Nelson Le Cocq
1 – O próximo Congresso Nacional do PT coincide com uma conjuntura política rica em oportunidades e desafios. Os debates sobre os quais deverá se debruçar o conjunto da militância, a partir dos eixos temáticos já definidos estarão polarizados pelo embate político que atravessa a sociedade brasileira. Desenvolver uma clara percepção sobre a essência deste embate é fundamental. Será a partir desta percepção que poderemos delinear proposições aptas a construir uma hegemonia que privilegie a resolução das graves disparidades sociais do país.
2 – O projeto de desconstrução estatal e da alienação do patrimônio público foi iniciado politicamente por Collor, e teve seu auge nos dois mandatos de FHC. Este, ao anunciar o “fim da Era Vargas”, escamoteou que pretendia de fato fazer a política nacional retroagir aos padrões de ação governamental típicos da República Velha. O legado desta concepção de estado foi a permanência de um quadro de péssima distribuição da renda nacional, de degradação de instituições públicas fundamentais para o processo de socialização e promoção dos direitos políticos, sociais e civis. Como corolário da era Collor-FHC, o primeiro governo federal petista herdou um ambiente sóciopolítico caracterizado por forte perda de valores civilizatórios básicos para a constituição de uma sociedade democrática.
3 – O resultado das últimas eleições presidenciais abriu uma nova conjuntura política no país. O desenrolar da disputa eleitoral definiu os traços deste novo momento político, ao evidenciar os dois grandes projetos que pretendiam conduzir as ações de governo pelos anos subseqüentes. O fato de que as proposições de ambos os lados não estivessem claramente delineadas a princípio, não impediu que o povo brasileiro, no segundo turno, deixasse clara a sua opção preferencial. O primeiro turno ainda esteve marcado pela iniciativa de nossos adversários, que pretenderam escamotear sua própria plataforma, e orientar à agitação política evasivamente para temas vinculados a questão ética. Ao longo do segundo turno, a real polarização entre os dois projetos políticos veio à tona sem subterfúgios, ao colocar no centro da discussão o papel do Estado na sociedade brasileira, ainda que o fizesse de forma tópica e circunstancial. Temas que constituem aspectos essenciais do projeto tucano-pefelista, como a retomada do programa de privatizações, os cortes nos gastos públicos e o esvaziamento dos programas sociais, foram alvejados pela crítica petista, e contundentemente repudiados pelo eleitorado, que se perfilou majoritariamente favorável à continuidade e aprofundamento das ações desencadeadas pelo primeiro governo Lula.
4 – A questão central que está em jogo na cena política é a definição do papel do Estado na sociedade brasileira. Durante o primeiro mandato Lula, as ações tomadas em prol da afirmação de programas sociais demarcaram o campo político, ao direcionar a ação governamental para corrigir aspectos críticos da condição de miserabilidade de vastas camadas do povo. A tentativa dos tucanos de embaralhar a questão, afirmando que programas semelhantes já haviam sido iniciados no período de FHC é, no mínimo, mistificadora. Como ensina a filosofia, mudanças na quantidade acarretam mudanças de qualidade. O volume e a organização dos programas sociais no primeiro governo Lula significaram uma inflexão política inédita no Brasil, no que tange ao enfrentamento da péssima distribuição da renda nacional em nosso país.