A posse de novos presidentes na América Latina, o surgimento de uma alternativa de esquerda no Paraguai, o Foro de São Paulo, o quadro das eleições francesas, a ONU e o Fórum Social Mundial em Nairóbi são alguns dos temas abordados na sessão, que, entre outros assuntos, traz ainda notícias sobre o Mercosul, o México, os Estados Unidos, a Comunidade Européia, o Oriente Médio, Darfur, Somália, África do Sul e etc.

anchor
Posse de novos presidentes na América Latina

Estaria surgindo uma alternativa de esquerda no Paraguai?
O Foro de São Paulo
A Cúpula do Mercosul
México
Estados Unidos – A nova tática de Bush
Guantanamo completa cinco anos em atividade
2007 – um ano crucial para a Comunidade Européia
Praticamente conformado o quadro das eleições francesas
Notícias do Oriente Médio
Darfur
Somália
O próximo quadro eleitoral na África do Sul
Primeiros passos do novo Secretário Geral da ONU
O Relatório da ONU sobre aquecimento global
Chirac propõe criação de nova organização ambientalista
O controle da internet e a União Internacional de Telecomunicações
Fórum Social Mundial em Nairóbi

anchor
Posse de novos presidentes na América Latina

Além do presidente Lula que iniciou seu segundo mandato em 1º de janeiro, entre os dias 10 e 15 também tomaram posse, respectivamente, Hugo Chávez na Venezuela, Daniel Ortega na Nicarágua e Rafael Correa no Equador sendo que os dois últimos são os mais novos integrantes entre os governantes progressistas e de esquerda no continente.

Para assegurar a continuidade deste processo de avanço político na região falta ainda a obtenção de um resultado positivo nas eleições presidenciais argentinas que deverão se realizar no segundo semestre de 2007. O próprio presidente Nestor Kirchner ou Cristina Kirchner, eleita senadora dois anos atrás, deverão disputar esta eleição com a direita.

Chávez tomou posse prometendo que tomará medidas para implantação de um regime socialista na Venezuela a partir de seu terceiro mandato que termina em 1913. Suas primeiras propostas de ação compõem a estratégia que pretende adotar para prosseguir na transformação da realidade venezuelana.

A Venezuela é o quinto maior país exportador de petróleo e possui uma impressionante concentração de renda e uma quantidade enorme de pessoas vivendo na linha da pobreza. Como na maioria dos países exportadores de petróleo, sua economia não é diversificada e baseia-se quase exclusivamente no petróleo.

Os partidos políticos de direita estão desmoralizados e a esquerda tradicional fragmentou-se entre apoio e oposição a Chávez. Os sindicatos tradicionais foram em sua maioria para a oposição e perderam sua capacidade de intervenção social e política, pois eram extremamente dependentes do Estado anteriormente. Isto sem mencionar que a maioria da população está na informalidade e nunca foi representada por eles.

Até o momento, a sua plataforma para o novo governo pressupõe os seguintes eixos:
– fortalecimento das políticas sociais já em implementação como aquelas nas áreas da saúde, educação, saneamento básico, habitação, economia solidária, as “mesas” de discussão popular, entre outras.
– estatização dos serviços de energia elétrica e telecomunicações.
– criação de um novo partido político, o Partido Socialista Unificado da Venezuela e autorização do congresso para governar por decretos em várias áreas por 18 meses, como a estatização de empresas. Esta autorização denominada “Lei Habilitante” foi aprovada no dia 31 de janeiro.
– continuidade da política externa privilegiando as relações sul-sul e com os países exportadores de petróleo.

A direita e a mídia internacional têm tratado a proposta de estatização dos dois setores mencionados como algo extremamente grave, além de afirmar que Chávez pretende governar por decretos em regime de partido único.

A política externa, além de reforçar o viés nacionalista de seu governo, também visa atender uma preocupação de Chávez que é a de impedir uma queda demasiadamente brusca dos preços de petróleo cru, uma vez que estes representam a fonte que financia as políticas sociais internas na Venezuela e o apoio que presta a alguns outros países, como Cuba, por exemplo. Avalia-se inclusive a possibilidade da cobrança de preços diferenciados nas “bombas de gasolina” a depender do tamanho e idade do automóvel. O problema é que isto reforça os problemas decorrentes da dependência da exportação de um único produto primário, sem falar nas conseqüências para outros países que são, por sua vez, dependentes da importação de petróleo.

De qualquer maneira, independentemente da gritaria da direita, teremos que esperar para ver se a implementação de um regime onde a economia estatal prevaleça sobre o mercado e a organização política popular tenha hegemonia sobre o Estado, será possível. O desafio principal é diversificar a economia e, por conseqüência, construir um tecido de organização social mais amplo.

Ortega e Correa iniciam seus mandatos sob circunstâncias muito mais difíceis. O primeiro, ao assumir a presidência do segundo país mais pobre da América Latina em aliança com setores da direita nicaraguense e sem possuir maioria no parlamento, além de ter que lidar com a presença americana que sempre foi mais forte na América Central que no restante do hemisfério. Diante destas circunstâncias, Daniel Ortega apresentou um programa de governo moderado cuja eficácia para atender as expectativas do eleitorado ainda está para ser confirmado.

Rafael Correa, por sua vez, reiterou no seu discurso de posse as posições políticas e econômicas que defendia durante a campanha, particularmente sua intenção de convocar uma Assembléia Constituinte para definir uma nova Constituição para o país. Para a situação política equatoriana na qual predomina a direita por intermédio do parlamento e do poder judiciário, a Constituinte é uma grande necessidade para democratizar e modernizar o país e tem apoio de 75% da população.

A coalizão política que elegeu Correa optou no primeiro turno por não apresentar candidatos ao parlamento, aproveitando o desgaste desta instituição junto à opinião pública para fortalecer a justificativa para convocação da Constituinte. Portanto, não tem representantes no parlamento, com exceção de uma única deputada aliada que é do Partido Socialista que o apoiou no segundo turno.

A maioria do congresso (PRIAN e PSC) se opõe à convocatória da Constituinte, exceto o PS e os deputados da Frente Patriótica do ex-presidente Lucio Gutierrez, estes últimos vistos como um estorvo por Correa porque este partido foi fundado sob a bandeira de convocar uma Assembléia Constituinte que depois abandonaram e agora retomaram oportunisticamente.

Por isto sua aposta é contar com o desgaste dos partidos, instituições e políticos tradicionais para conseguir uma forte mobilização popular que convença o parlamento a convocá-la sem restrições. Por enquanto está funcionando, mas se esta convocatória falhar, aparentemente não existe um Plano B. (Leia mais em Presión social por la Asamblea Constituyente).

anchor
Estaria surgindo uma alternativa de esquerda no Paraguai?

