Chovem calúnias. Como é difícil viver em um país onde tantos são incapacitados à compreensão de que existem cidadãos dispostos a agir em nome de princípios e crenças

Chovem calúnias. Como é difícil viver em um país onde tantos são incapacitados à compreensão de que existem cidadãos dispostos a agir em nome de princípios e crenças

Tenho um blog no iG, e ali, na quarta 15, divulguei o texto abaixo, após ter sido novamente insultado juntamente com CartaCapital. Ofensas, impropérios e calúnias são fruto de raiva delirante, de certa maneira inexplicável, porque dirigidos contra quem é jornalista há 56 anos e tem um currículo de seriedade, honradez e coerência.

Aviso aos meus solertes detratores. A festa de CartaCapital, realizada este ano no dia 6 passado, é evento anual desde 1997. Foi hospedada por seis vezes pela Fiesp, uma pela Federação do Comércio de São Paulo, e duas em belo local chamado Rosa Rosarum. Ligou-me, aliás, no começo desta semana, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, gostaria que a próxima voltasse à Federação paulista. A festa destina-se a celebrar o aniversário da revista, que completou 12 anos. E também à premiação das Empresas Mais Admiradas no Brasil, resultado de uma respeitadíssima pesquisa conduzida junto a empresários e executivos, mais de mil, pela TNS InterScience, de Paulo Secches. Em total independência, sem o mais leve risco de interferência da redação. O presidente esteve presente, e discursou, nas últimas três edições. Em 2004 foi menos aplaudido que o então governador Geraldo Alckmin. José Serra, Mário Covas, José Alencar já compareceram, entre outras autoridades. Nunca faltou, por baixo, 90% do PIB nacional. Do presidente Lula sou amigo há quase 30 anos. Cito, se permitem, parte do meu pronunciamento de boas-vindas no evento do dia 6.

“Em relação exatamente à minha vida, não nutro enormes orgulhos, como indivíduo, como cidadão, como jornalista. Mas alguns eu tenho, sim. Por exemplo. Fui o primeiro jornalista brasileiro que escreveu uma reportagem de capa sobre um metalúrgico, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luiz Inácio da Silva, o Lula. E a capa saiu na Istoé que eu dirigia em fevereiro de 1978. Lula surgia naquela capa, de pêlo profundamente negro e de bigode mexicano. Contava eu com a ajuda de um repórter chamado Bernardo Lerer.

“Tenho outro orgulho, o de ter apoiado, sempre a bordo da Istoé, as greves do ABC, prova provada de uma mudança no sindicalismo brasileiro, e que representavam um momento muito importante de resistência à ditadura, 78, 79, 80.

“Tenho orgulho de ter votado em Lula, desde quando ele se candidatou à Presidência da República, em 89, 94, 98. Tenho orgulho de ser o diretor de redação de uma revista que tomou posição a favor da candidatura Lula, em 2002 e 2006. As razões foram expostas com extrema clareza aos nossos leitores, e as razões são simples: sim, o Brasil é um país dividido. E é um país cada vez mais dividido, entre uma minoria de privilegiados, de aspirantes ao privilégio, de pessoas que não conseguem conceber a vida sem ser incluídas à sombra do privilégio.

“Do outro lado, temos a maioria, de remediados, de pobres e de miseráveis. Vocês sabem que eu não estou inventando nada. Neste país dividido, a revista CartaCapital percebe que a presença de Lula é a única possível, e a única necessária, para exercer o papel da mediação. A mediação entre os dois países que caminham em oposição clara, se distanciam cada vez mais um do outro, criando entre eles um abismo, no qual medram a violência urbana, a guerra dos morros, o PCC e o diabo a quatro. Lula é o mediador.

“Definir uma posição, às vésperas de uma eleição, é comum, absolutamente corriqueiro, no jornalismo de países democraticamente mais avançados. No entanto, aqui não, tanto que a revista CartaCapital e este que vos fala fomos acusados da pior maneira, por colunistas, por editorialistas, por articulistas, por jornalistas de todos os matizes, os quais afirmam que vendemos a alma ao diabo, em troca de páginas de publicidade governista.

“Em verdade nós somos gatos escaldados, sim, claro, porque, durante o governo de um democrata extraordinário, recém-premiado como o maior democrata da história brasileira, Fernando Henrique Cardoso, nós fomos discriminados da pior maneira, fomos perseguidos claramente, claríssimamente.

“Quando Lula assumiu o seu primeiro mandato, em janeiro de 2003, nós invocamos a ele a prática da isonomia. Devo confessar que essa prática, de uma maneira ou de outra, foi cumprida. Nem sempre, no nosso modestíssimo entendimento, com as dosagens absolutamente corretas. Nós tivemos umas dúvidas, de quando em quando, e não deixamos de pronunciá-las, assim como não deixamos de fazer críticas ao governo, por exemplo, em relação à política econômica. Nós fomos bastante ousados e bastante aguerridos, bastante determinados nas críticas ao governo, no que diz respeito à política econômica, em relação à política de juros elevadíssimos, por exemplo. De nossa parte, a franco favor da produção, e portanto do desenvolvimento.

“Mas, continuamos a enxergar em Lula aquilo que ele representa, no nosso entendimento definitivo. Ao avaliar ofensas, insultos, calúnias perpetrados contra a nossa revista, pergunto aos senhores, que conhecem tão bem o assunto, suponho tão bem como eu, talvez até um pouco melhor, o que nos ajudaria a remar contra a corrente. Nós sabemos o que os publicitários de vocês, há exceções, obviamente, mas a larga maioria dos publicitários de vocês, consideram em relação a quem rema contra a corrente. Eu às vezes perco o sono pensando no destino da revista Economist, que certamente vocês lêem, se ela fosse brasileira. Tadinha, ela circula na Inglaterra com 250 mil exemplares, muito menos que a revista Veja, esse milagre do jornalismo mundial. O mundo nos inveja por causa da Veja. Então, eu sempre penso, puxa vida, se a Economist fosse brasileira… não é a revista dos meus sonhos, mas é certamente uma revista extremamente bem-feita, extremamente importante, extremamente prestigiosa, ela está na mesa dos primeiros-ministros, dos presidentes, dos reis, dos banqueiros, dos empresários, do mundo todo, na segunda-feira de manhã. Se fosse brasileira, estava perdida, de acordo com os nossos publicitários.”

Não é fácil viver em um país como este, onde pululam os escribas dispostos a medir os outros com seu próprio metro. Ou seja, incapacitados à compreensão de que há quem aja movido pelos princípios e pela crença. Recordo a cena final de um filme intitulado Os Profissionais. Enredo: um grupo de pistoleiros, entre eles Lee Marvin e Burt Lancaster, é contratado por um rico senhor, na fronteira dos EUA com o México, para recuperar-lhe a esposa, Claudia Cardinale, raptada por um bandido mexicano, Jack Palance. (Que acaba de morrer e que Deus o tenha em ótima conta, ele merece.) Os contratados agem a contento, libertam a moça e quase matam o bandido. Trazem os dois de volta, mas descobrem que entre Jack e Claudia, ela também mexicana, existe um caso de amor desde a adolescência. Decidem soltá-los, diante dos olhos do marido traído. Preferem que eu diga cornudo? O qual se aproxima de Lee Marvin, chefe do grupo, e afirma com a raiva devida: “Você é um fdp”. E Lee, de bate-pronto: “Sim, mas eu sou por obra de um acidente da natureza, o senhor é um self-made man”.

* Artigo publicado na revista CartaCapital de 19/11/2006

*Mino Carta é diretor de redação da revista CartaCapital.

`