Em Um olhar sobre o Brasil, o tema do crescimento ganha destaque focado no recente programa de desenvolvimento da educação. Também são registradas a visita de Bush, a política monetária e o tratamento da questão da segurança.

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Os desafios para o crescimento
Água fria
Metas para inflação
Heterodoxia
Governos estaduais e a segurança pública
Bush visita o Brasil

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Os desafios para o crescimento

“O nome do meu segundo mandato será desenvolvimento. Desenvolvimento com distribuição de renda e educação de qualidade”. Esta frase é do presidente Lula e reproduzida em seu Programa de Governo em 2006. Em pouco mais de dois meses de um novo mandato, lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos de R$ 503,9 bilhões até 2010 — incluindo recursos do governo federal, estatais, como a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e a iniciativa privada —, com prioridade para a infra-estrutura. Neste início de março, um novo conjunto de medidas aponta investimentos de R$ 8 bilhões em educação até 2010. O Programa de Desenvolvimento da Educação, apelidado por alguns como o PAC da Educação, deverá priorizar a educação básica.

Em nota, o Ministério da Educação registra que o plano, no total, serão necessários R$ 8 bilhões para implementar todas as propostas, ou seja, aproximadamente 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país. “Algumas medidas, no entanto, só exigirão recursos a partir de 2008. Para este ano, já estão assegurados R$ 500 milhões. Podem ser obtidos mais R$ 450 milhões de suplementação”, diz o texto.

O plano, discutido na reunião do ministro com o presidente, tem medidas que abrangem desde a alfabetização de jovens e adultos até a educação superior, mas a ênfase está na educação básica, que inclui os ensinos fundamental e médio. “Inclusive as ações nos demais níveis e modalidades de ensino, no caso da alfabetização, educação profissional e superior, elas são estruturadas para o fortalecimento da educação básica”, afirmou Haddad.

O Programa de Desenvolvimento da Educação, proposto pelo Ministério da Educação, será apresentado a educadores e especialistas na área de educação para ser submetido a críticas e aperfeiçoamento. Segundo o ministro, após a discussão com os educadores, o tema voltará à mesa do presidente para posterior anúncio. A expectativa do ministro é que o plano possa ser anunciado em abril.

Entre as medidas, Haddad destacou a criação de um sistema de acompanhamento e monitoramento de metas para a qualidade da educação, cujos indicadores servirão de base para a avaliação de parcerias e transferências voluntárias da União para Estados e municípios.

Com o anúncio do Programa de Desenvolvimento da Educação o governo tenta imprimir sua agenda ao país e refutar o diagnóstico de analistas e colunistas dos grandes jornais de que o governo está paralisado. Lula tem sido sistematicamente criticado pela demora em realizar a reforma ministerial. De acordo com o presidente, apesar de não ter anunciado ainda o novo ministério, o governo está funcionando e os programas na área social e de infra-estrutura estão em fase de consolidação. “O governo está funcionando. Nós estamos agora numa fase de concretização do projeto do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na área de saneamento básico, de habitação e na área de urbanização de favela. Nós já fizemos praticamente tudo a respeito dos projetos de energia, do projeto de estrada, de ferrovia, a revitalização do Rio São Francisco para levar água a alguns estados brasileiros”, Lula.

As expectativas quanto ao novo ministério são altas, particularmente sobre a constituição da equipe econômica. Os próximos anos, como tem defendido o próprio presidente Lula, têm de ser marcados por um forte crescimento (não inferior aos 5% anual), que prossiga a expansão do emprego, a recuperação da renda dos trabalhadores e a inclusão social dos milhões de brasileiros que ainda vivem abaixo da linha de pobreza.

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Água fria

No governo, é pública a existência de forças que travam uma dura batalha para garantir a pauta econômica. De um lado, aqueles que defendem uma política que garanta o crescimento acelerado, rigor fiscal e controle da inflação, com geração de empregos e manutenção das políticas sociais, como o próprio ministro da Fazenda Guido Mantega. Do outro, aqueles que defendem a ortodoxia econômica. O Brasil manteve nos últimos quatro anos uma política de juros altos, superávit primário, que resultaram em um crescimento pífio, abaixo das médias mundiais.