O Paraguai é um dos poucos países da América do Sul onde a esquerda praticamente nunca teve expressão eleitoral. A única experiência prática foi o mandato de Carlos Fillizola, ex-dirigente sindical da Central Unitaria de Trabajadores (CUT) no setor da saúde, como prefeito de Assunção em meados dos anos 1990, embora tenha exercido um mandato muito pragmático.

A história do desenvolvimento do país tem como fatos importantes a guerra que lhe moveram seus dois grandes vizinhos no final do século XIX e que lhe custou caríssimo, ser um país eminentemente agrícola que não passou pelo modelo econômico de substituição de importações, ter assinado os Tratados de Yaciretá e Iguaçu com a Argentina e o Brasil para construção de duas usinas hidrelétricas onde não tem controle sobre as tarifas e ter sido um dos últimos países da região a se redemocratizar após uma ditadura brutal por 35 anos que só terminou em 1989.

A ditadura Stroessner possuía um partido político de sustentação que era o Partido Colorado profundamente entranhado na máquina do estado e no serviço público e que é até hoje o partido hegemônico no país. Os partidos que eventualmente se posicionam na oposição, como o liberal e o “febrerista”, nunca conseguiram superá-lo. Quando há disputas fortes entre candidatos às eleições nas diferentes esferas de governo no Paraguai, geralmente são entre membros do próprio Partido Colorado.

Existe, no entanto, um movimento na sociedade civil chamado “Resistência Cidadã” que envolve sindicatos, organizações camponesas, organizações de sem-terra, ONGs, setores da igreja católica, entre outros, que vem tentando se articular e se constituir como uma alternativa de poder.

Pela primeira vez começa a surgir a possibilidade de um candidato presidencial com chances reais de disputa que representa estes setores sociais por intermédio do progressista ex-bispo católico de San Pedro Sula, Fernando Amindo Lugo Mendez à frente de um movimento denominado “País Possível”.

Ele vem sendo pressionado pela direita e pela cúpula da igreja católica, inclusive pelo próprio Papa, para não deixar a vida clerical. No entanto, no início de janeiro, Fernando Lugo anunciou que deixaria a batina para disputar as eleições em 2008 e tentar promover um governo de justiça social. Teria hoje a preferência de 42,5% dos eleitores contra 37,3% do atual presidente paraguaio Nicanor Duarte que não pode se candidatar para um segundo mandato, embora tenha falado em mudar a Constituição para permitir a reeleição.

Pode ser o início de uma disputa importante e que deverá contar com o acompanhamento e apoio da esquerda latino-americana.

anchor
O Foro de São Paulo
Realizou-se entre os dias 12 e 14 de janeiro, em El Salvador, o XIII Foro de São Paulo, reunindo partidos de esquerda de 33 países da América Latina e Caribe, bem como alguns convidados de outros continentes.

Os debates realizados por meio de seminários e plenárias partiram de um documento base que contemplava quatro eixos principais:
– Formulação de política anti-neoliberal; Luta contra o colonialismo, a ingerência imperialista e pela solução dos conflitos armados; Luta contra a militarização; Relação entre partidos políticos e movimentos sociais.

Houve importante debate político sobre a atual conjuntura Latino-Americana e Caribenha que concluiu que o neoliberalismo ainda mantém sua hegemonia, embora ameaçada pelo ascenso das lutas populares e pelos resultados eleitorais que favoreceram a esquerda e setores progressistas no continente, não somente nas esferas federais, mas também nos estados e municípios.

Também foram destacados os temas relacionados a gênero e etnia, em particular a preocupação com a violência contra as mulheres e a defesa dos direitos e integridade dos povos indígenas.

Foi manifestado apoio unânime à revolução cubana, bem como repúdio ao bloqueio que este país vem sofrendo de parte dos EUA.

No plano de ação aprovado constam iniciativas como a criação de um boletim eletrônico mensal, de uma escola continental de formação política e de um observatório eleitoral, além da organização de um festival político cultural. Aprovou-se também que os membros do Foro devam ter políticas dirigidas à juventude e à promoção da arte e da cultura. A partir da discussão sobre a relação com os movimentos sociais, realizada com representantes da Aliança Social Continental durante a “Cumbre Social” de Cochabamba no ano passado e novamente em El Salvador, surgiu a proposta de solicitar a inclusão do Foro no Comitê Internacional do Fórum Social Mundial sob o status que for possível — observador ou membro pleno , já que se trata de uma Rede de partidos.

O evento foi encerrado com um ato público num estádio em San Salvador em homenagem a Shafik Handal, importante dirigente da FMLN que disputou a última eleição presidencial do país e que faleceu no ano passado.

anchor
A Cúpula do Mercosul

Esta se realizou nos dias 18 e 19 de janeiro no Rio de Janeiro e havia uma expectativa da aprovação de duas medidas importantes: a incorporação da Bolívia como Estado Parte do Mercosul e a eliminação do Dólar americano como referência para o câmbio nas trocas comerciais entre os países.

Não houve consenso para que a Bolívia mudasse o status de Estado Associado para Estado Parte antes que suas tarifas externas sejam compatibilizadas com a Tarifa Externa Comum (TEC), apesar do precedente do ingresso da Venezuela também sem a adequação tarifária. Como encaminhamento, foi criado um Grupo de Trabalho para tratar a questão.

No caso do câmbio direto entre as moedas locais, as discussões entre Brasil e a Argentina estão bastante avançadas e decidiu-se implantar este novo sistema, que deverá eliminar um custo do comércio, bilateralmente antes de estendê-lo a outros membros do bloco.

Foi dado informe do estado avançado das negociações visando a conformação de acordos comerciais do Mercosul com o Panamá e também o Conselho de Cooperação do Golfo. Este representa vários países do entorno do Golfo Pérsico.

Os presidentes reforçaram seus compromissos de cooperação nas áreas de direitos humanos, educação e para superação das assimetrias, principalmente econômicas, entre os países menores e maiores do bloco. Deverá ocorrer uma reunião específica para tratar deste último tema no próximo mês de abril. Também foram aprovados os primeiros projetos a serem financiados pelo Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento da Estrutura Institucional do Mercosul (FOCEM), em particular, um programa para combater a Febre Aftosa na região.

Antes de se iniciar a reunião dos presidentes foi instalado o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul. Esta iniciativa vem a substituir a anterior Reunião Especializada de Municípios e Intendências (REMI) e poderá se tornar um espaço relevante de participação de autoridades locais na construção do Mercosul, principalmente para os governos municipais que se organizam na Rede Mercocidades.

