Gustavo Venturi analisa pesquisa dos idosos

A pesquisa Idosos no Brasil – Vivências, desafios e expectativas na 3ª idade, realizada pela Fundação Perseu Abramo por meio de seu Núcleo de Opinião Pública, em parceria com o SESC Nacional e SESC São Paulo, em abril de 2006, ouviu 3.759 brasileiros e brasileiras. Distribuídos em 204 cidades das cinco regiões do país, idosos e não idosos responderam a um extenso questionário sobre suas percepções da velhice.

A coordenação da pesquisa coube ao cientista político Gustavo Venturi e à socióloga Marisol Recamán. Nesta entrevista, Gustavo Venturi fala sobre os resultados da pesquisa.

Entrevista com Gustavo Venturi (coordenador da pesquisa Idosos no Brasil)A pesquisa ouviu idosos e não idosos. O que se esperava desse cruzamento de dados?
No planejamento da pesquisa avaliamos que tão importante quanto dar voz aos idosos para que falassem de suas percepções e vivências na 3ª idade, seria investigar a imagem da velhice entre os adultos não idosos. E isso por duas razões: primeiro, porque os jovens e adultos não idosos constituem a maioria da população e, como tal, predominam nos espaços públicos e nos relacionamentos partilhados pelos idosos; segundo, porque, em geral, esse é o perfil etário [não idoso] dos responsáveis pela elaboração de políticas públicas, inclusive para os idosos.

Os temas abordados pela pesquisa são muito variados, resultando num questionário de 155 questões. Como se chegou a esse conjunto de temas e questões?
Como em outras pesquisas nacionais desenvolvidas no Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo (mulheres em 2001, juventude em 1999, aprofundada com o Instituto Cidadania em 2003, e racismo em 2003), a discussão do que deveria ser investigado partiu de seminários internos a que compareceram mais de 30 pessoas, entre estudiosos e representantes de entidades que desenvolvem trabalhos sociais junto à população idosa – além da parceria como o SESC, que tem longa tradição de atividades dirigidas à 3ª idade. Foi dessa diversidade e pluralidade de contribuições que resultou a definição das prioridades e a amplitude dos temas abordados.

Quais foram as revelações mais surpreendentes da pesquisa?
Um dos achados, senão surpreendente, certamente importante, diz respeito ao fato de que a imagem que os não idosos têm da 3ª idade é mais negativa − portanto, preconceituosa, com potencial para comportamentos discriminatórios − que a avaliação que os idosos fazem de sua própria condição. Este contraste, aliás, confirmou o acerto da estratégia de ouvir também os não idosos.

Sem deixar de ser críticos com os problemas que enfrentam por conta da idade − sobretudo a perda gradual de capacidades e as transformações físicas, os adoecimentos e a perda de autonomia para algumas atividades − os idosos fazem um balanço mais equilibrado de sua condição, valorizando, mais que os não idosos, aspectos positivos da chegada à 3ª idade, como as experiências adquiridas, o tempo livre, a independência econômica e outros.

Ser idoso hoje é melhor do que já foi antes, é o que relatam 56% dos idosos entrevistados. A que se deve essa percepção de melhora?

A avaliação de que vida do idoso ou da idosa melhorou em comparação ao que era antes − uma consciência que de novo contrasta com a percepção dos não idosos − sustenta-se sobretudo no reconhecimento da existência de novos direitos (com destaque para a aposentadoria, a gratuidade em transportes públicos, o atendimento preferencial em filas), em avanços na saúde (como maior acesso a remédios e novos tratamentos) e na percepção de que hoje os idosos contam com mais opções de lazer, com alternativas especificamente voltadas ao seu grupo social. Mas não se pode perder de vista que estamos falando dos idosos brasileiros, ou seja, como qualquer outro segmento populacional, atravessados por desigualdades regionais, de classe social, de gênero e “raça” que levam a variações consideráveis nas respostas a perguntas como essa.

85% dos não idosos dizem que existe o preconceito em relação ao idoso, mas apenas 4% admitem ser preconceituosos em relação a essa população. Não há uma aparente contradição nesses dados?
O que esse contraste confirma é que as pessoas sabem que preconceito é feio e poucos admitem que são preconceituosos. Captamos algo bastante semelhante no pesquisa sobre racismo: para 90% da população brasileira adulta existe racismo no Brasil, para 87% da população branca os brancos têm preconceito de cor contra os negros, mas, em uma pergunta direta, apenas 4% assumiram que são preconceituosos. Como o preconceito de cor − junto com a questão das discriminações institucionais − constituía um dos eixos centrais daquela investigação, reaplicamos questões que tinham sido desenvolvidas pelo Datafolha em 1996, que mediam manifestações indiretas de preconceito e pudemos constatar, em 2003, que mesmo sem assumir, 3/4 da população ainda manifestava preconceito racial em algum grau.

Nesta pesquisa com idosos, embora importante, o tema do preconceito era um entre muitos prioritários e a extensão do questionário nos impediu de desenvolver uma estratégia semelhante, que captasse manifestações indiretas de preconceito contra os idosos. Fica o desafio para futuras investigações.

A pesquisa revela que uma boa parcela dos idosos brasileiros já sofreu algum tipo de violência por sua condição de idoso. Espontaneamente 15% relataram o fato, mas ao serem lembrados de diferentes formas de violência, os resultados mostram que esse índice chega a 36%. Como se chegou a ele? Por que os idosos não percebem que estão sendo vítimas de discriminação ou de desrespeito?
A analogia necessária agora é com a pesquisa nacional com mulheres em que investigamos com profundidade o tema da violência de gênero, observando lá também um contraste semelhante: num primeiro momento, 19% das brasileiras afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência de parte de algum homem, mas após o estímulo de 12 modalidades de violência, entre físicas, psíquicas e sexuais, o índice de violência saltou para 43%. Nos dois casos, mulheres e idosos, a principal razão das diferenças está no conceito de violência, muitas vezes compreendido apenas como violência física que chega às vias de fato, desconsiderando outras formas, sobretudo psíquicas, que a literatura especializada tem reconhecido como igualmente perniciosas e depressoras da auto estima, como ameaças, ofensas morais e desqualificações sistemáticas.

Quais são as principais sinalizações desta pesquisa? Qual é o olhar que as instituições que lidam com a terceira idade devem lançar sobre essa população? E o poder público? Que tipo de iniciativas podem ser tomadas a partir dos resultados desta pesquisa?
Ao mesmo tempo em que a pesquisa, ao dar voz aos idosos, aponta, como dizíamos, para uma leitura mais positiva da 3ª idade, por outro lado os resultados também trazem suas carências e demandas − subsídios potencialmente úteis, supomos, para o planejamento e execução de políticas públicas para os idosos. Há dados sobre áreas tão distintas como saúde, acessibilidade nos espaços e transportes públicos, lazer e oportunidades de educação na 3ª idade, instituições de longa permanência, preparo para a aposentadoria e outras, que merecem uma leitura crítica por parte de atores sociais, públicos e privados, voltados para a os idosos − um segmento que em cerca de duas décadas e meia tende a dobrar, passando de 8% para 16% da população brasileira.

Quanto antes, sociedade e Estado, reconhecermos a dimensão do impacto social desse cenário que se aproxima, debatendo soluções e agindo a curto e médio prazos, mais seremos capazes de garantir universalmente aos nossos idosos (vale dizer, a nós mesmos, se tivermos o privilégio de envelhecer) o direito à dignidade que merecem.