Em 2006, segundo dados divulgados no final de fevereiro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB), do que reflete todas as riquezas produzidas no país, cresceu apenas 2,9%, uma das menores taxas de crescimento do mundo, bem aquém da estimativa feita pelo próprio governo no início do ano, de 4,5%.

O Banco Central foi apontado como o grande vilão da história até mesmo pelo ministro da Fazenda. Para Guido Mantega, em 2006, houve “taxas de juros mais elevadas” que as atuais a inibir o investimento empresarial produtivo. O juro empurra quem tem dinheiro para a especulação no mercado financeiro, aplicação que cria menos riquezas do que a feita em produção.

Parte do empresariado aproveita o resultado para reclamar que são os impostos altos os responsáveis pelo baixo crescimento. A responsabilização dos impostos pelo baixo crescimento tem componente ideológico porque resgata a pauta dos setores mais conservadores do país: o debate sobre o tamanho do Estado brasileiro. Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) comentou que “o que impede a aceleração da taxa de crescimento no Brasil é a carga tributária asfixiante”.

O Estado arrecada hoje 39% do PIB em tributos para financiar suas despesas com funcionários, programas sociais, investimentos e pagamento de juros. Quanto mais gasta, mais tem de coletar. Segundo o empresariado, com a redução de impostos, a produção de mercadorias e o consumo delas ficariam mais baratos. Com esta tese, os empresários ganhariam mais dinheiro, mesmo com juro alto.

A defesa da queda de impostos vem aliada da tese de cortes nas despesas do governo. Neste caso, a CNI, por exemplo, propõe reforma da Previdência – menos gastos com aposentados. Já quem está mais inclinado ao “desenvolvimentismo”, pede pagamento menor de juros da dívida, o que também esbarra nas taxas do BC. Em entrevista à agência Carta Maior, o economista especializado em contas públicas Francisco Lopreato, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), garante que “quem diz que o problema é a carga tributária e pede reforma da Previdência, não quer discutir taxa de juros, porque ela favorece o sistema financeiro”.

O fato que chamou a atenção nos últimos dias foi a mudança ocorrida no Banco Central no dia seguinte à divulgação do PIB de 2006. O diretor de Política Econômica, Afonso Beviláqua, considerado o símbolo do juro alto, segundo cargo mais importante do BC, deixou o posto que ocupava há quatro anos. Para a vaga, irá outro diretor do Banco Central, Mário Mesquita, da área de Estudos Especiais. Ele acumulará as funções por tempo indeterminado, segundo Meirelles, que também admitiu a ocorrência de novas mudanças.

Algumas avaliações, no entanto, garantem que o conservadorismo no Banco Central deve continuar. Para a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maryse Farhi, especialista em política monetária que prepara um estudo comparando a atuação do Banco Central brasileiro com o de outros países emergentes, Mesquita tem o mesmo perfil conservador de Beviláqua. Em entrevista à agência Carta Maior, a economista afirma que algumas credenciais do diretor apontam nesta direção. Ele foi economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 1997 e 2000 e diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) de 2005 a 2006, quando foi para o BC.

Segundo Maryse, um texto produzido em conjunto por Beviláqua e Mesquita foi divulgado recentemente na página do BC na internet. Escrito em inglês, o trabalho faz apologia da política de juros adotada pelo BC no primeiro governo Lula. “O texto reafirma a opção de desinflação rápida, mesmo que sacrifique o crescimento. Por isso, se o Mesquita for efetivado, será uma troca de seis por meia dúzia”, afirmou a professora à agência de notícias.

No dia 7 de março, nova reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que define a taxa de juros, mostrou-se novamente conservadora. As duas maiores centrais sindicais (Central Única dos Trabalhadores – CUT; e a Força Sindical) a queda de apenas 0,25 ponto percentual da taxa (de 13% para 12,75% ao ano). O corte foi igual ao feito pelo BC em janeiro.

A CUT declarou ainda que dois dias antes da reunião do Copom, o BC já tinha dado uma demonstração de “subserviência ao sistema financeiro”, ao reduzir o rendimento da caderneta de poupança e das contas-individuais do FGTS. A decisão condenada pela CUT foi tomada, contudo, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual o presidente do BC faz parte, mas que também é composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento.