As resoluções aprovadas na Cúpula Social do Mercosul, realizada em dezembro em Brasília, foram apresentadas na reunião pelo presidente da CUT do Brasil, Artur Henrique dos Santos, e bem recebidas pelos presidentes que manifestaram seu compromisso com a realização das cúpulas sociais durante as próximas cúpulas presidenciais.

A próxima presidência pro-tempore será exercida pelo Paraguai. Aliás, foi aprovado também na reunião que o Guarani, idioma falado por 80% dos paraguaios, passa a ser mais um idioma oficial do Mercosul.


anchor
México

Calderón inicia mal o seu governo. Aparentemente para compensar sua falta de legitimidade, resolveu governar de forma autoritária e vem dando maior impulso aos ajustes neoliberais que o seu antecessor Vicente Fox.

A última medida foi aumentar o preço da farinha de milho, insumo básico para elaboração das “tortillas” alimento básico do povo mexicano. A produção de milho mexicano foi arrasada após a entrada em vigor do Nafta em 1994, pois não conseguiu enfrentar a concorrência com a importação de milho americano devido aos subsídios agrícolas praticados nos EUA. Com isto o governo mexicano teve que intervir com recursos para evitar o encarecimento exagerado das “tortillas” valor este que foi reduzido agora.

Já houve iniciativas de alguns sindicatos de promover mobilizações para protestar contra a medida.

Enquanto isto, a comissão de investigação da violação de direitos humanos em Oaxaca concluiu que 23 pessoas foram mortas durante o conflito e não apenas os 11 reconhecidos oficialmente, além de dez terem sofrido ferimentos graves e/ou estupros. Além disto, constatou que houve o envolvimento de “gangues” civis no apoio à repressão.

O governador Ruiz mantém-se frente ao governo de Oaxaca exatamente devido ao apoio que recebe do governo federal, particularmente por meio das suas forças policiais.


anchor
Estados Unidos – A nova tática de Bush

Como mencionado nas edições 9 e 10 do Periscópio Internacional, o Iraq Study Group (ISG) fez recomendações a respeito de como contornar os problemas causados pela guerra no Iraque baseadas em diplomacia e na diminuição das tropas norte-americanas no território iraquiano.

Contudo, apesar da troca do secretário de Defesa, de Donald Rumsfeld por Robert Gates que fez parte do ISG, o presidente George W. Bush em pronunciamento feito à nação no dia 10 de janeiro anunciou sua decisão de aumentar as tropas americanas no Iraque com o envio de 20 mil novos soldados. Sua tática política é ampliar a escalada da guerra, inclusive envolvendo o Irã. (Leia a transcrição não-oficial do pronunciamento de Bush).

Mesmo entre os que apóiam a guerra, a medida é considerada errônea, uma vez que segundo os analistas militares, 20 mil soldados é um número baixo perto das dificuldades encontradas no solo iraquiano para o controle da atual situação de guerra civil.

Entretanto, o Congresso de maioria democrata, conseguiu aprovar apenas uma moção, sem efeito prático, condenando a medida anunciada por Bush. Segundo justifica o senador Chuck Schumer (Democrata – Nova York), este é o primeiro passo para que num outro momento os senadores e deputados que apóiam Bush e que apoiaram a guerra anteriormente, sejam convencidos a agir de forma mais enérgica.

Um dia antes do tradicional discurso “O Estado da Nação” ¹, proferido pelo presidente Bush no dia 23 de janeiro, segundo a CBS news, a popularidade de Bush havia alcançado um novo recorde negativo: apenas 28% da população aprovam sua gestão. Além disso, 66% declararam ser contra o envio de mais soldados ao Iraque e 33% acreditam que o maior problema enfrentado pelo país hoje é a Guerra. (Leia mais sobre os resultados da Pesquisa CBS News, além da transcrição oficial e vídeo do discurso de Bush e transcrição e vídeo da resposta oficial do Partido Democrata, proferida pelo senador Jim Webb).

Enquanto isso, as tensões entre Estados Unidos e o Irã estão aumentando. No final de janeiro foi revelado que o presidente Bush, há alguns meses, autorizou o uso de “força letal” contra agentes iranianos no Iraque. E uma semana antes do pronunciamento, forças norte-americanas invadiram um Escritório de Representação do Irã no norte do Iraque.

A maior parte da mídia nos EUA tem concentrado sua cobertura nas declarações controversas feitas pelo presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, sobre Israel e o Holocausto, bem como a especulação sobre as ambições nucleares do Irã. Entretanto, alguns repórteres investigativos têm concentrado sua visão nos claros sinais de que a administração Bush quer a guerra com o Irã.

Em janeiro de 2005 e também em abril de 2006, o repórter da revista New Yorker, Seymour Hersh, escreveu sobre as operações secretas no território iraniano por parte das forças americanas que estão baseadas no Afeganistão. Além disso, também chamou a atenção para preparativos em curso dentro do Pentágono, em cooperação com Israel, para desenvolver operações de estudo de possíveis alvos militares no Irã, apoio a grupos de oposição ao atual governo, bem como a possibilidade de um ataque aéreo aos locais onde o Irã desenvolve seu programa nuclear.

Hersh escreveu motivado pelo fato de que estas tarefas, normalmente levadas a cabo pela CIA, estão sendo planejadas e executadas por “forças especiais” e, portanto, não é necessário que o Congresso seja informado como, em tese, ocorreria no caso de operações da CIA. (Leia mais no artigo de Hersh).

Além de Hersh, muitos outros jornais, revistas e blogs na internet estão debruçados sobre esta questão. O repórter investigativo Raw Story publicou uma linha do tempo atualizada sobre a relação entre a administração Bush e o Irã. Embora Bush tenha rotulado o Irã como parte do “eixo do mal” já em 2002, acusando-o de apoiar o terrorismo e pelas suas intenções de adquirir armas nucleares, os esforços para gerar um conflito com este país se iniciaram há mais tempo.

A reportagem mostra que já em 1992, um grupo que incluía o vice-presidente Dick Chenney (na época secretário de Defesa de Bush – Pai), Paul Wolfowitz (atual presidente do Banco Mundial) e Zalmay Khalilzad (atual embaixador dos EUA no Iraque e cotado para ser o novo embaixador do país junto à missão americana na ONU) redigiu um documento secreto que proclamava que os EUA teriam que ser a única superpotência do mundo, especificando a necessidade de prevenir e bloquear a existência de competidores regionais, incluindo o Irã.

