A) AS RAZÕES DA VITÓRIA Num Brasil populoso, continental, complexo, desigual, não se poderia dizer que há uma só razão da vitória de Lula nas eleições nacionais de 2006. Há uma soma de razões importantes, que vão desde a percepção positiva dos resultados materiais de seu governo, até a uma convicção, para a maioria das pessoas, de que Lula é a melhor opção que se apresenta ao país. Há também uma situação internacional favorável: as multidões que vivem nos países da América Latina resolveram apoiar os políticos de esquerda e centro-esquerda, como atestam resultados similares ao Brasil ocorridos no Chile, na Argentina, na Venezuela, no Uruguai, no Haiti, na Bolívia, no Peru, na Nicarágua, e as boas votações no México, no Equador e em outros países.

1 – Não há dúvida que os bons resultados do governo Lula na economia foram decisivos para a vitória.

O país cresceu com inflação baixa, gerou milhões de empregos, os pobres melhoraram sua renda e seu poder de compra, as regiões mais sofridas do Nordeste e do Norte melhoraram, ampliou-se o acesso dos pequenos empreendedores ao crédito, resolveu-se o problema da dívida externa e da dependência do FMI, multiplicaram-se os negócios e as exportações, recuperaram-se portos e aeroportos, os lucros das empresas cresceram, o país atingiu auto-suficiência em petróleo e desenvolveu novas fontes de energia, etc.

É claro que nem tudo foram flores. A taxa de crescimento foi baixa, o Sul do país teve problemas econômicos, caiu a renda da grande agricultura com a queda nos preços de seus produtos, alguns setores da economia sofreram com a concorrência da China, a classe média não teve o mesmo progresso que as classes populares, as estradas e ferrovias federais ainda não estão bem.

Mas, os beneficiados foram em muito maior número do que os prejudicados.

2 – Os benefícios sociais resultantes de ações específicas do governo federal também foram decisivos para a nova vitória de Lula.

Destacam-se: o Bolsa-Família e outras iniciativas do programa Fome Zero, o apoio à agricultura familiar e aos pescadores, o Luz para Todos, a ampliação do acesso ao saneamento básico e à moradia, o programa de cisternas no Nordeste, os investimentos sociais nos assentamentos dos sem-terra, o crédito barato aos aposentados e trabalhadores ativos com desconto em folha, o ProUni, o programa Primeiro Emprego.

É verdade que subsistem muitos problemas nos serviços de saúde pública (responsabilidade compartilhada pelos governos municipais e estaduais com o governo federal), no cuidado com a segurança pública (responsabilidade principal dos estados), no acesso ao ensino superior (responsabilidade compartilhada com os governos estaduais), no acesso dos trabalhadores informais à previdência pública.

Mas, feitas as contas, os mais pobres sentiram um governo que olha para eles.

3 – A imagem positiva de Lula na maioria da sociedade brasileira teve grande importância no resultado, agregada à avaliação positiva de seu governo.

Lula provou à maioria do país que é possível que alguém vindo do seio do povo pobre e sem grande escolaridade mantenha-se fiel às suas origens, supere as dificuldades e os preconceitos, governe de modo competente o país como um todo, pondo amor em sua missão, priorizando os mais pobres e as regiões mais necessitadas. A maioria do povo sentiu-se bem representada e com orgulho de seu presidente. De longe, esta imagem era melhor do que a dos outros concorrentes e do que aquela de seus predecessores mais imediatos.

Por outro lado, o seu governo concluiu o processo eleitoral do segundo turno com uma avaliação positiva superior a 65% da população adulta, na média nacional, sendo que mais de 50% consideravam seu governo ótimo ou bom. A desaprovação do governo ficava em torno de 30%, sendo que destes, apenas 15% avaliavam o governo como ruim ou péssimo. É muito difícil que um governo assim avaliado perca as eleições.

O resultado final do segundo turno, 60,83% dos votos para Lula, contra 39,17% para Alckmin, (ou 58 milhões de eleitores com Lula, contra 37 milhões com seu adversário), mostram bem quanto o povo colou o seu voto à imagem do presidente e à avaliação de seu governo.