Segundo apurou a agência Carta Maior, o CMN justificou a redução do rendimento da poupança argumentando que, como os juros de modo geral estão caindo no país, é natural que isso aconteça também na caderneta. Sabe-se, contudo, que o patrono da idéia foi a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que a apresentou no ano passado a Guido Mantega. E o ministro da Fazenda aceitou a proposta. A Fazenda aceitou a sugestão da Febraban porque precisa dos bancos e dos fundos de investimento para continuar rolando todos os meses a trilionária dívida pública em títulos negociados no mercado. Se os bancos decidissem, por exemplo, boicotar a rolagem da dívida, como retaliação pelo eventual veto da proposta da federação, o governo teria problemas.

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Metas para inflação

O Copom foi instituído em 20 de junho de 1996, durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros, a exemplo do que já era adotado pelo Federal Open Market Committee (FOMC) do Banco Central dos Estados Unidos e pelo Central Bank Council, do Banco Central da Alemanha.

Desde 1996, o Regulamento do Copom sofreu uma série de alterações no que se refere ao seu objetivo, à periodicidade das reuniões, à composição, e às atribuições e competências de seus integrantes. Essas alterações refletiram não apenas no processo decisório no âmbito do Comitê, como também nas mudanças de regime monetário.

Destaca-se a adoção, pelo Decreto 3.088, em 21 de junho de 1999, da sistemática de “metas para a inflação” como diretriz de política monetária. Desde então, as decisões do Copom passaram a ter como objetivo cumprir as metas para a inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional. Segundo o mesmo Decreto, se as metas não forem atingidas, cabe ao presidente do Banco Central divulgar, em Carta Aberta ao Ministro da Fazenda, os motivos do descumprimento, bem como as providências e prazo para o retorno da taxa de inflação aos limites estabelecidos.

Formalmente, os objetivos do Copom são “implementar a política monetária, definir a meta da Taxa Selic e seu eventual viés, e analisar o ‘Relatório de Inflação'”. A taxa de juros fixada na reunião do Copom é a meta para a Taxa Selic (taxa média dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia), a qual vigora por todo o período entre reuniões ordinárias do Comitê. Se for o caso, o Copom também pode definir o viés, que é a prerrogativa dada ao presidente do Banco Central para alterar, na direção do viés, a meta para a Taxa Selic a qualquer momento entre as reuniões ordinárias.

O Copom é composto pelos membros da Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil: o presidente, que tem o voto de qualidade; e os oito diretores do BC: de Política Monetária, Política Econômica, Estudos Especiais, Assuntos Internacionais, Normas e Organização do Sistema Financeiro, Fiscalização, Liquidações e Desestatização e Administração.

Na reunião, na qual participam apenas os membros do Comitê e o chefe do Departamento de Estudos e Pesquisas (Depep), sem direito a voto, os diretores de Política Monetária e de Política Econômica, após análise das projeções atualizadas para a inflação, apresentam alternativas para a taxa de juros de curto prazo e fazem recomendações acerca da política monetária. Em seguida, os demais membros do Copom fazem suas ponderações e apresentam eventuais propostas alternativas. Ao final, procede-se à votação das propostas, buscando-se, sempre que possível, o consenso. A decisão final – a meta para a Taxa Selic e o viés, se houver – é imediatamente divulgada ao mesmo tempo em que é expedido Comunicado através do Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen).

Na reunião do dia 7 a decisão de queda de apenas 0,25 ponto percentual da taxa de juros foi tomada por unanimidade entre os membros Conselho.

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Heterodoxia

Uma boa notícia na queda de braço dos desenvolvimentistas com os setores ortodoxos da economia. O governo vai substituir um economista identificado com as teses do “mercado” por um dos principais defensores da corrente do desenvolvimentismo como representante do Brasil e mais oito nações latino-americanas no Fundo Monetário Internacional (FMI). O novo indicado é Paulo Nogueira Batista Júnior, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. Ele entrará no lugar de Eduardo Loyo, que fez carreira na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e foi diretor do Banco Central (BC) no início do primeiro governo Lula.