Esta doutrina foi atualizada em 2000 em um documento entitulado “Reconstruindo as Defesas dos Estados Unidos” publicado pelo think tank neo-conservador Project for a New American Century (PNAC). Este grupo foi criado em 1997 com o objetivo de promover a liderança dos EUA no mundo e a Guerra no Iraque é vista como o primeiro passo para o início deste processo.

Antigos membros do PNAC foram indicados para cargos-chaves na administração Bush. Além dos mencionados Dick Chenney, Wolfowitz e Khalilzad também John Bolton, ex-embaixador dos EUA na ONU; Francis Fukuyama para o conselho de Bioética do presidente; Donald Rumsfeld, ex-secretário de Defesa e muitos outros em posições ligadas a área militar e diplomática.

Em março de 2006, o último documento de Estratégia de Segurança Nacional dos EUA listava o Irã como a ameaça número 1 aos Estados Unidos, não somente pelas armas nucleares, que ainda não existem, mas também devido à acusação de Bush que este país seria o maior apoiador mundial do terrorismo. A administração Bush tem tido o cuidado de repetidamente ligar o Irã aos ataques de 11 de setembro e acusa ainda o país de dar asilo a pessoas e organizações envolvidas no ataque.

Em “O estado da nação”, o presidente Bush deixa claro sua posição. Entre suas declarações: “Recentemente, ficou claro que enfrentamos um aumento do perigo proveniente das ações dos xiitas, hostis aos EUA e determinados a dominar o Oriente Médio.

Sabe-se que muitos deles recebem orientações do regime no Irã, que financia e fornece armas a terroristas como o Hezbollah, segundo grupo depois da Al-Qaeda em número de extermínio de vidas norte-americanas.

Os extremistas xiitas e sunitas são duas faces da mesma ameaça totalitária. Não importa que slogans cantem quando matam inocentes. Eles têm o mesmo propósito: Querem matar americanos, querem matar a democracia no Oriente Médio e coletar armas para matar em uma escala ainda mais assustadora. No sexto ano após o ataque a nossa nação, desejaria informar-lhes que o perigo acabou. Mas este não é o caso.

Assim sendo, permanece a política deste governo de usar todas as ferramentas de inteligência, diplomacia, cumprimento da lei e ação militar, apropriadas, permitidas por lei, a fim de cumprir nosso dever de encontrar estes inimigos e proteger o povo norte-americano”.

Caso o Congresso não haja de forma firme e anule as autorizações para que o Presidente inicie uma ação militar (fornecidas em setembro de 2001 e outubro de 2002) e vote contra o aumento no orçamento militar que acaba de ser apresentado pelo executivo, a administração Bush se sentirá com autoridade para ampliar a intervenção no Iraque e iniciar ações militares contra o Irã mesmo sem aprovação do legislativo para mais uma guerra cuja justificativa foi artificialmente construída.

1- O “State of the Union address” é proferido pelos presidentes norte-americanos todo mês de janeiro normalmente em uma sessão conjunta com o Congresso. Desde 1966 existe a tradição de que o partido opositor profere uma resposta/comentário oficial


anchor

Guantanamo completa cinco anos em atividade

Talvez a data tenha sido escolhida de forma aleatória, mas o anúncio do envio de novas tropas ao Iraque foi feito pelo Presidente Bush no mesmo dia em que a prisão da base militar norte-americana em Guantanamo, Cuba, completou cinco anos de atividade.

A prisão, construída em 2001 e colocada em operação em 2002, já confinou 775 suspeitos indicados pelo poder executivo norte-americano de terem ligações com Al-Qaeda ou Taliban e que foram classificados como combatentes inimigos e sem direito aos cuidados fornecidos pelas Convenções de Genebra. O recolhimento a Guantanamo é feito sem qualquer acompanhamento jurídico e, segundo várias denúncias, os prisioneiros são submetidos a vários atos de torturas física e psicológica.

De acordo com dados de novembro de 2006, dos 775 presos, 340 foram liberados, deixando no local 435 pessoas, sendo que destas, 110 já foram consideradas prontas para a soltura, e apenas 70 terão direito a um julgamento. Os 250 restantes estão presos indefinidamente até segunda ordem.

O novo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon se pronunciou contra a prisão e declarou que Guantanamo deve ser fechada. Diversas manifestações pelo mundo registraram o triste aniversário.

Segundo a Anistia Internacional, a base “passou a simbolizar a hipocrisia das promessas feitas pelos Estados Unidos como resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001, onde deveria residir o respeito à dignidade humana e ao Estado de Direito. A tortura, a humilhação, a discriminação, a fraude nos tribunais e o desrespeito às suas obrigações contraídas em virtude dos Tratados, tudo acontece com quase completa impunidade”.

A Anistia Internacional tem uma página especial de seu site com informações sobre a prisão e as campanhas para o seu fechamento. A página está disponível em: Guantánamo Bay – a human rights scandal.


anchor
2007 – um ano crucial para a Comunidade Européia

No período entre 1o de janeiro e junho de 2007, a presidência da União Européia estará nas mãos da Alemanha que se propôs como grande desafio reavivar a constituição européia assinada em outubro de 2004 pelos países membros e até dezembro passado ratificada por: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, Grécia, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo e Malta. E somente na Espanha e em Luxemburgo foi aprovada por voto popular.

Com a entrada de Bulgária e Romênia no bloco a partir do início deste ano, a União Européia passa a ter 27 países membros.

Muitos analistas estão vendo a tarefa auto-imposta pela Alemanha como uma missão impossível. O processo de ratificação pelos países membros foi deixado de lado após o fracasso das consultas populares ocorridas em 2005 na Holanda (1o de junho) e na França (29 de maio).

A principal crítica ao documento é a de que não trataria de desafios reais e concretos que a Europa enfrenta em questões como aquecimento global, globalização e imigração. Os que advogam que a Constituição Européia seja mais forte do que o atual documento, propõe ainda que o presidente do Conselho Europeu seja eleito e que haja um ministro de Relações Exteriores para o bloco, a fim de facilitar a intervenção nas situações de crise internacional.

Além disso, a UE enfrenta o desafio de consolidar a participação dos 10 novos membros que ingressaram em 2004 e também concentrar esforços na adequação de Romênia e Bulgária ao grupo antes de aprovar o ingresso de novos países ao bloco.