B) COMO A OPINIÃO DO POVO DERROTOU A OPINIÃO DA MÍDIA
4 – A novidade destas eleições não foi a reeleição, já ocorrida com Fernando Henrique em 1998. Nem foi a vitória de um partido de esquerda e de um operário de família pobre como presidente da República, que marcou a história política do Brasil a partir de 2002.

A novidade foi a vitória da opinião da maioria do povo contra a opinião exaustivamente defendida pelas TVs, rádios e jornais.

O chamado “quarto poder nacional”, que no Brasil é um poder nas mãos de empresas privadas, tentou impor o restabelecimento no poder Executivo das forças políticas e das idéias de centro-direita, que já estão majoritariamente representadas no poder Legislativo e no poder Judiciário. As raras exceções entre as empresas de mídia, como a revista Carta Capital que apoiou Lula, lembram o jornal Última Hora, que na década de 50, praticamente isolado, defendia o governo de Getúlio Vargas contra o massacre geral que lhe impunha a mídia.

No Brasil já tínhamos vivido golpes militares e golpes do chefe do Executivo nacional, com apoio militar, suprimindo a autonomia do Legislativo e do Judiciário. Nos dois casos, o golpe começou com apoio na mídia ou se consolidou com o controle dela. Houve também tentativas frustradas destes dois tipos de golpe.

Agora estava em curso no Brasil um novo tipo de golpe, pois os principais atores não eram o poder do Executivo nem o poder das Forças Armadas. Este novo tipo de golpe usa a dissimulação como arma. É uma espécie de tentativa de reedição do cavalo de Tróia, grande ídolo de madeira dentro do qual os soldados gregos entraram na cidade adversária e derrotaram os troianos.

Os meios divulgação, através dos quais as notícias, as opiniões e o entretenimento chegam às multidões, buscavam impor um novo governo, influenciando a consciência do povo de maneira orquestrada e massiva contra o atual. Estas empresas extrapolaram a liberdade constitucional no campo da comunicação, assim como as empresas que se juntam em cartel extrapolam a liberdade constitucional no campo da economia.

Elas escolheram o tema “ética na política” como supremo sobre todos os outros, isolaram este tema da história do país superdimensionando sua incidência no governo atual, amplificaram ao máximo a sua presença no dia-a-dia da informação, buscaram colocar o presidente Lula e o PT na defensiva política, que é classicamente o caminho mais propício para a derrota.

O fracasso da tentativa de golpe dissimulado se deve a uma resistência da maioria do povo a esta invasão sistemática de seus lares. A maioria do povo preferiu seguir seus próprios critérios de julgamento e sua própria opinião.

Esta consciência popular, formada a partir de convicções individuais, familiares, e de círculos locais, teve também instrumentos orgânicos que contribuíram decisivamente para sua consolidação, e que vamos elencar a seguir.

C) OUTRAS RAZÕES DA VITÓRIA DE LULA
5 – Há outros fatores que se somaram às razões da vitória até aqui colocadas (os êxitos na economia, as políticas sociais, a imagem de Lula, a aprovação do governo). Estes fatores, colocados a seguir (a força do PT, dos aliados, dos movimentos sociais organizados, as ações nas brechas dos meios de comunicação, as boas decisões estratégicas) também tiveram forte influência sobre o pensamento e as decisões do povo contra a opinião da mídia. Eles mostraram que o poder de outros instrumentos e mecanismos da sociedade consegue relativizar o grande poder da mídia, desde que em situações objetivamente favoráveis como a atual.

Não caímos porque estávamos fortes. Mas, e quando não estivermos? Mudanças democratizantes são imprescindíveis na legislação da comunicação de massa que venham a impedir ou dificultar novas tentativas de golpe como a ocorrida em 2005-2006. Lembremo-nos de que o golpe militar de 1964 teve o seu primeiro ensaio na renúncia de Jânio em 1961. A força da campanha da legalidade e a divisão entre os militares caracterizaram a situação objetivamente favorável de 61, que não mais existiu em 64.