A troca foi comunicada pelo Ministério da Fazenda, a quem cabe fazer a indicação em nome do Brasil e seus oito parceiros (Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago). Os nove países formam uma espécie de bloco de atuação conjunta no FMI. Os interesses do grupo são representados junto ao Fundo, em Washington (EUA), por um diretor-executivo.

Loyo foi diretor por dois anos, até setembro de 2006, quando o ministro Guido Mantega o reconduziu para outro mandato. Como diretor do BC, Loyo integrava a tropa conservadora junto Beviláqua.

Paulo Nogueira, que deve assumir em abril, cumprirá o resto do mandato iniciado por Loyo. O professor da FGV é conhecido por sua visão crítica da política econômica produzida no governo Fernando Henrique Cardoso. É critico à globalização e é contra à criação da Área e Livre Comércio das Américas (Alça), tema sobre o qual já escreveu um livro (A Alca e o Brasil). O economista foi uma das vozes ouvidas pelo ministro Mantega durante a elaboração do PAC.

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Governos estaduais e a segurança pública

A bárbara morte de João Hélio, um menino de seis anos que foi arrastado por sete quilômetros, preso do lado de fora de um automóvel pelo cinto de segurança, no Rio de Janeiro, desencadeou, em parte pela atuação dos grandes meios de comunicação, sentimentos de indignação, desespero e medo em face da violência epidêmica e da profunda crise da segurança pública. O resultado foi a adoção de uma campanha, por alguns parlamentares, pela redução da idade mínima para condenação por crime.

Dentre as propostas apresentadas, quatro reduzem a maioridade penal de 18 para 16 anos; uma reduz para 13 anos, em caso de crimes hediondos; e outra determina a condenação penal “quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a 18 anos”.

O resultado desta campanha estava marcada para o final de fevereiro, quando a Comissão de Constituição e Justiça do Senado votaria uma Proposta de Emenda Constitucional que abriria o para a mudança. Um acordo de lideranças partidárias, no entanto, segurou a votação e instituiu um grupo de trabalho que, em 45 dias, deve apresentar um pacote de medidas de combate à violência, onde estariam incluídos projetos relacionados à população infanto-juvenil. Entre os elementos da reforma sugerida estão também o aumento dos recursos para o sistema de justiça e segurança pública, a unificação das polícias e alterações no sistema prisional.

Para a professora da PUC-SP, membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e procuradora do Estado de SP, Flávia Piovesan, “de um lado, no campo preventivo, destaca-se o desafio de criar alternativas ao crime, à sedução do tráfico e da violência, por meio de eficientes e criativos programas de inclusão social que permitam valorizar e resignificar a vida dos adolescentes, sobretudo daqueles que sofrem com as condições mais vulneráveis da miséria e da exclusão”. Segundo Piovesan, em seu artigo sobre o tema, a banalização da morte é o reflexo da banalização da vida, que nega o direito à esperança a um contingente de jovens brasileiros. Neste sentido, são fundamentais a identificação e ampliação de práticas e políticas exitosas especialmente endereçadas à juventude urbana.

A procuradora ressalta ainda que no campo repressivo, estudos comprovam à exaustão que de nada adianta o endurecimento da legislação penal se persistir no imaginário social a cultura da impunidade. Isto é, a repressão penal deve deixar de ser seletiva à determinada classe social, com a garantia de que autores de crimes de toda natureza sejam punidos. Contudo, se a pena deve ter um caráter retributivo e ressocializador, constata-se que o sistema carcerário brasileiro não satisfaz qualquer destas finalidades. Este sistema, por vezes sob o controle do crime organizado – de quem o Estado se torna refém –, só tem acentuado a violência e brutalizado os detentos. Como observou Nigel Rodley, então relator especial da ONU sobre o tema da Tortura, em visita oficial ao Brasil, não é razoável tratar os presos como animais, para posteriormente devolvê-los à sociedade com a pretensão de terem se transformado em “pessoas reintegradas e civilizadas”.