A Turquia está em negociações desde outubro de 2005 para ingressar na UE, embora analistas digam que dificilmente o país terá chances antes de 2015, em função das grandes e significativas reformas econômicas e sociais que necessita completar. Além disso, por ocupar uma faixa territorial de Chipre e pelo fato de que apenas 3% de seu território são considerados território europeu tem causado resistências. O recente assassinato de um jornalista armênio pelo grupo nacionalista turco de extrema-direita, “Lobos Cinzentos”, tampouco ajuda.

A Croácia também é considerada candidata ao ingresso na União Européia e segundo projeções isso será possível apenas em 2010, apesar de que o fim das negociações está previsto para 2008 ou 2009. O último país a ser considerado candidato é a República da Macedônia, contudo existem reservas por parte da Grécia.

Além da Constituição, outras prioridades da gestão de Angela Merkel na presidência da UE serão crescimento econômico, geração de empregos, promoção da igualdade de gênero, a questão das mudanças climáticas e as políticas de imigração e concessão de asilo para estrangeiros.

A novidade na articulação da presidência alemã foi negociar com Portugal e Eslovênia, os dois próximos líderes do bloco, para a criação de um programa conjunto que pudesse ter continuidade após a gestão de Merkel. (Leia mais sobre o programa para a UE de janeiro de 2007 a junho de 2008).

A Alemanha acumula, além da presidência da UE, a liderança no G8 em 2007 e um alemão foi eleito para estar à frente do Parlamento Europeu. O cristão conservador Hans-Gert Poettering, do CDU – mesmo partido de Merkel, recebeu 450 dos 715 votos no pleito realizado em janeiro de 2007.

Assim sendo, este será um ano chave para Merkel, que enfrentou queda de popularidade em 2006 traduzida em derrota nas eleições locais alemãs.

Não se espera que o tema da constituição seja resolvido antes de 2009, mas há grandes expectativas em torno dos passos que a gestão alemã tomará para reavivar o debate.


anchor

Praticamente conformado o quadro das eleições francesas

O Partido Socialista francês definiu nos últimos meses de 2006 que sua candidata às eleições presidenciais de 2007 será a deputada Ségolene Royal e o Partido Nacional (extrema direita), como de costume, deverá apresentar a candidatura de Le Pen se ele conseguir superar um problema legal havido na prestação de contas de sua última campanha eleitoral.

A Unidade por um Movimento Popular (UMP – direita) escolheu Nicolas Sarkozy por meio de uma recente prévia com candidato único, embora tenha havido a abstenção de um terço dos membros, inclusive do atual presidente Chirac.

Os partidos mais à esquerda tentaram construir uma candidatura única em torno dos setores políticos franceses que fizeram campanha pelo “não” à Constituição Européia que foi vitoriosa na França. Houve uma discussão em torno do lançamento do nome de Jean Luc Melanchon, ex-ministro de Formação Profissional do governo de Leonel Jospin e liderança de uma das tendências internas do PS que fez campanha contra a aprovação da Constituição, apesar da posição oficial do partido na ocasião que era favorável a ela.

No entanto, alguns não resistiram à tentação de lançar candidaturas, que embora sem probabilidades de vitória, possibilita participar do debate político e divulgar seus partidos. Neste sentido já se lançaram candidatos por este campo, Olivier Besancenot da Liga Comunista Revolucionária, Arlete Laguillier da Luta Operária, Gerard Schivardi do Partido dos Trabalhadores, Marie-George Buffet pelo PCF e o último a anunciar sua candidatura foi José Bové pela Aliança Antiliberal. Todos juntos representam pouco mais de 10% da atual intenção de votos, mas poderão ser decisivos para a candidatura Ségolene num segundo turno, que é quase inevitável.

A diferença entre as intenções de voto de Ségolene e Sarkozy é pequena. Ele tende a capturar os votos da extrema direita de Le Pen num eventual segundo turno, que hoje representariam em torno de 18% o que lhe daria vantagem frente à candidata do PS que ficaria com os votos mais à esquerda. Porém, tudo depende em que grau a população francesa irá se empolgar com a eleição e comparecer para votar, principalmente o eleitorado à esquerda de Ségolene.

As candidaturas definitivas deverão se oficializar no mês de abril desde que cumpram alguns requisitos legais, como o apoio por escrito de no mínimo 500 prefeitos, o que eventualmente poderá dificultar a candidatura Bové, por ser avulsa.


anchor

Notícias do Oriente Médio

Dizer que a situação no Oriente Médio se agrava, à rigor é uma repetição de comentários de Periscópios anteriores. Cada vez o cenário oferece menos saídas no curto prazo, principalmente em função da política americana de ampliar a escalada da guerra no Iraque e se possível envolver também o Irã.

Em apenas um atentado ocorrido dia três de fevereiro no Iraque morreram 135 pessoas numa região habitada por xiitas, o que leva a crer que os autores podem ter sido sunitas que era a comunidade politicamente hegemônica no governo de Sadam Hussein.

Este por sua vez foi enforcado no dia 30 de dezembro de 2006, após passar por um julgamento eivado de irregularidades que o condenou à morte pelo massacre de um grupo de xiitas quando era presidente. A sentença foi rapidamente confirmada por um tribunal superior que deu um prazo de trinta dias para ser cumprida.

Embora ele ainda devesse ser julgado por outros crimes, como os ataques e as mortes de milhares de curdos com armas químicas, havia uma decisão política de executá-lo o mais rapidamente possível. Ele estava sob custódia americana e foi entregue aos órgãos de segurança iraquianos, controlados pelos xiitas, que o enforcaram.

O horror da cena do enforcamento e dos insultos dos carrascos percorreu o mundo quase em seguida e se a intenção era eliminar a referência para um dos setores rebeldes e reduzir seu ímpeto revoltoso, o efeito foi o inverso. A violência somente tem aumentado. (Leia mais em “The consequences of killing Saddam” e “Bush: Saddam execution looked like revenge killing”).

Na Palestina também prossegue o conflito entre os membros do Hamas e Al Fatah. O primeiro tem maioria parlamentar e o segundo tem a presidência da Autoridade Nacional Palestina. Houve tentativas de se estabelecer um governo de coalizão que falharam. A ameaça feita pelo presidente Mahmoud Abbas de convocar novas eleições parlamentares foi respondida com violência e o número de mortos e feridos tem se agravado.

O impasse no Líbano também permanece. Há quase dois meses ocorrem protestos diários organizados pela oposição contra o governo do primeiro-ministro Fuad Seniora solicitando a realização de eleições parlamentares para recompor o governo. Durante alguns protestos houve conflitos com vítimas fatais.

