Entrevista com Paulo Henrique Amorim: Pronto para o confronto
Por Paulo Donizetti de Souza e Nicolau Soares
Quando Mino Carta comandou a criação da Veja, em 1968, Paulo Henrique Amorim estava por perto, e acabou sendo o primeiro correspondente da revista em Nova York. Hoje, ele faz questão de observar que Mino abomina a cria. Diz que considera Veja uma publicação de extrema direita, mas só quando está bonzinho – em seu estado “normal”, chama-a de boletim do pensamento fascista. Graduado na Fundação Escola de Sociologia e Política, de São Paulo, sua formação jornalística, segundo ele próprio, deu-se na imprensa escrita.
Em 2005, lançou em parceria com a jornalista Maria Helena Passos Plim-Plim – A Peleja de Brizola contra a Fraude Eleitoral (Editora Conrad), livro-reportagem sobre o Caso Proconsult, uma tentativa de fraudar as eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982.
No meio eletrônico, Amorim abriu o escritório da Globo em NY – depois passou por Band, Cultura e Record, onde permanece, apresentando o programa Domingo Espetacular. Inaugurou as coberturas em tempo real para webTV no antigo Zaz e estreou com o multimídia UOL News em 2000. Hoje, hospeda no IG seu site Conversa Afiada.
O jornalista acredita que a imprensa “trabalhou, trabalha e trabalhará” pela abreviação do mandato do presidente Lula e que a mídia é antitrabalhista, e portanto anti-Lula, desde a era Getúlio. Mas crê que o mundo das comunicações dá vários sinais de que está em processo de mudança no país. Amorim deixa claro que não gosta de FHC, da Globo, da imprensa farisaica, do Ronaldinho “Fenômeno”, de quem fala mal do Rio de Janeiro e de nordestinos. O que ele realmente gosta é de confusão.
A TV ainda é o veículo mais influente sobre a sociedade não-organizada. Como você vê o desempenho da TV brasileira na formação da inteligência dos cidadãos?
A TV brasileira não nasceu para isso. Ela copiou o modelo americano, que se opôs ao inglês. O modelo inglês veio do rádio. A BBC rádio inspirou a criação da televisão. A certa altura da história americana, com o presidente Roosevelt, o governo teve de escolher entre fazer televisão pública ou privada. Roosevelt escolheu televisão e rádio privados porque ele tinha 100% dos jornais americanos contra ele. Então, fez um acordo com os donos de emissoras e deixou a legislação correr na linha da privatização para poder chegar ao povo americano. Roosevelt fez uma reforma institucional muito importante do ponto de vista dos programas sociais. E essa opção política casou com os interesses econômicos nos Estados Unidos de tal maneira que, quando a televisão saiu da costela do rádio, ela já era uma televisão privada.
E o Brasil?
Já saiu inspirado pelo modelo americano. A televisão brasileira já nasceu com o grande conglomerado do Chateaubriand, que foi substituído pelo conglomerado Globo. E a cumplicidade, o vínculo entre o Estado brasileiro e a Rede Globo foi tão profundo que se chegou a uma situação que durante muito tempo permitiu que a Globo, com 50% da audiência, tivesse 75% da verba publicitária – uma situação sem paralelo num regime democrático. Essa anomalia que fez com que a TV brasileira não só não desempenhasse o papel de formar os brasileiros como também se tornasse um monopólio virtual, na prática, de um único grupo de televisão, um grupo conservador e que interfere no processo político sempre no lado não-trabalhista.
A que você atribui esse desempenho? Competência estratégica empresarial?
Foi uma combinação. Beneficiou o regime militar e foi explorada empresarialmente muito bem por Roberto Marinho, que conseguiu sufocar os concorrentes, e escolher os concorrentes. A certa altura do governo Geisel, Roberto Marinho escolheu os adversários. Escolheu o grupo Manchete e o grupo Silvio Santos. Ou seja, ele não só criava as condições que o beneficiavam como escolhia com quem queria brigar.
Como essa situação começa a mudar?
O que muda agora são três fenômenos paralelos. Um é que pela primeira vez a Globo tem um adversário com grana, a Record. Pela primeira vez tem um adversário com dinheiro para enfrentá-la no terreno dela, que é a telenovela. Segundo lugar: pela primeira vez na história do Brasil o governo não é amigo dela. Para o meu gosto, o governo Lula trata a Globo bem demais, mas não como a tratavam Fernando Henrique, José Sarney, e todos os governos militares.
