É reconfortador ler, logo no primeiro parágrafo da tese “Construindo um novo Brasil”, que nosso Partido “reafirma suas convicções, acredita e quer o Brasil como um país socialista”. E ver, mais adiante, a mesma tese dizer que “somos anticapitalistas por entendermos que o capitalismo, por sua natureza, gera miséria, fome, violência, guerra e destruição da natureza”.

Parece existir um sincero esforço de reafirmar o caráter socialista do PT. Mas este esforço não está baseado numa análise do desenvolvimento capitalista mundial e nacional; nem tampouco na atualização do debate sobre as tentativas de construção do socialismo no século XX, sobre os limites das experiências social-democratas pós-1990, sobre a evolução dos países que seguem governados por partidos comunistas, tais como China e Cuba; nem sobre o que se está passando em alguns países da América Latina, cujos governantes se propõe a construir o “socialismo do século XXI”.

Estes e outros temas são abordados, na maioria das teses, de maneira impressionista e retórica. Na média, as teses inscritas ao 3º Congresso retratam a precariedade do debate teórico no PT. O resultado é que as conclusões estão muito aquém do necessário e os argumentos permanecem no mesmo patamar da época da “crise do socialismo”, nos anos 1990.

Onde isto fica mais nítido é no credo “reformista” da “Construindo um novo Brasil”: a “superação [do capitalismo] não se dará pela via da ruptura violenta, nem pela adoção de modelos já fracassados”.
A noção de socialismo processual, sem “ruptura violenta”, tem pelo menos duzentos anos. Trata-se de uma tese de grande popularidade, principalmente entre as massas trabalhadoras. O problema é que nossos desejos de uma “transição pacífica” não são correspondidos pelas classes dominantes. Toda a experiência histórica mostra que, antes mesmo que as classes trabalhadoras se organizem ao ponto de ameaçar a continuidade da ordem capitalista, os defensores desta ordem lançam mão, preventivamente, de todos os instrumentos disponíveis para restaurar o status quo.

O que quer que se entenda por “revolução democrática” e por “socialização da política”, ainda assim cabe responder: é possível construir uma sociedade sem exploração, nem opressão, sem uma “ruptura” com a ordem capitalista? É possível uma “ruptura” com a ordem capitalista, sem que ocorra algum tipo de “violência” no curso do processo, inclusive por iniciativa das classes dominantes?

Quem defende que a superação do capitalismo não se dê pela via da ruptura violenta, deveria desenvolver mais suas idéias a respeito. Ou que nos informe ter combinado com “os russos” o desfecho da partida.
A verdade é que a tese “Construindo um novo Brasil” não trabalha de maneira adequada estas e outras questões, que são citadas, tangenciadas, mas não apresentadas satisfatoriamente. Por exemplo: meio largado no meio da tese, pode-se ler o seguinte raciocínio: “temos de criar o mercado interno que, com a integração da América do Sul, dê dinamismo ao capitalismo brasileiro e promova outro tipo de reforma. A partir daí poderão surgir outros temas em discussão, aparentemente proibidos hoje, como a propriedade social e o caráter da empresa privada. Cria-se uma perspectiva socialista, e não só de reformas dentro do capitalismo”.

Como combinar, na vida real, um programa de desenvolvimento do capitalismo com uma estratégia socialista que não caia na trampa da social-democracia? Infelizmente, a tese “Construindo um novo Brasil” não responde.

*Artigo enviado em 1 de abril de 2007
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