Por fim, caiu ainda mais a popularidade dos principais membros do governo israelense como o primeiro ministro Olmert do Partido Kadima e o ministro da defesa, o trabalhista Amir Peretz. Nem a inclusão da extrema direita no governo ajudou a superar a situação de impopularidade causada pela derrota na incursão militar ao Líbano, além dos problemas sociais gerados por ajustes neoliberais anteriores e que não foram atacados até o momento.

Além da falta de confiança popular no governo, o presidente de Israel Moshe Katsav, que ocupa um cargo quase decorativo, é acusado por quatro ex-funcionárias de prática de estupro e assédio sexual. Foi afastado do cargo e deverá ir a julgamento. Olmert rapidamente propôs que ele fosse substituído por um veterano na política, o trabalhista Simon Peres, em mais uma tentativa de buscar aliados.

Ou seja, há falta hoje de atores com a devida capacidade para lidar com a dimensão dos conflitos.


anchor

Darfur

As atrocidades na região de Darfur no Sudão continuam apesar das negociações e várias tentativas de acordo no final do ano passado entre o governo e os grupos guerrilheiros das etnias não-árabes. Não somente prosseguem as ações dos “Janjaweed” contra a população não-árabe como também os bombardeios da aviação do governo federal sobre suas aldeias.

O acordo fechado anteriormente entre o governo central e o Movimento Popular pela Libertação do Sudão (MPLS) que agia no sul do país por muitos anos tinha se tornado uma boa referência inclusive porque o principal líder do MPLS, Dr. John Garang, por força daquelas negociações de paz, tinha se tornado Primeiro-ministro Adjunto e poderia contribuir para um acordo também em Darfur. No entanto, ele faleceu num acidente aéreo no ano passado.

Houve tentativas para aprovar resoluções na ONU condenando o governo sudanês, porém interesses comerciais de vários países, particularmente da China, evitaram que fosse aprovada alguma resolução mais relevante. A decisão da ONU foi somente a de autorizar o aumento da presença de tropas da União Africana e promover uma nova investigação sobre as ocorrências, apesar de fartamente denunciados e haver até o momento cerca de 200.000 mortos, dois milhões de refugiados e três milhões de pessoas dependendo diretamente de ajuda internacional. (Leia mais em: “Good intentions and sad results”).

Em função destes fatos, o presidente do Sudão, Omar Hassan al – Bashir foi preterido pela segunda vez para a função de secretário geral da União Africana. Na recente reunião realizada em Addis Abeba na Etiópia foi eleito o presidente de Ghana, John Kufuor.

anchor
Somália

Este país, junto com a Etiópia, Djibuti e Eritréia, compõem a região conhecida como o “Chifre da África” e foi colonizado pela Inglaterra e Itália. É um país historicamente dividido em regiões onde predominam diferentes etnias, embora a maioria siga a religião islâmica.

A independência foi alcançada na década de 1960 e o coronel Siad Barre tornou-se presidente do país, função que ocupou até 1991 por meio de um regime autoritário de partido único. Durante a primeira metade de seu governo, a Somália aliou-se ao bloco socialista, porém quando atacou a Etiópia em 1976 para tentar ocupar a região de Ogaden, onde a maioria da população é somali, o país vizinho recebeu apoio de conselheiros militares soviéticos e tropas cubanas. Com a derrota, Barre rompeu a aliança com o bloco.

O fim do governo de Siad Barre em 1991 foi também o fim de um governo centralizado no país. Passaram a predominar governos locais, inclusive com disputas armadas entre si, a partir das diferentes etnias e clãs. Seus líderes ficaram conhecidos como os “Senhores da Guerra”. Durante o governo Clinton nos EUA, houve uma intervenção de tropas americanas sob justificativas humanitárias que não durou muito após 17 marines serem mortos num único evento e o mundo ter assistido a cena de seus corpos sendo arrastados pelas ruas da capital do país, Mogadíscio.

O período de ausência de governo central foi praticamente de 15 anos e há pouco tempo, alguns clãs começaram a se unir em torno dos princípios do islamismo mais ortodoxo e criaram uma coalizão chamada “Cortes Islâmicas” que conseguiu dominar várias regiões do país, incluindo a capital.

Porém, esta coalizão foi considerada pelo governo Bush como um potencial aliado da Al – Qaeda e articulou-se então uma outra aliança entre os principais “Senhores da Guerra” (anteriormente inimigos dos americanos) que com apoio de tropas etíopes conseguiu deslocar as forças armadas das “Cortes” de Mogadíscio e instalar um novo governo central. Aviões americanos chegaram a intervir a favor desta coalizão bombardeando regiões do sul do país.

Entretanto, a situação não está resolvida. Os “Senhores da Guerra” não têm suficiente unidade entre si e nem legitimidade para governar todo o país e não podem contar com a presença permanente das tropas etíopes. As “Cortes Islâmicas” se retiraram taticamente da capital, mantiveram seu poder militar e contam com o apoio externo da Eritréia, arquiinimiga da Etiópia contra quem lutou por anos para conquistar a independência, bem como, discretamente, do Egito.

Além disto, existe uma região importante do país chamada Somalilândia, que durante o período de ausência de poder central, articulou um sistema de governo democrático e autônomo que não tem nenhuma relação com os atuais grupos em conflito. É uma região que, inclusive, possui desenvolvimento econômico mais avançado que o resto do país e que certamente não abrirá mão desta conquista pacificamente. (Leia mais em: “Destabilizing the horn”).


anchor

O próximo quadro eleitoral na África do Sul

O Congresso Nacional Africano (CNA) é a grande frente/partido que hoje governa o país e que possui a maioria no parlamento, todos os governos provinciais e a presidência do país. Foi fundado em 1912 e posteriormente tornou-se a principal referência na luta contra o Apartheid. Alia-se com o Partido Comunista Sul Africano e com a COSATU que é a principal central sindical do país e assumiu o poder a partir da eleição de Nelson Mandela para presidente em 1994.

Este ano realizará sua conferência anual que assume particular importância, pois é um momento importante na preparação das próximas eleições presidenciais de 2009 e quem for escolhido presidente do CNA poderá também ser o candidato presidencial do partido ou, no mínimo, exercer forte influência sobre o processo de escolha.

O presidente do CNA desde 1987 é Thabo Mbeki que foi eleito sucessor de Mandela em 1999 e que agora se encontra em mais da metade de seu segundo mandato. Pela Constituição somente é permitido uma reeleição consecutiva, mas há setores no partido que defendem a possibilidade de um terceiro mandato, o que implicaria numa mudança constitucional, o que teoricamente não seria difícil, pois o CNA sozinho tem mais de 2/3 dos votos necessários no parlamento.

