Uma agenda para o Brasil


por Roberto Amaral*

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com o qual o presidente Lula inaugura seu segundo mandato, poderia chamar-se, tão-simplesmente, ‘Plano de Crescimento’, e só isto já seria suficiente para justificá-lo, pois é exatamente isto que deseja o País: a retomada do crescimento com distribuição de renda, ou seja, aquele desenvolvimento que combate a exclusão e mira, ainda que lá longe, um regime de igualdade social e iguais oportunidades econômicas.

Na sua essência, e independentemente dos resultados que venha a apresentar, o PAC reúne duas novidades que são seus dois grandes méritos. Primeiro, dota o país, finalmente, de uma Agenda de Governo para debater com o País como foi, cinqüenta anos passados, o Plano de Metas do Governo JK. Não os estou comparando, até porque trata-se de dois momentos históricos absolutamente distintos, como distintas eram as forças que davam sustentação ao ‘desenvolvimentismo’ dos anos 50, comparadas às que hoje fazem a coalizão de partidos e movimentos sociais que integram a base de apoio do segundo governo Lula. Afirmo, tão-só, que agora temos um projeto de governo e uma promessa de desenvolvimento, e em torno de ambos a sociedade é chamada a falar, discutindo-o, defendendo-o ou a ele se opondo. Desenvolver ou não o País passa a ser a questão central. É o retorno àquilo que Gramsci chama de ‘a grande política’, a discussão dos grandes temas, dos projetos nacionais, em contraste com a ‘pequena política’, que na verdade nem política é: a ‘política’, rasteira, pedestre, que dominou o cenário brasileiro nos últimos anos, com seu debate medíocre e seus personagens menores, políticos de consumo rápido que logo logo serão tragados pelo esquecimento coletivo. O segundo mérito do PAC é romper com o neo-liberalismo, com tudo o que ele representou e representa para a América do Sul – de onde está sendo enxotado pelo democrático sufrágio popular. No que nos diz respeito, seu legado é a quase-estagnação econômica, a paralisia do crescimento de um país (quase duzentos milhões de habitantes e já considerável expectativa de vida) que se acostumara a crescer de forma continuada, em níveis que para os economistas de hoje e de sempre – os responsáveis impunes de nossa tragédia— sugerem sonho e delírio de dinossauros, pois ‘dinossauros’, anacrônicos, atrasados somos nós os que forcejamos por apressar o futuro.

A iniciativa do PAC, é produto da campanha eleitoral e, particularmente do segundo turno; é o clamor das ruas que a sensibilidade do Presidente soube captar e, com autoridade de líder, impor ao governo, como seu compromisso ético para este segundo mandato.

Mas não logrará bom êxito se, aspiração da coletividade nacional, o PAC não tiver nas grandes massas – suas beneficiárias preferenciais— a sustentação necessária para poder enfrentar as adversidades que lhe serão impostas. É evidente, é curial, é óbvio, que o Presidente precisa negociar com os governadores, com o Congresso e com a oposição, e com as classes econômicas diretamente envolvidas. Mas sua execução, sua efetividade, dependerá do apoio da sociedade, dependerá de as grandes massas o entenderem como seu, e nessa condição protegê-lo. E esse apoio da sociedade tornará mais fácil e mais barata sua aprovação no Congresso. O Presidente tem todas as condições objetivas para optar pelo grande diálogo, fugindo da pequena política e ensejando a vitória da grande política. Ele precisa pôr no tabuleiro o grande patrimônio de votos com o qual foi eleito.

Mas cuidemos do rompimento com o neoliberalismo. Ele se dá quando o Estado brasileiro volta a desempenhar seu papel tradicional – e insubstituível em nosso País— de indutor do desenvolvimento, papel que ainda não é maior porque foram profundos os estragos que os três governos dos dois Fernandos impuseram à nossa capacidade de investimento. Destaca-se pois nesse esforço de recuperação do crescimento econômico e do desenvolvimento o papel atribuído às poucas estatais que sobreviveram à fúria da privataria do governo FHC. Se, de um total de R$ 503,9 bilhões de investimentos previstos pelo PAC, nada menos de R$ 287 bilhões constituem dinheiro público, as velhas e combatidas estatais, Petrobrás e Eletrobrás à frente, são responsáveis R$ 219,2 bilhões (43,5%) dos quais só a nossa petroleira responde por R$ 148,7% bilhões.

Não é apenas nesse aspecto, relevante, que o governo Lula, neste seu segundo mandato iniciante, rompe com as amarras do imobilismo neoliberal. Ora, o grande corte de despesas, a grande fonte de recursos para os investimentos em infra-estrutura, não atingiu, como esperavam as elites desvairadas, nem o funcionalismo público, nem os pensionistas, nem se fez em cima de gastos correntes, como reclamam os economistas do sistema, mas recaiu naquilo que para eles é sagrado: o superávit primário! Quebrou-se o tabu, vamos reduzir essa contração estúpida, o Presidente já anunciou, e, como prevíamos, anúncio feito, a casa não caiu nem cairá. Continua de pé, e o chamado ‘risco Brasil’, com o qual nos assustavam todas as noites os noticiários, continua declinante (acaba de atingir o quinto recorde do ano, em queda de 0,55%, aos 180 pontos básicos), o dólar permanece estável ou em sua desvalorização (cotado em torno de dois reais), e a Bovespa (operando acima dos 45 mil pontos e com volume de negócios por pregão em torno de 2,6 bilhões) recuperou-se!. Que nos dizem agora as Cassandras do derrotismo, defensoras da estagnação, pós-graduadas em agouros e na lição cediça segundo a qual nada temos a fazer, senão aceitar as coisas como elas são, pois assim decretam os desígnios da globalização?

O segundo mandato do Presidente Lula se propõe a demonstrar que outro país é possível. Para realizar esse intento basta apelar para o diálogo com a sociedade. Foi isso o que fez na crise de 2005, e só por isso dela saiu. Foi isso o que lhe assegurou a vitória eleitoral.

*Roberto Amaral é professor universitário, é vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia e autor de diversos livros entre os quais Socialismo, vida, morte e ressurreição (Vozes)

*artigo publicado no site do Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 8/2/2007