Mas há quem diga que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, é um braço da Globo no governo.
Não, porque o poder saiu do Ministério das Comunicações. O poder hoje está nas mãos de Dilma Rousseff (ministra-chefe da Casa Civil).
E terceiro…
A democratização do acesso através dos meios de comunicação via internet.
Guardadas as devidas limitações da exclusão digital.
Claro, mas elas estão diminuindo. Tem aí o computador popular, a instalação de computadores nas escolas públicas, as lan houses. Está acabando o monopólio. Vem aí a revolução do vídeo na internet. Essa coisa monolítica Jornal Nacional-falou-tá-falado não é mais assim, não. Eles deram o golpe no primeiro turno, mas não conseguiram no segundo. Alckmin teve no primeiro turno mais votos que no segundo. E Lula teve contra Alckmin mais votos do que contra Serra.
Fale um pouco da sua história, da sua formação profissional.
Eu me formei em imprensa escrita. Fui para a televisão com mais de 40 anos. Minha carreira chegou num ponto em que eu não tinha mais para onde ir na imprensa escrita. Fui trabalhar primeiro na TV Manchete, depois na Globo, e depois fui para Bandeirantes, Cultura e hoje Record. Minha formação é de jornalismo escrito e por acaso eu me dei bem em televisão. Deus me beijou na testa e eu tenho facilidade de me comunicar com a câmera, portanto, com o público. Mas minha escola jornalística é a do Mino Carta na Veja. É uma coisa quase pré-histórica.
Você diz que a Veja é uma revista de direita.
Isso é quando eu estou bonzinho, generoso. A Veja hoje é o boletim do fascio. O Mino repudia a Veja.
Como você avalia sua conduta profissional nas eleições, no pós-eleições, na relação com a política?
Por causa do meu trabalho de televisão, procurei ser um jornalista, digamos, não-engajado. Porém, a certa altura, achei que meu trabalho na TV Record, nesse programa Domingo Espetacular, me permitia fazer uma escolha. Eu não pretendo mais ter um papel de jornalista que mexa com política e economia numa televisão aberta. Para isso criei um site, o Conversa Afiada, hospedado no IG, que tem lá, para quem quiser ler, uma seção chamada “Não coma gato por lebre”, em que estabeleço com muita clareza quais são as minhas inclinações. Não gosto de FHC, Daniel Dantas, Rede Globo, imprensa farisaica, do Corvo do Lavradio (Carlos Lacerda), Ronaldo dito “o fenômeno”, Flamengo – sou Fluminense –, de quem fala mal do Rio, de quem fala mal de nordestino, de Brasília, de pós-moderno, de Dry Martini com uma gota a mais de Martini, de filme de terror, de Amsterdam Avenue, de urna eletrônica e de gatos. Não engano ninguém.
Existe imprensa independente no Brasil?
A imprensa escrita brasileira, com exceção da CartaCapital, trabalhou, trabalha e trabalhará para abreviar o mandato do presidente Lula. Isso eu quero dizer que é o Estadão, a Folha, o Globo, o Zero Hora, para falar dos quatro principais jornais do país. Com a eleição do presidente Lula, caiu a máscara. A imprensa conservadora brasileira tem tradição de ser antitrabalhista, militou contra Getúlio Vargas, contra Juscelino, contra Jango. Roberto Marinho contribuiu para sujar a imagem do Rio de Janeiro com o objetivo de prejudicar os dois governos de Leonel Brizola. Essa imagem que o Rio tem hoje, de ser a capital da violência, combinação de Chicago com Medellín, é produto da Rede Globo. Agora, elegeu-se um trabalhista, e eles começaram a militar contra. Como diz a professora Marilena Chaui, a campanha do impeachment começou no dia em que Lula tomou posse. Eu criei um índice, o IVDL, o Índice Vamos Derrubar o Lula. A imprensa brasileira, sobretudo a escrita, com exceção da CartaCapital, é engajada, partidária.
A democratização do acesso à informação pode contribuir para o jornalismo independente ou derruba de uma vez por todas o mito e cada um vai assumir sua posição publicamente?