6 – Destaca-se, entre as razões da vitória, a força do PT na sociedade brasileira, expressa pelos milhões de defensores do partido, filiados ou não; pela sua militância ativa em diversificados meios sociais e em todas as regiões do país; pelos seus representantes eleitos nos municípios, nos estados e no Congresso Nacional. O fato de o PT ter sido o partido que mais votos conquistou para a Câmara Federal e ter aumentado o número de estados sob sua administração já é uma das provas de sua força.

Tem também importância na vitória a força dos aliados, quer de partidos inteiros ou com a maior parte se seus representantes atuando na campanha Lula, ou ainda de outros eleitos por outros partidos, que vieram se somar ao PT, no primeiro ou no segundo turno. Uma novidade desta eleição foram os prefeitos de vários partidos que formaram um movimento nacional pela reeleição de Lula, mesmo que em suas cidades vivessem em brigas com o PT local.

Continuou tendo peso na vitória a força do movimento social organizado, seja o movimento popular, seja o movimento sindical, seja o movimento dos trabalhadores rurais, seja o dos estudantes.

7 – Há um outro fator importante da vitória que se deu no próprio campo dos próprios meios de comunicação, em especial no horário eleitoral gratuito, garantido por leis que democratizaram o processo eleitoral. A boa qualidade do marketing de campanha na televisão, no rádio, e em materiais impressos influenciaram bastante no resultado das eleições. A divulgação bem feita das realizações do governo e da figura de nosso presidente ajudou na avaliação positiva do governo e de Lula. O slogan do primeiro turno “Lula de novo com a força do povo”, e aqueles do segundo turno “Não troque o certo pelo duvidoso” e “Deixa o homem trabalhar” são ilustrativos dos acertos do marketing de campanha.

O fato de Lula e de seus ministros estarem no exercício do governo, com o poder de fogo que isto lhes dá, os transformou cotidianamente em notícia durante o longo período em que a mídia atuou na ofensiva sistemática anti-Lula e anti-PT (mesmo que a mídia procurasse dar um tom negativo a estas notícias). Este é o grande álibi das empresas de mídia, que insistem em defender sua “imparcialidade”. Mas aí reside a essência da dissimulação, que seria anulada caso não divulgassem as manifestações do governo. Que em alguns casos eram divulgadas também para que importantes empresas de mídia não perdessem oportunidades de publicidade do governo e de influência em decisões governamentais que lhes dizem respeito (como no caso da TV digital).

Também na internet, este meio de comunicação descentralizado, ao qual mais de 15 milhões de brasileiros têm acesso, abriram-se importantes espaços de defesa do governo Lula e de sua reeleição, notadamente nas colunas políticas chamadas blogs. A internet foi um canal que nos permitiu externar opinião, furar o muro de contenção de opiniões divergentes da mídia tradicional, contra-atacar numa espécie de guerrilha comunicacional.

8 – Finalmente, as boas decisões estratégicas e táticas do comando da campanha eleitoral foram importantes para a vitória. Elas se fundamentaram na experiência política acumulada, no bom conhecimento da realidade brasileira, e nos meios científicos de aferição da opinião pública através de constantes pesquisas quantitativas e qualitativas em todo o país.

D) COMO AS FRAQUEZAS DOS ADVERSÁRIOS CONTRIBUÍRAM PARA A VITÓRIA DE LULA
9 – A situação de inferioridade relativa de nossos adversários, e o insucesso deles em superá-la, também contam para a vitória de Lula. Os 39,17% dos votos de Alckmin na rodada final expressam a força relativa de seu partido e de sua aliança política, majoritários nos estados do Sul e São Paulo, entre os ricos, entre as classes médias, e presente em menor porte nas outras classes sociais e no restante do país.

O segundo turno mostrou que os eleitores e os partidos de Heloísa Helena e de Cristóvam Buarque não concordaram em seguir com Geraldo Alckmin.

Justamente aí, no fato de esta parte do povo que não votou em Lula no primeiro turno recusar-se a fortalecer seu adversário, está uma porta de entrada para o entendimento das fraquezas de Alckmin e de sua aliança PSDB/PFL: ele é herdeiro do desgaste do governo anterior chefiado por Fernando Henrique e exercido por esta aliança; Alckmin é um paulista com superficial inserção nacional, extremamente fraco no Nordeste e Norte, bastante fraco em Minas e no Rio de Janeiro; sua imagem é de um representante da elite pouco ligado aos interesses do povo mais pobre.

