Para disputar com sucesso os rumos do governo, bem como para vencer as eleições de 2008 e 2010, o PT deve recompor relações com os demais integrantes da esquerda política e social brasileira.

Durante vários anos, a esquerda brasileira organizou-se em torno do objetivo de conquistar o governo federal. Isto favorecia, direta ou indiretamente, a hegemonia petista no conjunto da esquerda brasileira.

A crise de 2005 enfraqueceu relativamente o PT. Nossa experiência de governo abriu brechas entre o petismo e o “lulismo” e ampliou as contradições com parte de nossas bases sociais. Ademais, não há uma candidatura “natural” para 2010.

Isto tudo reforçou, nos demais partidos da esquerda, o legítimo desejo de ter candidatos próprios à presidência. A isso se soma o conflito existente entre as diferentes correntes que convivem no interior da esquerda brasileira.

Entre estas correntes, temos o “possibilismo”, que reduz e submete o projeto de esquerda ao que supostamente é “possível” fazer, na atual conjuntura e nas atuais condições, através do governo. Isso ajuda a entender o apoio que alguns dão a toda e qualquer ação de governo, sem mediações, sem crítica e sem autonomia; ou atitudes extremistas como a defesa de uma aliança com o PSDB.

Temos também os “movimentistas”, para quem os processos eleitorais estariam “superados”, motivo pelo qual defendem uma estratégia de acúmulo de forças que subestima ou desconsidera o papel das eleições e dos governos.

Temos, ainda, o “anti-petismo”, que pode assumir tanto uma face “esquerdista” e udenista, quanto uma face moderada, como acontece no caso daqueles que defendem enfraquecer o PT para assim constituir uma alternativa para a eleição de 2010. Uns e outros não percebem que o enfraquecimento do PT resultaria no fortalecimento da direita.

Por cima de todas estas correntes, paira um enigma a ser decifrado: o “lulismo”.

Na história do Brasil, esta não é a primeira vez que uma liderança política adquire caráter extremamente massivo. Foi este o caso do prestismo, do varguismo e do brizolismo, à esquerda. Mas foi também o caso do janismo, do ademarismo e do malufismo, à direita.

A consistência deste fenômeno, no caso de Lula, possui duas grandes explicações: a existência do PT, que sustentou politicamente suas cinco candidaturas a presidente; e as realizações e significados materiais e simbólicos do primeiro governo Lula.

Na história da esquerda brasileira, bem como na história da esquerda latino-americana, lideranças de massas como Lula sempre mantiveram uma relação contraditória com os partidos políticos. Não surpreende, pois, que haja pontos de tensão entre o “lulismo” e o “petismo”. Admitir estes pontos de tensão é necessário, seja para evitar o antagonismo entre o petismo e o “lulismo”, seja para evitar a submissão do petismo ao “lulismo”.

Milhões de brasileiros e brasileiras têm na adesão a Lula sua primeira e principal manifestação de consciência de classe. Devemos criar mecanismos que levem estas multidões a se engajar nas organizações coletivas, como os sindicatos e movimentos sociais.

Por outro lado, há milhares de militantes que colocam sua ligação com Lula acima de seu compromisso com o Partido e outras formas de organização coletiva. De maneira pedagógica e firme, devemos convencer estes militantes que um projeto coletivo não pode se organizar em torno de uma pessoa. E que o Partido é um projeto coletivo que deve ser preservado acima de tudo e de qualquer um.

*Artigo enviado em 27 de fevereiro de 2007
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