Quando você fala em jornalismo independente, eu penso em um jornalismo desligado dos grandes grupos. E com o mínimo de recursos, muitas vezes. Hoje, com uma câmera de celular você filma. Não esqueça que a execução de Saddam Hussein foi gravada com celular e divulgada pelo Google. As redes de televisão dos Estados Unidos estavam pensando no que fazer com o vídeo, e o Google já tinha botado no ar. A eleição para o Senado americano foi decidida com um celular. O famoso senador que chamou um indiano de macaco perdeu a eleição porque foi para o YouTube.
Além da Internet, há outros espaços para democratização?
Os outros espaços estão na educação. No acesso do pobre à educação, associado ao acesso ao computador.
Uma discussão que vem sendo feita nos movimentos sociais é um plano governamental para a democratização da comunicação.
Eu acho que o movimento sindical brasileiro, o PT e o governo Lula bobearam. Eles menosprezaram o poder da imprensa conservadora. Nenhum dos três teve peito para enfrentar a imprensa conservadora e criar uma imprensa alternativa. O Brasil é o único país razoavelmente sério do mundo que não tem um jornal trabalhista. Um La República, um El País, não tem no Brasil. Culpa do movimento trabalhista, e aí eu incluo o PT, os sindicatos e o governo Lula. O governo achou que ia chamar a Globo, encantar a família Marinho. Eles são contra Lula desde Getúlio Vargas. Quando Getúlio morreu, o povo foi para a rua e fechou o jornal O Globo. A família Mesquita é contra Lula desde o Getúlio Vargas. Outro erro que o PT cometeu, que Lula cometeu, foi achar que eles eram diferentes dos trabalhistas, Getúlio, Jango, Brizola. Para os conservadores, não tem diferença. A diferença é a seguinte: o que é o problema número um do Brasil? A carga tributária ou a distribuição da renda? Essa é a questão. É como nos Estados Unidos. George Bush é a favor de tirar imposto de rico e Clinton é a favor de distribuir a renda. Aqui no Brasil, Getúlio, Jango, Brizola e Lula querem distribuir a renda. Do outro lado, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, que pode ter todas as idéias de esquerda, mas se comporta como homem de direita. Não me interessam as idéias do Serra, me interessa a prática do Serra.
E Aécio? Ciro Gomes?
Eu quero falar de tucano, eu não gosto é de tucano (risos). Mas é preciso ficar claro o seguinte: acredito em pluralidade, em livre confronto de idéias, que os mais capazes sejam mais bem remunerados, não sou a favor da estatização dos meios de comunicação, tenho muitas simpatias por um regime econômico de mercado, me considero uma pessoa bem-sucedida nesse regime. Acho que ele precisa ser policiado, precisa de regras, disciplina.
Não precisa ser selvagem.
O capitalismo sabe ganhar dinheiro, mas não sabe distribuir. Então tem de haver mecanismos pelos quais seja possível distribuir dentro do regime da livre-iniciativa. Tem de haver um entrechoque entre os que são a favor de reduzir impostos e os que são a favor de distribuir renda. Cinco anos um, cinco anos outro, e por aí vai. Isso é democracia. Não pode é ser sempre de direita. Mas o que eu gosto é de democracia, de confronto, de pau. Fui formado assim, sou filho de uma família de classe média baixa e passei a minha vida lutando, eu gosto disso. O que não gosto é de pensamento único. E durante a hegemonia do neoliberalismo, codificado por Margaret Thatcher e por Ronald Reagan, e aqui imposto por Fernando Henrique e a imprensa que o cerca até hoje, criou-se um sistema de pensamento único. É isso que eu acho que tem de ser desmontado. Acho que essa é minha modestíssima contribuição como jornalista. Não significa que eu seja petista, socialista, nada. Sou apenas um jornalista que gosta de confusão.
Você acredita que os meios de comunicação podem caminhar para um futuro em que tenham maior compromisso humanista?