Apesar dos problemas identificados em Lula e no seu governo, Alckmin não significou alternativa à altura e melhor que Lula.

Para os efeitos desta eleição, não adiantaria ele visitar mais vezes os estados onde estava fraco, defender o governo de Fernando Henrique e as privatizações, explicitar mais o que faria na economia e nos serviços públicos. Nada disso o levaria a superar a desvantagem essencial de sua candidatura em relação à candidatura de Lula.

Na política, como na guerra ou no futebol, as desvantagens estratégicas são insuperáveis, exceto se ocorrerem fatos extraordinários salvadores de quem se encontra em inferioridade ou erros importantes de quem se encontra em superioridade. Foi por isso que Alckmin e a mídia procuraram aproveitar a insensatez dos governistas que tentaram comprar o chamado “Dossiê Vedoin” como a chance última de reverter a derrota prenunciada.

E) O ALCANCE DA QUESTÃO ÉTICA NESTAS ELEIÇÕES
10 – Quando a mídia e os políticos de centro-direita e direita erigiram a ética como o valor supremo para o julgamento do governo Lula eles viram aí o melhor caminho para vencer o governo com o qual não se identificam.

A grande divergência de nossos opositores com nosso governo não se situa propriamente na questão ética. A grande divergência situa-se nos interesses defendidos pelo governo que Lula representa, e no fato de que não é um governo da confiança deles e das elites econômicas do Brasil. Há também um componente ideológico não engolido pelas elites brasileiras em geral: “como os que não pertencem a nós ousam governar-nos?” pensam elas no seu íntimo.

Quem conhece a história do PFL e de seus maiores líderes sabe que eles não são exemplos a seguir no campo da ética. E, no que diz respeito ao PSDB, se, em sua origem, a defesa da ética na política fazia parte das razões de seu rompimento com o PMDB, o exercício do governo foi afastando-os da fidelidade à sua origem. Veja-se o caso da compra de votos para aprovar a reeleição; os casos obscuros das grandes privatizações; a forma como controlaram a polícia, o Ministério Público, e como impediram CPIs, para evitar problemas consigo e com seus aliados; o início da “valerioduto”em Minas; a adesão ao PSDB de muitos políticos com tradição não recomendável no tema da ética, e tantos exemplos mais.

Quanto às empresas de mídia, o princípio da ética tal como pregado por elas para o governo Lula, não faz parte das práticas conhecidas da maioria delas nas relações com os governos ao longo da história em que se formaram como grandes redes ou obtiveram suas concessões.

Não há dúvida que a questão da ética ou da corrupção foi a aparência e não a essência desta guerra.

11 – Em primeiro lugar, escolheram a corrupção como o tema-chave, com o fim de desmoralizar o governo Lula e o PT (para, como disse um dos seus maiores ideólogos, “nos livrar desta raça por trinta anos”).

Com efeito, como o princípio da ética na política e da luta contra a corrupção estava entre os princípios mais enfaticamente defendidos por Lula e pelo PT ao longo de sua história, perder a imagem de defensores da ética poderia ser fatal a Lula e ao PT perante a sociedade brasileira. Assim o pensavam os opositores e reconheça-se que atingiram em boa parte seus objetivos.

O problema com que eles não contavam e que nos aflige é que, para a maioria do povo, os acontecimentos, no máximo, igualaram neste aspecto o PT e o governo Lula aos outros concorrentes, a seus partidos e a seus governos. A maioria do povo resolveu usar outros critérios para decidir em quem votar.

12 – Em segundo lugar, escolheram a questão ética como centro dos ataques para minar o apoio popular ao governo. Conseguiram amplamente seu objetivo na classe média, que é mais sensível a essa questão (já que tem suas necessidades básicas resolvidas e não tem a ambição sem limites da classe rica). Deu errado a pretensão de, através dos tradicionais “formadores de opinião”, chegar às classes mais pobres. Desta vez as classes mais pobres tinham opinião positiva formada sobre o governo e, como regra, não se deixaram influenciar.

