupos empresariais de natureza distinta. Por exemplo, com a convergência de mídias e hipóteses de que as teles possam produzir conteúdo. Com a convergência de mídias, mantemos o atual modelo em que as teles não podem produzir conteúdo. O conteúdo tem de ser produzido apenas por empresas que no máximo até 30% do seu capital esteja fora das mãos de nacionais, com direção nacional. Ou as teles passarão a produzir e sendo assim têm que haver uma revisão da coisa anterior. São disputas de dois grupos fortíssimos.
As teles são grupos econômicos muito fortes. Por outro lado, as televisões são grupos políticos muito fortes, com influência política muito forte. E isso se dá dentro do processo de migração para o digital, surgimento de novas mídias etc. Nós estamos vivendo uma ebulição muito grande. É evidente que teremos que ter uma lei geral de comunicação de massa que responda a uma série dessas questões. Mas eu estou preocupado neste momento é com a TV Digital.
O senhor fez carreira na grande imprensa. Como se sente agora ao estar participando de um governo?
Eu nunca estive do lado dos meios de comunicação. Sou jornalista. Apenas hoje em dia não estou correndo atrás de notícias para publicar todo dia. Estou procurando passar a minha competência entre aspas. Minha experiência para que o governo possa ter uma relação profissional democrática fluída com a imprensa. Acho que isso é muito bom para a imprensa, muito bom para o governo, muito bom para o país.
Nós vivemos nos últimos anos, em 2005 e 2006, uma crise política gravíssima e, em alguns momentos, uma crise política selvagem, que não respeitou qualquer limite. Partimos para o vale-tudo. O país chegou a se intoxicar. Nós estamos numa fase de desintoxicação, de desenvenenamento. Houve uma época que dois amigos começavam a conversar sobre política, e dez minutos, cinco minutos depois estavam elevando o tom de voz um para o outro como se fossem dois inimigos totais. Isso porque os dois lados se desqualificaram nessa disputa política.
Eu acho que o eleitor, nas eleições de 2006, não apenas elegeu o presidente Lula, mas fez mais do que isso. Ele deixou muito claro que ele não queria um prosseguimento daquele clima envenenado no país. Ele queria uma distensão nas relações políticas, que está preocupado que o país cresça e que a vida das pessoas melhore, que as pessoas tenham melhores condições de vida e de trabalho, que o país seja mais justo, que haja inclusão social, emprego, renda, melhore a educação, que enfrente os problemas de segurança.
Ele queria debate e solução para os seus problemas complexos e não um paroxismo de disputas políticas do qual ele desconfiou e do qual tomou distância a partir de um determinado momento.
Em todas as oportunidades em que um candidato subiu de tom agudamente, que ficou parecendo pirotecnia, imediatamente foi punido nas pesquisas. A senadora Heloísa Helena teve um crescimento forte durante um período. Quando ela partiu para um ataque frontal – e, na minha opinião, artificial – em relação ao governo, imediatamente ela caiu nas pesquisas. Ela tinha chegado a 12, foi acabar com 6.
O governador Geraldo Alckmin, quando passou do ponto no segundo turno, caiu imediatamente. O presidente Lula, quando não foi ao debate no primeiro turno, caiu. E houve um segundo turno por causa disso. O governador Alckmin, quando se recusou a debater a questão das privatizações, dando a entender que a posição dele não era a que o eleitorado achava que era a posição do partido dele, favorável as privatizações – afinal, o partido dele tinha conduzido o megaprocesso de privatizações no Brasil -, quando ele também recusou o debate, ele que já estava nas pesquisas 12 pontos atrás do presidente Lula, caiu para 20 pontos atrás.
Então, nós tivemos um eleitor muito maduro, muito vigilante, atento, mostrando o seguinte: eu quero um debate qualificado. O bom do resultado eleitoral, eu acho, foi essa posição do eleitor, passando para sociedade como um todo. As pessoas foram entendendo o que se aconteceu, que não queriam mais. Queriam se desintoxicar, começamos a nos desintoxicar.