A extensão do debate por mais 45 dias pode ser fundamental para que este outro entendimento do problema ganhe mais visibilidade. Em entrevista à agência Carta maior, a presidente do Conanda e sub-secretária dos direitos da infância e adolescência da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Carmen de Oliveira, declara que tem havido uma cobertura desequilibrada do tema por parte da imprensa, com teor majoritariamente favorável à redução da maioridade penal. Em defesa da PEC, o senador Demóstenes Torres deixou transparecer essa pressão ao citar uma cobrança que teria sido feita pelo jornalista Alexandre Garcia, da Rede Globo, contra qualquer adiamento da votação da proposta.

O assassinato de João Hélio levou até mesmo intelectuais renomados, como Renato Janine Ribeiro a repensar a pena de morte no Brasil. Em artigo “A razão distorcida”, publicado no jornal Folha de São Paulo, caderno Mais, em 18 de fevereiro, sobre a violência no Brasil, o filósofo diz que “penso – porque ainda consigo pensar, em meio a esse turbilhão de sentimentos- também que há diferentes modos de impor a pena máxima. A punição com a morte se justifica ora pela gravidade do crime cometido, ora pela descrença de que o criminoso se possa recuperar. No caso, as duas razões comparecem. Parecem irrecuperáveis, e seu crime é hediondo. Não vejo diferença entre eles e os nazistas”.

O artigo gerou reação no meio acadêmico. Sob o título “Dar voz à barbárie?”, professor titular de filosofia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Wolfgang Leo Maar, disse que “em vez de valorizar uma sociedade democrática e pacífica, o autor [Janine] dá vazão ao que há de pior, cooperando para sua reprodução.

Para Leo Maar, Janine, em vez de se posicionar como intelectual, diz só o que agrada: “sentimentos”. Procura “razões” para uma pretensa “sensibilidade”, mas só expressa com insensibilidade o mais rasteiro lugar-comum imediato do revide. Os artigos referidos apagam a distinção entre a terrível situação em que se vive e a experiência política, ética, civil de uma formação social que, ao fazer valer a liberdade, não se curva às imposições do comportamento vigente.

“Precisamente do intelectual se espera que não se renda ao vigente. Seu compromisso ético reside em tornar o conflito com o vigente objeto de experiência crítica e elaboração progressiva. Que não aja apenas regido pelo estabelecido em seus padrões de punição, mas saiba diferenciar entre o que ocorre sob o controle da violência e as possibilidades de uma organização social pautada em reconhecimento mútuo, solidariedade e aspiração da igualdade. Ter sensibilidade pelo outro é tomar partido a favor dos direitos da liberdade e da igualdade”, critica o filósofo.

Outro artigo que se contrapôs à tese de Janine foi o do professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ, Andréa Lombardi, para quem “lutar para diminuir a idade penal e defender a instituição da pena de morte mostram unicamente a dependência do mais corriqueiro e brutal senso comum, o contrário do bom senso. Essa sociedade esconde a doença com toda a gama de antidepressivos liderados pelo Prozac e seus derivados. As palavras de Ribeiro soam como o equivalente ao Viagra, feito para mostrar mais roxo do que é realmente e revelam que a idade e a preparação intelectual não necessariamente trazem sabedoria”.

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Bush visita o Brasil

O presidente do Estados Unidos esteve no Brasil nos dias 8 e 9 de março. Na agenda de Bush um encontro com o presidente Lula seguido de um giro pelos demais países da América Latina. Em sua chegada, o presidente norte-americano teve que encarar protestos que ocorrera em diversas regiões do país.

O maior protesto, promovido por estudantes, sindicalistas e partidos de esquerda, parou a avenida Paulista, na região central de São Paulo e reuniu cerca de 20 mil pessoas. Diversas entidades estudantis, partidos políticos, grupos de mulheres e trabalhadores sem terra integraram atos contra a presença de Bush com citações contra a guerra no Iraque. Os manifestantes levavam faixas de “Fora: Bush do Iraque e Lula do Haiti”, “Paz no Iraque” e “Salário iguais entre homens e mulheres”.