13 – Em terceiro lugar, como os problemas de corrupção identificados decorriam basicamente de exigências de aliados para apoio no Congresso (e das pressões de alguns petistas em busca de recursos de campanha), o ataque na questão ética serviria para desorganizar a base de apoio parlamentar do governo e lhe impor sucessivas derrotas. Como efetivamente conseguiram garantindo a instalação das CPIs (verdadeiros instrumentos de ataque nas mãos da oposição); como conseguiram também ao derrotar os governistas na eleição da Mesa da Câmara nos inícios de 2005; como conseguiram ao criar condições para o surgimento do PSOL de dentro do próprio PT; e outras mais.

14 – É inegável que membros do governo Lula e do PT erraram no comportamento ético. Não é porque obtivemos esta vitória eleitoral que o assunto se torna secundário para nós e para o povo. Assim também não é porque obtivemos esta vitória que vamos esquecer do quase golpe da mídia.

O episódio da compra do dossiê, o derradeiro na seqüência de nossos grandes erros antes destas eleições, reacendeu em todos nós e no conjunto do povo a rejeição contra estes métodos. A prova da reação popular se mostrou na dificuldade de fazer campanha naqueles longos, longos, 15 dias finais de setembro. Este caso recente do dossiê levou ao povo a sensação de que os petistas estavam mesmo viciados nos métodos que mancharam a imagem do PT. Afinal, de uma maneira honesta não se acha tanto dinheiro fácil, inclusive para cair no conto do vigário. E um partido em que alguns dirigentes fazem o que querem, contra o pensamento da maioria de seus filiados e simpatizantes, é uma organização que sofre de problemas estruturais.

Embora o caso do dossiê seja diferente do caso mensalão, os mecanismos que os presidiram são, no fundo, da mesma natureza. Não é um problema da atualidade paulista, como superficialmente muitos avaliaram; é um problema da atualidade petista.

F) AS TRÊS GRANDES DECISÕES ESTRATÉGICAS DE LULA
15- Na reação em defesa de seu mandato, atacado pela campanha dura e contínua de investigações e denúncias, houve três grandes decisões estratégicas de Lula que terminariam sendo decisivas para evitar o impeachment e criar as condições de vitória eleitoral.

A derrota de Lula nas eleições de 2006 era a perspectiva principal da frente das oposições. O impeachment, em face das denúncias e das ilegalidades identificadas, era uma das opções. Porém, as conseqüências sobre a economia e os riscos de intensa luta social não a aconselhavam para a maior parte dos oposicionistas.

Foi o risco do impeachment que provocou o início da reação que levaria Lula à nova vitória eleitoral.

A primeira grande decisão estratégica foi manter-se distanciado das acusações a membros de seu governo e de seu partido, afastando-os ou apoiando o afastamento de seus postos (o que seria decisivo para sua imagem positiva no processo eleitoral);

A segunda grande decisão estratégica foi voltar ao povo, percorrendo amplamente o Brasil, emblematicamente a partir do Nordeste (aí é que começou a nascer o “Lula de novo com a força do povo”);

A terceira grande decisão estratégica foi rearranjar o governo, com sacrifício de postos do PT (por exemplo, o grande Ministério da Saúde), para garantir de novo uma maioria parlamentar (que resultou depois em importantes alianças para a vitória nas eleições de 2006).

A remobilização da militância do PT no processo de substituição de lideranças e de eleição direta de suas novas direções foi um elemento complementar importante a estes três movimentos estratégicos.

O governo Lula conseguiu assim: reorganizar o seu dispositivo de poder e suas forças (que vinham sendo desmontados pela ação sistemática dos adversários); abrir nova frente de luta onde partiu para a ofensiva (as viagens em busca do povo nas inaugurações e no lançamento de ações do governo); reagir e obter vitórias na frente de luta institucional (como a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara); restabelecer o ânimo entre seus apoiadores, que, indignados, partiram em defesa de seu governo (como se veria depois na campanha: multidões espalhadas pelo país defendendo Lula e o governo, como novos “formadores de opinião”).