A mídia entendeu que em alguns momentos tinha alguns demais, indo longe demais… E que tinha que reagir ao puxão de orelha que estava levando. O governo entendeu que tinha que ter uma relação diferente com a mídia. Não podia continuar tendo atitude defensiva escondida da sociedade. Tinha que assumir claramente o debate de suas propostas de suas posições. Ou seja, travar a disputa política, o que ele não fez em boa parte da crise, ele se escondeu e quis botar a culpa só na mídia.
A mídia tem a sua responsabilidade, mas o governo tem a sua. Porque ele não travou a disputa política e a oposição também foi forçada a repensar sua atuação. Por isso que nós estamos assistindo a um clima de distensão no país. É impressionante. O presidente Lula está entrando agora no sexto mês do seu mandato. E, no entanto, o clima é de distensão política total no país. Nós não estamos tendo aquele clima exasperado. Por quê? Prevalecendo a vontade do eleitor que impôs um novo ambiente para a luta política no país.
Apesar da Operação Navalha…
Mas isso é normal. O Brasil tem muitos problemas. E quando aparecem os problemas há uma sensação de desconforto. Mas o problema não nasceu agora, já existia. Ele está aparecendo porque as operações estão detectando os problemas, trazendo à tona, revelando fatos, exibindo atividades criminosas. Isso é ruim? Tem um lado ruim – era melhor que não fosse assim. Mas tem um lado bom: nós estamos topando com os nossos problemas.
O clima de desintoxicação se pôde perceber também na primeira entrevista coletiva do presidente com a imprensa, apesar de alguns jornalistas estarem querendo alimentar um certo tensionamento ainda. Mas a grande maioria percebeu que foi uma coletiva tranqüila. O presidente está mais tranqüilo na sua relação com a imprensa.
O presidente tem falado muito com a imprensa, se dispôs a ter uma relação de novo tipo com a imprensa no segundo mandato – e está tendo. Ele já deu mais de 50 entrevistas dessa chamada quebra-queixo, que são entrevistas nas saídas de eventos. Na saída de um ato, responde a duas, três perguntas feitas pela mesma repórter. São declarações, perguntas – geralmente perguntas sobre os assuntos do dia.
Nós, que somos jornalistas, sabemos como isso é importante do ponto de vista da imprensa. Como é importante do ponto de vista da comunicação do governo. Ou seja, ele está falando sobre os problemas que estão nas cabeças das pessoas porque as perguntas são feitas. É uma relação intensa.
Além disso, já teve café da manhã com os principais colunistas do país, respondeu a todas as perguntas que eles fizeram. Teve com os setoristas do Palácio do Planalto. Deu aquela entrevista coletiva. E ele falava muito. Tem direito a réplica. E aí eu abro um parênteses. Isso é uma questão de bom senso – se há réplica.
O que se chama réplica é pedido de esclarecimento. Eu queria precisar que não ficou muito claro isso. Eu acho que é absolutamente pertinente em qualquer entrevista coletiva. Se você quer fazer uma nova pergunta, uma terceira pergunta ou debater com o presidente, pessoalmente, acho que não cabe numa entrevista coletiva. Porque não é entrevista exclusiva, que você faz quantas perguntas que você quiser. Uma coletiva tem uma regra. Eu acho que houve aqui ou ali algum jornalista que não pegou muito bem o espírito da coisa. Mas acho que o conjunto da coisa foi de compreensão de que isso aqui é uma entrevista coletiva onde cada um tem direito a uma pergunta, faz perguntas, adendos de perguntas, e se for necessário esclarecer algum aspecto ou se tiver havido uma incompreensão da pergunta, uma coisa assim… Tirando isso, acho que foi boa a entrevista. O presidente esteve bem. Nosso presidente está muito bem.
Além disso, o presidente tem falado muito com a imprensa de outros países. O presidente, em quase todas as viagens mais importantes, e no caso de todas as viagens para a América do Sul, está dando entrevistas exclusivas ou coletivas aos principais jornais desses países. Fez assim quando foi ao Chile, a Argentina, no Paraguai, agora vai à Índia. Em Londres, ele vai dar entrevista para os principais jornais indianos, e provavelmente dará entrevistas para jornais ingleses e televisões inglesas.
O presidente está falando muito. E ele mesmo diz que está mais leve, soando leve. E acho que a imprensa está mais leve. E, se eu tivesse que definir, acho que todos estamos mais leves – e isso é muito bom.