FPA no Fórum Social Mundial 2007
Veja abaixo matéria publicada no site Ciranda sobre o seminário “As relações África x Brasil”
Organizações brasileiras discutem igualdade racial
Atividades contam com participação de poucos africanos e, até mesmo, de poucos negros
por Cristina Charão
Um Fórum Social Mundial realizado na África suscitou, entre as organizações, movimentos sociais e partidos políticos brasileiros, um desejo de falar e refletir sobre as relações do país com o chamado continente negro. O desejo e o esforço de levar o tema a Nairóbi estão explícitos na lista de atividades propostas por entidades brasileiras. São dezenas os debates e ações que focam desde as tentativas de superação do racismo no país a como tem se organizado as iniciativas para pagar a reconhecida “dívida histórica” com os descendentes de africanos. Afinal, estes são, pelo menos, mais de um terço da população brasileira.
Porém, a atividade cujo título explicitava claramente o intuito tornou-se não um debate afro-brasileiro, mas praticamente apenas brasileiro. Convocada por institutos ligados a partidos da coligação que reelegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – os instituto Maurício Grabois (PCdoB) e Perseu Abramo (PT) -, a mesa “Relações Brasil-África” acabou contando apenas com palestrantes brasileiros. Um representante do governo de Moçambique foi convidado pela organização, mas não pôde comparecer.
A platéia também foi majoritariamente brasileira – e branca. Das cerca de 40 pessoas presentes, apenas 5 ou 6 vinham de países africanos.
O que deveria, então, ser uma discussão sobre as relações entre o Brasil e a África acabou se tornando uma explanação de intenções do país latino-americano em relação ao continente que recebe, desde o dia 20, a sétima edição do FSM.
Mas pelo próprio diagnóstico feito pela convidada central do debate, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Extraordinária de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), é possível perceber que, no fundo, a composição e os caminhos do debate refletem o status de fato da relação entre o país e o continente.
“Nós sabemos que estamos mais identificando desafios do que realizando mudanças”, disse a ministra ao final do evento. A julgar pelo restante de sua exposição, a frase não contém nenhum grau de pessimismo sobre a efetividade das ações. Ao contrário, refere-se ao fato de a questão racial – aí inclusa a relação política com a África – ter sido alçada ao posto de “questão estratégica” nas políticas sociais apenas recentemente.
O próprio movimento negro no Brasil reconhece o que chamam de “avanços” do governo Lula na área. Foram seus representantes os primeiros, de todos os movimentos sociais, a declarar apoio à reeleição de Lula. No debate em Nairóbi, concordaram com a ministra, com acenos de cabeça, em chamar Lula de “o primeiro presidente negro do país”.
Ainda assim, o principal desafio apontado durante a discussão no Quênia é o convencimento da elite que governa o país da importância estratégica de uma aproximação com a África.
A própria ministra admitiu que “não dá para dizer que todos os setores do governo tem esta visão da história”, referindo-se a uma abordagem que reconheça o protagonismo do negro na construção do país e os efeitos da escravidão e da abolição feita apenas por critérios econômicos sobre a vida da atual população afro-descendente. “Mas esta é a visão do presidente Lula”, garantiu Matilde.
A questão, aqui, parece ser provar que razões “não tradicionais” devem pesar a favor da decisão de priorizar estrategicamente a África nas políticas de relações internacionais. “Nós temos interesses econômicos e políticos, mas temos também interesses culturais, históricos, sociais, baseados no reconhecimento histórico e na solidariedade”, afirmou Matilde.
Para a vereadora Olívia Santana, do PCdoB de Salvador, o Brasil tem também razões “tradicionais” para “refazer o caminho entre o Brasil e a África”. Segundo ela, o país precisa pensar na sua forma de inserção na geopolítica internacional. “Se temos que enfrentar a hegemonia norte-americana e de países europeus, é preciso estabelecer novas relações, que fortaleçam um novo pólo político”, afirmou. Falta saber se os países africanos estão mesmo dispostos a encarar esta tarefa.
*matéria publicada no site Ciranda.net em 23 de janeiro de 2007