Porém, para encaminhar uma mudança desta envergadura, seria necessário um alto grau de consenso interno, o que atualmente seria bem mais difícil. Já se apresentam três candidaturas para a sucessão de Mbeki na presidência do CNA, sendo uma delas a do atual vice-presidente da república, Jakob Zuma que também é candidato a substituí-lo na presidência do país.

Muitos consideram que Zuma poderia fazer um mandato mais à esquerda, mas pesa contra ele uma acusação de estupro que lhe rendeu uma ação judicial que foi concluído por falta de provas. As duas candidaturas repercutiram inclusive no congresso da COSATU no ano passado levando à disputas entre candidatos dos dois campos aos cargos de sua direção executiva.

Os demais nomes que concorrem à presidência do CNA são Tokyo Sexwale, um empresário e Cyrill Ramaphosa, hoje também atuando como um investidor no meio financeiro, mas de qualquer maneira uma figura histórica do partido e da luta anti-apartheid. Em 1997 ele perdeu a indicação para presidente do partido para Mbeki.

Aguardemos os desdobramentos, pois são importantes para o continente africano e também para nós diante do estreitamento de relações que vem sendo desenvolvidas entre a África do Sul e o Brasil.


anchor

Primeiros passos do novo Secretário Geral da ONU

Como mencionado na última edição do Periscópio, Ban-Ki Moon foi empossado no final de 2006 para substituir Kofi Annan à frente da Organização das Nações Unidas.

O 8º secretário-geral da ONU realizou sua primeira viagem internacional, desde que assumiu esta posição, no final de janeiro, a fim de reunir-se com líderes da União Européia em Bruxelas. A discussão sobre temas globais abarcou a discussão sobre os Balcãs, crises em Darfur no Sudão, na Somália e Costa do Marfim, mudanças climáticas e direitos humanos.

Em seguida, Ban-Ki Moon realizou sua primeira visita à África desde a posse, ocasião na qual declarou que a situação em Darfur é uma de suas maiores prioridades no momento.

Em sua visita à República Democrática do Congo, o secretário-geral encontrou-se com o Presidente eleito Joseph Kabila e elogiou o processo eleitoral do país antes de participar da Cúpula da União Africana na Etiópia, onde ele se encontrou com o presidente sudanês, Omar el-Bashir.

Contudo, apesar de seu primeiro comprometimento público com os problemas em Darfur, não há expectativa de que ele aja com rigor em mobilizar forças de paz da ONU em maior número ou ainda comprometer países membros da organização com ações locais.

Ban-Ki Moon é um diplomata de carreira da Coréia do Sul, conhecido por seu perfil reservado e ainda mais neste início de mandato, dificilmente tomará decisões de peso fora da esfera interna da organização.

A única proposta concreta realizada até o momento pelo secretário-geral envolve a reformulação da área de Manutenção da Paz da ONU em função do aumento das missões. A sugestão de Ban-Ki Moon é separar o departamento em duas divisões distintas. Ainda não há maiores detalhes sobre esta proposta disponíveis.


anchor

O Relatório da ONU sobre aquecimento global

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou no início de fevereiro o 4o relatório das avaliações conduzidas pelo grupo desde que foi instaurado em 1998 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) numa parceria com a Organização Meteorológica Mundial (WMO), também parte da ONU.

Este quarto informe chamou a atenção pelo teor mais alarmante utilizado para tratar do tema das mudanças climáticas e do papel do homem na ampliação do “Efeito Estufa” e conseqüente aumento da temperatura do planeta que, segundo o documento, deverá aumentar em até 4 graus centígrados até o final deste século.

No relatório de 2007 afirma-se ainda que as atividades humanas, têm 90% de probabilidade de ser a principal causa de aquecimento nos últimos 50 anos. No terceiro informe, divulgado em 2001, a ação humana era vista como responsável pelas mudanças numa probabilidade de 66%.

O primeiro relatório foi completado em 1999 e jogou um papel importante no estabelecimento de um comitê negociador para que a Assembléia Geral da ONU criasse a Convenção para Mudanças Climáticas (UNFCCC) que foi adotada em 1992 e colocada em vigor em 1994. O segundo relatório, trazido a público em 1995, produziu elementos chaves para a discussão do estabelecimento do protocolo de Kyoto em 1997.

Espera-se que a divulgação do atual documento sirva para que os países formulem políticas públicas que enfrentem principalmente a questão do aumento do uso de combustíveis fósseis, o maior responsável pelas emissões de gás que resultam no aquecimento das temperaturas.

O presidente dos EUA, George W. Bush, apesar de estar extremamente ligado à indústria petroleira, afirmou que seu país deverá diminuir em 20% o consumo de gasolina nos próximos 10 anos, investindo na produção de biocombustíveis, a exemplo dos programas já desenvolvidos com sucesso pelo governo brasileiro.

O IPCC está aberto à participação de todos os países membros da WMO e do PNUMA. Atualmente participam das análises conduzidas pelo grupo cerca de 2.500 cientistas de 30 países que revisam material científico produzido sobre o tema. Além disso, também participam dos trabalhos do IPCC organizações internacionais, ONGs, e órgãos governamentais.

Os trabalhos estão divididos em 4 grupos, sendo:
Grupo 1 – base científica
Grupo 2 – efeitos, adaptação e vulnerabilidade
Grupo 3 – mitigação
Grupo 4 – equipe especial de inventário das emissões de gás de efeito estufa.

O grupo 4 é coordenado pela brasileira Dra. Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo japonês Dr. Taka Hiraishi. (Leia mais no sumário do Relatório “Climate Change 2007 – the physical science basis”).


anchor

Chirac propõe criação de nova organização ambientalista

O Presidente da França, Jacques Chirac, anunciou em dezembro passado uma proposta para que seja criada uma nova organização ambiental no âmbito da ONU cujo nome seria United Nations Environment Organization (UNEO).

A proposta foi apresentada após uma reunião de Chirac com o comitê organizador da Conferência Internacional sobre Governança Ambiental que o governo francês receberá em fevereiro próximo.

De acordo com o presidente, esta conferência, que deve contar com a participação de representantes de cerca de 60 países, e muitas organizações internacionais não-governamentais, deve apresentar um “inventário da situação global do meio ambiente e sua degradação alarmante, e apresentar propostas políticas prioritárias que sejam internacionalmente aceitas”. Ainda segundo ele, a Conferência de Paris servirá de palco para que “muitos países possam declarar que querem a UNEO com recursos materiais necessários para agir e assegurar o respeito a certas regras essenciais para a conservação da biosfera”.