F) O RESULTADO DAS ELEIÇÕES ANIMA E PREOCUPA O PT
16 – O PT, apesar de tudo, pode festejar o resultado destas eleições. Mostrou que continua com grande vitalidade e força. Reelegeu seu maior líder como presidente da República. Aumentou o número de governadores eleitos (o maior de sua história). Pela primeira vez foi o partido mais votado para a Câmara Federal.

O PT, paradoxalmente, tem que se preocupar com o resultado destas eleições. Houve uma queda no número de nossas cadeiras no Congresso. Em 2002, o PT havia conseguido eleger 90 deputados federais (num total de 513), e agora só conseguiu eleger 83. Além disso, no Senado caímos de 12 para 11 senadores (de um total de 81).

O partido poderia ter crescido muito mais, não fossem os grandes erros cometidos por importantes dirigentes e parlamentares, que deram suprimento para a dura campanha das oposições contra Lula e o PT.

Todos vimos a importância de uma sólida maioria parlamentar para a sobrevivência de um governo popular, numa sociedade em que as elites querem tudo, inclusive o poder em todas suas instituições.

Quem não tem maioria faz alianças para obtê-la. Ao custo de acordos sobre as medidas a tomar no poder e do compartilhamento dos postos de mando.

Não há dúvida de que a necessidade de alianças com partidos de centro ou até de centro-direita para ter a garantia do exercício do poder puxa o governo Lula mais para o centro do espectro político.

As inflexões políticas necessárias para conquistar o governo e mantê-lo já nos levaram a exercer um governo de centro-esquerda: sem rupturas radicais na ordem econômica (que seria de se esperar da esquerda); com prioridade aos mais pobres, às regiões periféricas (que é de se esperar da esquerda), mas aliando-se ao empresariado e lhe permitindo grandes lucros (o que não é de se esperar da esquerda); amplamente democrático, tolerante e pacífico (ao contrário de governos autoritários e belicosos mais típicos da esquerda e da direita); que amplia suas alianças com países mais pobres do Sul (eis a esquerda), mas que convive muito bem com os países ricos do Norte (isso não seria de se esperar da esquerda); etc.

Agora temos que batalhar mais no governo e na sociedade para que a balança do governo não vá demais para o centro. E também que a balança do PT não se encante demais com o centro (como muitas práticas petistas já o demonstram). Talvez o caminho seja aproveitar melhor as oportunidades de organizar o campo popular a partir do capital de apoio demonstrado nas eleições, do que batalhar por mais cargos no governo.

17 – O PT nesta guerra ocupou as posições mais duras da frente de batalha, lá onde o adversário concentrava seus ataques. Ele foi o grande escudo do governo, a quem soube defender e preservar. Perdeu muitos quadros importantes, que tiveram que ser rapidamente substituídos. Outros grandes quadros, que a duras penas sobreviveram, tiveram que se retirar para a retaguarda.

O governo agora precisa cuidar mais dos que estão sob sua batuta, a fim de poupar as forças do PT para lutas mais enobrecedoras.

18 – Agora o PT tem que olhar para a frente. Ao invés de querer punir, vamos trabalhar para evitar os erros daqueles que foram punidos, que vierem a ser punidos, ou que mereciam punição. Afinal, nossos governos, até em relação aos adversários, já fizeram desta forma ( inclusive o governo Lula em relação ao governo Fernando Henrique). Não somos Judiciário, nem Ministério Público, nem Polícia, nem ingênuos auxiliares da sanha farisaica de nossos adversários.

Averiguar as causas de nossos erros e a extensão entre nós de hábitos impróprios, criar mecanismos de evitá-los, é essencial para o futuro do governo Lula e do PT. Sempre com a cautela exigida por um ambiente de luta política feroz, que continua. Os adversários estão derrotados temporariamente, mas as causas de sua guerra continuam muito vivas. E logo que puderem, voltarão à ofensiva. Preparemo-nos para não lhes fornecer munição. Já bastam os canhões que eles têm.

Novembro de 2006

* Artigo publicado no portal do PT em 22/11/2006

*Elói Pietá é prefeito de Guarulhos (SP)

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