Sempre no dia 8 de março, as mulheres brasileiras ocupam as ruas do país com suas bandeiras de luta. As manifestações articulam diversos temas, como a mercantilização do corpo e da vida das mulheres; o combate à violência; a luta pela legalização do aborto; pela valorização do salário mínimo. Todos os anos, o objetivo é sensibilizar a população e os demais movimentos organizados que nenhuma sociedade será justa e democrática se não eliminar a opressão de gênero.

Este ano, no entanto, a coincidência com a visita de George W. Bush ao país levou milhares de feministas, sob o lema “Feministas em luta para mudar o mundo: por igualdade, autonomia e liberdade”, a dizer não ao imperialismo dos Estados Unidos, à política neoliberal defendida pelo governo americano e à dominação dos povos.

Bush se encontrou com o presidente Lula na sexta-feira 9. Na pauta do encontro um entendimento sobre o mercado de biocombustíveis. Mesmo sem promessas de diminuição das taxas cobradas pelo etanol brasileiro (US$ 0,54 por barril), os Estados Unidos serão os grandes parceiros do país nos processos tecnológicos e econômicos de expansão mundial principalmente do etanol.

“O Memorando de Entendimento sobre a Cooperação na Área de Biocombustíveis assinado hoje é, sem dúvida, a nossa resposta ao grande desafio energético do século XXI. (…) A parceria que vamos inaugurar é ambiciosa e voltada para todos os aspectos ligados à incorporação definitiva do etanol na matriz energética de nossos países”, afirmou o presidente .

Com a assinatura do Memorando de Entendimento sobre a Cooperação na Área de Biocombustíveis, pelo qual os dois países se propõem a avançar na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias, levar os benefícios dos biocombustíveis a outros países (principalmente da América Central e do Caribe) para estimular o setor privado a investir na área, e expandir o mercado de biocombustíveis com o estabelecimento de padrões uniformes e normas comuns, Brasil e EUA selaram uma “parceria estratégica”, nas palavras de Lula.

Bush quer diminuir ao máximo a dependência do petróleo venezuelano, responsável pelo abastecimento de 25% do mercado estadunidense. No médio prazo, álcool de cana brasileiro poderia substituir o a energia importada da Venezuela.

Como contrapartida, Bush quer que o álcool produzido no Brasil tenha o mesmo padrão tecnológico que o produzido nos Estados Unidos; que seja registrado como um bem energético e não como commodity agrícola, para escapar aos acordos internacionais que, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), regulamentam as negociações desse tipo de produto, e para permitir, eventualmente, que os Estados Unidos suspendam as barreiras protecionistas à importação do álcool; e que o Brasil permita que o capital dos Estados Unidos controle as usinas, diretamente ou por meio de joint-ventures.

De acordo com a agência Brasil de Fato, à primeira vista, o acordo parece favorecer os usineiros brasileiros, que poderiam ampliar as exportações para o mercado mais poderoso do planeta. Ilusão. Caso caia mesmo a barreira imposta ao álcool brasileiro – diz o usineiro Maurílio Biagi Filho -, não haverá uma explosão da exportação, mas sim um investimento maciço de capitais estadunidenses em usinas brasileiras. “Ano passado, 3,4% do setor estavam desnacionalizados; este ano chegará a 5%. Em dez anos, metade não será mais brasileira”, diz Maurílio, que vendeu, em 2006, a área industrial de sua usina Cevasa, em Patrocínio Paulista, para a transnacional Cargill.

O setor espera exportar 4 bilhões de litros de álcool este ano, ante 2,3 bilhões em 2006, que renderam 1,6 bilhão de dólares, o dobro de 2005. Em quatro anos, serão investidos 2,5 bilhões de dólares na produção de álcool e 77 usinas serão construídas até 2012.

Segundo a agência, no Brasil, há 6 milhões de hectares de canaviais, área que cresceu 13% nos últimos três anos. Em São Paulo, só em José Bonifácio, a área plantada triplicou nas duas últimas safras. No Centro-Sul, a área deverá crescer de 4,6 milhões para 5 milhões de hectares.

Ambientalistas e militantes do movimento em defesa da Reforma Agrária criticam o acordo e apontam um aumento da monocultura no país e de uma maior concentração da propriedade da terra, mais desemprego e êxodo rural.

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