Contudo, segundo relatos, África do Sul, China, Índia e Brasil seriam contra a criação da nova organização. Além disso, muitos acreditam que a proposta está sendo levantada neste momento para que tenha reflexo nas eleições gerais na França que ocorrerão em abril e maio próximo.

Embora sua proposta date de 2002, o mandato da nova organização nunca foi claramente explicitado em qualquer momento, além de existirem tarefas já desenvolvidas por organizações como o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o Painel Inter-governamental sobre Mudanças Climáticas e vários outros secretariados que monitoram os Acordos Multilaterais Ambientais como o Protocolo de Kyoto.

Ainda que Chirac já tenha sido eleito presidente em 1995, reeleito em 2001 e possa concorrer novamente, dificilmente teria chances de vencer o pleito não só pela idade, 76 anos, mas também por sua baixa popularidade. Além disto, seu partido já apontou Nicolas Sarkozy como candidato às próximas eleições presidenciais.

Apesar da motivação eleitoral e das críticas à falta de detalhamento da proposta, alguns ativistas vêem a idéia como um passo importante para as iniciativas de conservação do meio ambiente. Segundo Susan George do Transnational Institute, em entrevista à agência de notícias IPS: “o PNUMA nada mais é do que um órgão mediador, sem os meios financeiros e mandato para agir de forma concreta. Cedo ou tarde, uma organização global para lidar com o meio ambiente terá que ser criada”.


anchor

O controle da internet e a União Internacional de Telecomunicações.

O novo secretário-geral da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Hamadoun Touré anunciou em medos de janeiro, logo após sua posse, que sua agência não tem qualquer intenção de administrar a internet e retirar seu controle da Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), empresa sem fins lucrativos, mas que se reporta ao Departamento de Comércio do governo norte-americano.

Touré foi eleito em novembro passado após derrotar o engenheiro brasileiro Roberto Blois e toma o lugar do japonês Yoshio Utsumi na direção da agência que possui 191 países membros e cerca de 640 membros provenientes do setor privado.

Sua declaração vem em resposta à proposta feita por Brasil, Índia, China, Irã, Cuba e outros países em desenvolvimento para que o controle da internet fosse democratizado e passasse a ser feito por uma entidade internacional no âmbito da ONU, como a UIT.

A proposta brasileira surgiu em 2003 e foi alvo de um extenso debate na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, realizada na Tunísia em 2005. Diante da pressão contrária dos Estados Unidos, a ONU criou um grupo de trabalho que em sua primeira reunião, em novembro de 2006, não chegou a discutir o tema.

Touré afirmou que sua organização não seria o fórum adequado para tal papel, pela falta de recursos necessários e também pela falta de definição do que seria governança da internet. De acordo com ele, sua gestão na UIT será centrada em concentrar esforços na segurança do ciberespaço e em facilitar o acesso à rede a fim de diminuir a lacuna entre países pobres e ricos.

Este tema de segurança é uma discussão levantada pelos Estados Unidos com a alegação de que a internet também pode virar uma ferramenta para organização e ação de grupos terroristas.

Desde 26 de março de 2003, seis dias após o início da guerra contra o Iraque, sites iraquianos, entre eles os sites oficiais do governo e da missão da ONU no país – todos devidamente registrados na Icann – foram retirados do ar sem que nenhuma explicação fosse dada.

Uma nova página do novo governo apoiado pelos EUA, com conteúdo em árabe e inglês, está disponível.


anchor

Fórum Social Mundial em Nairóbi

O VII Fórum Social Mundial realizou-se na capital do Quênia, Nairóbi, entre os dias 20 e 25 de janeiro. A escolha do continente africano tinha vários objetivos como a de ampliar a participação do movimento social africano no processo e apesar de um dos vértices do fórum policêntrico de 2006 ter sido a cidade de Bamako no Mali, era necessário também envolver mais a África Oriental, pois as diferenças políticas e culturais entre os países francófonos e anglófonos do continente são muito grandes.

Certamente a presença africana se ampliou, porém em grau menor do que o esperado. Alguns atribuíram este fato ao custo da inscrição que apesar de ser apenas US$ 5 para os participantes africanos, ainda assim seria caro, além do preço das passagens de avião entre os países do continente ser absolutamente proibitivo. Somem-se a isto, os conflitos nas fronteiras de alguns países vizinhos como a Somália e Sudão que também impediram a chegada de delegações que eventualmente poderiam vir por terra.

Houve participação de aproximadamente 40.000 pessoas e apesar de alguma precariedade das instalações, como falta de som e a energia que era cortada às 19h, o evento se desenrolou num formato semelhante aos anos anteriores. Uma novidade foi a realização de quase uma vintena de assembléias no programa do dia 24 com o objetivo de construir iniciativas de ações frente aos diferentes temas. (Leia mais em: Cobertura Especial Fórum Social Mundial 2007 – IPS News).

As controvérsias ficaram por conta do marketing realizado pelos organizadores locais para ajudar a financiar a atividade como o comércio de cartões telefônicos, da alimentação e do artesanato. A segurança foi feita pela polícia local que ao contrário da população queniana, nem sempre demonstrava a mesma gentileza.

Percebe-se também uma crise, que até poderia ser de crescimento, mas que provavelmente é algo maior que isto. O sintoma visível é a indefinição sobre “o que fazer” em 2008, uma vez que o VIII FSM somente acontecerá em 2009, em lugar ainda a ser definido. Fala-se em mobilizações que, no entanto não tem data e nem causa definidas. O Comitê Internacional deverá discuti-lo em reunião a se realizar durante o encontro de junho do G-8 na Alemanha.

Os problemas menos visíveis, mas que geram outras tensões são vários: a medida da combinação entre debates e ações no processo; a relação do movimento social com governos e partidos políticos; o financiamento do FSM; a incapacidade dos organizadores de envolver os setores mais pobres do movimento social real, como os quilombolas no Brasil, os sem teto de qualquer lugar, entre outros que literalmente não têm recursos para participar dos eventos; a dificuldade de construir uma síntese ocidente-oriente na organização do Fórum e de seus desdobramentos, por exemplo, será que o formato nascido em Porto Alegre atende à realidade africana?

Algumas organizações como a Via Campesina já decidiram por sua conta priorizar as atividades que dizem mais diretamente respeito aos seus problemas e tiveram uma presença pequena em Nairóbi.

Aparentemente, estão faltando novos mecanismos para promover o debate sobre o futuro do Fórum, que esperamos sejam encontrados, pois a iniciativa é importante demais para simplesmente esvair-se. (Leia mais em: Asamblea de Movimientos Sociales).

`