Valter Pomar – maio 2007
Como muitos conceitos, o de “revolução democrática” é polissêmico. Há dois sentidos mais usuais: o de revolução democrático-burguesa e o de democratização radical.
Os signatários da “Mensagem ao Partido” não levam em conta o primeiro sentido. Uma pena, pois ele ajuda a esclarecer os vínculos entre a “refundação”, os “valores republicanos” e a “revolução democrática”.
O que a “Mensagem” chama de revolução democrática coincide, em larga medida, com a idéia da “democratização radical”. Para alguns de seus signatários, que nos anos 1990 compunham uma tendência denominada “democracia radical”, isto certamente não constitui novidade.
Aliás, o debate sobre as relações entre revolução democrático-burguesa, democracia radical e socialismo é tão antigo quanto o próprio movimento socialista.
Nas grandes revoluções burguesas (a inglesa, do século XVII; a francesa e a americana, na segunda metade do século XVIII; as européias, ao longo do século XIX), existia um setor mais radical, que defendia a máxima extensão da democracia política e também medidas de democratização radical da propriedade. Portanto, um setor que pretendia levar a revolução além dos limites desejados pela burguesia.
Pouco a pouco, esta “ala esquerda da revolução burguesa” foi adquirindo maior nitidez teórica e política, dando origem ao que conhecemos hoje como movimento socialista.
Dentro do movimento socialista europeu, na segunda metade do século XIX, conviviam e disputavam diversas posições frente ao capitalismo, frente ao Estado e frente às liberdades democrático-burguesas.
Ganharam mais força as posições que combinaram a propaganda sobre o objetivo final socialista, com políticas de acumulação de forças, através da luta por reformas democráticas e sociais, mesmo que nos marcos do capitalismo.
Foi neste contexto que ocorreu o grande debate sobre “reforma ou revolução”.
Que no fundo dizia respeito a como combinar a luta por reivindicações democráticas e sociais, que visam melhorar aqui e agora as condições de vida das classes trabalhadoras, com a luta por revolucionar o capitalismo e criar uma sociedade socialista.
Trata-se de um debate muito complexo, inclusive porque sua solução no terreno teórico não o soluciona do ponto de vista prático. Noutras palavras:
as revoluções, as crises e situações revolucionárias, são fenômenos raros. O que cria uma situação muito difícil para todos os partidos que se pretendem revolucionários: como participar da vida política cotidiana (ou seja, na luta por reformas), sem cair no “reformismo”.
É nesses marcos que devemos apreciar a seguinte passagem da “Mensagem”: “uma experiência de transição democrática ao socialismo é inédita na história da humanidade”.
Podemos deduzir, neste caso, que teria havido transições não-democráticas ao socialismo? E o que caracterizaria estas “transições não-democráticas”?
Seria a violência revolucionária?
Parece que aqui a “Mensagem” estabelece uma oposição indevida entre “violência revolucionária” e “democracia”. Se estiver correta a nossa interpretação, a “Mensagem” considera que a “revolução democrática” seria uma “revolução não-violenta”, propondo pois um conceito de “democracia” que exclui, por definição, a democracia revolucionária; e um conceito de “revolução” que exclui a violência revolucionária.
Nesta questão, como em outras, a “Mensagem ao Partido” se aproxima bastante das preocupações da tese “Construindo um novo Brasil”, para quem “a superação do capitalismo não se dará pela via da ruptura violenta”.