Soneto do desmantelo azul, de Carlos Pena Filho
Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
*Carlos Pena Filho é poeta recifense, morto aos 31 anos em 1960, em um acidente de automóvel, foi assim saudado por Jorge Amado: “Era o seu poeta (de Recife), o irmão mais novo de Joaquim Cardoso, o amigo do general e do pobre da esquina, da aeromoça e do folião do carnaval, do prefeito e da rainha do maracatu, do poeta Ascenso e do compositor Capiba, do pintor Brennand e do fabuloso Ariano, do ateu e do católico, do protestante e do espírita, do rico e do pobre, era a doce fantasia e a densa realidade, o ar, a chuva e o sol dessa cidade, seu cotidiano de beleza, eras o seu poeta.”