A idéia que vem por aí é a seguinte, professor. É a desprivatização dos jornais. Um cara chamado Steven Rattner (banqueiro e investidor que já foi repórter do NYT e hoje administra o Quadrangle Group, empresa de investimentos em meios de comunicação) defende a seguinte tese: a democracia precisa de jornal independente, objetivo, que não pode tomar partido. Toma partido na página de opinião e o resto é fato, fato, fato. Aqui nos jornais brasileiros até o horóscopo é partidário, a previsão do tempo. A livre-iniciativa não tem grana para fazer bons jornais independentes. Não se esqueça de que o setor industrial que mais sofre hoje no Brasil é o da imprensa escrita, e é por isso que eles têm esse mau humor. Rattner diz que precisamos criar um novo modelo de negócios para sustentar os jornais. Qual? Fundos públicos, doações de bilionários caridosos e humanistas, fundações, sistema de subsídios, como na BBC. Essa combinação deverá garantir um número mínimo de jornais independentes. É o que ele chama de desprivatização dos jornais. E eu acho que é para isso que nós vamos.
Os brasileiros têm condições de saber o que está acontecendo na América do Sul através dos nossos jornais?
Não, a nossa cobertura internacional é grotesca. Os jornais brasileiros não prestam. A rigor, não tem o que ler. Começa que cinco páginas são dedicadas à reforma ministerial que non me ne frega niente. Que me frega quem vai ser ministro das Cidades? Não muda a natureza do café que eu tomo no boteco, com mais ou menos açúcar. Se Marta vai ser ministra, que me interessa? Faça uma enquete na rua e pergunte o nome do ministro das Cidades. Ninguém sabe, e é bom que não saiba, não precisa saber, não interessa. Por que eles fazem isso? Para demonstrar que Lula não sabe decidir. Era uma coisa que se dizia de Getúlio também. Ele ficou com a fama de que criou a frase “deixa estar para ver como é que fica”. E foi o homem que mais mudou as estruturas sociais do Brasil. E ele mudou o país, mudou o Código de Minas, a lei de gestão do trabalho, criou a Petrobras, a Eletrobrás, mulher passou a votar.
Você está acompanhando a cobertura da cratera do metrô de SP?
Estou esperando o presidente-eleito José Serra se pronunciar sobre o assunto. Eu tenho chamado José Serra assim porque ele não foi eleito nem prefeito nem governador de São Paulo. Foi eleito presidente e vai assumir em 2010. No intervalo, vai ter de dar uma arrumada em São Paulo para não atrapalhar muito, mas ele vai assumir em 2010, está escrito. A cratera se abriu há 45 dias. O que Serra já falou sobre o assunto? Nada! Ele está esperando a imprensa parar de falar no assunto, ele tapa aquele buraco e acha que ninguém vai se lembrar de que aquilo se abriu no governo dele, e foi construído pelo antecessor dele. Ele não fala mal nem do antecessor, nem do consórcio, nem de ninguém. Não fala mal nem da chuva.
Nem do modelo de gestão.
Aquilo foi construído por um modelo de gestão chamado porteira fechada, que é a coisa mais bem elaborada para se roubar. Como é que se rouba? Fazendo o modelo de porteira fechada. Como se rouba melhor ainda? Fazendo esse modelo no período pré-eleitoral. A combinação desse modelo com eleição é ótima para administrador de má-fé e concessionário de má-fé. O que é inexplicável, inaceitável, é José Serra não dizer uma vírgula sobre o assunto. Ele não diz mais 4, ele conta Linha 1, 2, 3, 5, para não lembrar da Linha 4. Mas vamos agora fazer a gênese disso. Ele conta com a imprensa de São Paulo. Ontem estiveram aqui em São Paulo três senadores da República. Um do PT, Aloizio Mercadante, um do PSDB, Flecha Ribeiro, e outro do PSDB, Eduardo Suplicy.
Suplicy é do PT…
Você acha?… Os três senadores vieram aqui inspecionar o que estava acontecendo na Linha 4. Serra ligou para todos os jornais do país e conseguiu impedir que saísse uma mísera linha sobre a visita. Uma mísera! Ela não está administrando São Paulo, está administrando a imprensa para que ela não fale da Linha 4. Ele está contando com que o assunto morra.
E o debate da redução da maioridade penal?
Sou a favor da redução, acho que a lei penal brasileira é frouxa, a lei de execuções penais é frouxa. Acho que político brasileiro tem medo de bandido e sou a favor de uma lei muito mais rigorosa. Agora, tem causas sociais, tem de mandar o cara para a escola, tem de fazer um apoio para a comunidade, uma série de coisas. Mas a primeira coisa é mudar o Código Penal.