O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, no dia 29 de outubro, para mais quatro anos de mandato, com uma vantagem de mais de 20 milhões de votos à frente do candidato da coligação tucano-pefelista, Geraldo Alckmin. Lula obteve 60,8% dos votos válidos, enquanto o tucano ficou com 39,2%. Leia mais >>

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Lula é reeleito com 58 milhões de votos
Estratégia no segundo turno
Polarização programática
O “não à direita”
Os intelectuais e a campanha Lula
O PT nos estados
O papel da imprensa e o “golpe das elites”
Composição da nova Câmara Federal
Composição partidária e ideológica da Câmara

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Lula é reeleito com 58 milhões de votos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, no dia 29 de outubro, para mais quatro anos de mandato, com uma vantagem de mais de 20 milhões de votos à frente do candidato da coligação tucano-pefelista, Geraldo Alckmin. Lula obteve 60,8% dos votos válidos, enquanto o tucano ficou com 39,2%.

Com a expressiva votação de mais de 58.295.042 milhões de votos, Lula superou a marca alcançada em 2002, quando obteve 52.793.364. O resultado deste segundo turno também representou um significativo crescimento em relação ao primeiro turno, quando Lula teve 46.662.365 votos, ou seja 48,61% dos votos válidos. Alckmin perdeu cerca de 2,4 milhões de votos do primeiro para o segundo turno.

O crescimento da candidatura nos Estados foi tão relevante que Lula reverteu o quadro no Acre, Rondônia, Goiás e Distrito Federal, onde havia perdido no primeiro turno. O petista também aumentou sua votação em alguns estados do Norte em que já tinha uma boa votação, como Amazonas, Maranhão, Pará; no Sudeste, como Minas Gerais e Rio de Janeiro; e no Nordeste, como foi o caso da Bahia.

Nos estados do Sul e do Sudeste, locais em que Alckmin teve mais votos no primeiro turno, Lula quase empatou no Paraná, onde 50,75% preferiram Alckmin contra 49,25% de Lula. O petista também reduziu em muito a vantagem de Alckmin no Estado em que o tucano governou. A diferença em São Paulo caiu de 3.835.935 votos para pouco mais de um milhão.

Ao contrário do que prognosticava a maior parte dos analistas políticos e colunistas dos grandes jornais do país, o Partido dos Trabalhadores teve um bom desempenho nesta eleição e vai governar o seu maior número de Estados a partir de 2007: Acre, Bahia, Pará, Piauí e Sergipe. Ao todo, essas cinco unidades da Federação concentram 17,1 milhões de eleitores, o equivalente a 13,5% do total do Brasil.

É um salto em relação ao que os petistas tiveram na eleição de 2002, quando elegeram apenas os governadores do Acre, de Mato Grosso do Sul e do Piauí (3,2% dos eleitores do país).

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Estratégia no segundo turno

A alta expectativa de vitória de Lula no primeiro turno das eleições, depositada pelas lideranças partidárias, por parte da coordenação da campanha e pela própria militância e apoiadores, deu à ida ao segundo turno um sabor de derrota. O candidato tucano, por sua vez, foi considerado como o grande vencedor do primeiro turno, ainda que a sua votação tenha sido inferior ao de Lula.

Parte deste sentimento foi gerada pelos grandes meios de comunicação, que na reta final do primeiro turno atuaram de maneira articulada em favor do segundo turno.

A preocupação da coordenação da campanha no dia seguinte ao resultado do primeiro turno foi definir a estratégia capaz de garantir a polarização entre as candidaturas e que fosse capaz animar a militância. Desde o início da campanha, construía-se por meio, principalmente da imprensa a tese de que a candidatura Lula seria inevitavelmente derrotada no segundo turno e que, portanto, a eleição deveria ser decidida ainda no primeiro turno. Isto provocou uma certa onda de pessimismo logo depois de anunciado o resultado das urnas.

Mas Lula largou na frente. A campanha foi rápida na articulação de apoios para conter possíveis adesões a Alckmin. Já a campanha do tucano, segundos analistas políticos e partidários da sua própria coligação, como o prefeito do Rio de Janeiro César Maia, não conseguiu manter o mesmo ritmo que tinha imposto na semana anterior.

Lula logo reuniu-se os governadores vitoriosos no primeiro turno. Além dos quatro petistas (Binho Marques, do Acre, Wellington Dias, do Piauí, Marcelo Déda, de Sergipe, e Jaques Wagner, da Bahia), Waldez Góes, reeleito governador do Amapá pelo PDT, Marcelo Miranda, reeleito no Tocantins pelo PMDB, e Cid Gomes, eleito no Ceará pelo PSB, apareceram logo no primeiro momento dando apoio a Lula. Eduardo Braga (PMDB), reeleito no Amazonas, estado onde Lula teve a maior votação proporcional, mandou o vice para representá-lo.

A coordenação da campanha acertou rapidamente algumas composições para o segundo turno. Com o PMDB, em Goiás, no apoio a Maguito Vilela. No Rio de Janeiro o apoio a Sérgio Cabral uniu PT e o Partido Republicano Brasileiro (PRB), do vice-presidente da República, José Alencar, e do candidato derrotado no primeiro turno Marcelo Crivella. Foi firmado acordo no Pará com o PMDB, para apoiar a candidata do PT, Ana Júlia Carepa. Em Pernambuco, o apoio a Eduardo Campos, do PSB, foi imediato. Na Paraíba, a aliança com José Maranhão (PMDB) já vinha do primeiro turno, assim como no Rio Grande do Norte, onde a aliada de Lula é Wilma Farias, do PSB. Até mesmo um telefonema de Lula para Germano Rigotto, governador do Rio Grande do Sul, foi importante para evitar que ele declarasse apoio instantâneo a Alckmin no segundo turno.
Do lado de Alckmin, as coisas não foram bem. Ele não conseguiu impor sua agenda para o segundo turno. Demorou a aglutinar apoios e a primeira adesão pública à sua candidatura foi a do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PMDB).

Este apoio explicitou a divisão do PMDB no Rio de Janeiro, uma vez que o que o peemedebista Sérgio Cabral, candidato ao governo do Rio, declarou apoio à reeleição de Lula.

A adesão de Garotinho à campanha de Alckmin provocou também uma fissura na aliança PSDB-PFL, já que o pefelista Cesar Maia, prefeito do Rio de Janeiro, é adversário do casal Garotinho. Maia, um dos principais articuladores do tucano, ameaçou retirar o apoio a Alckmin, a quem acusou de fazer aliança com o que há de pior na política brasileira. Para o prefeito, esta aproximação comprometia o discurso em defesa da ética na política, até então, propagada pela coligação dos partidos de oposição à campanha Lula.

O fato levou ainda a juíza Denise Frossard, do Partido Popular Socialista (PPS), que disputava o segundo turno ao governo do Rio de Janeiro, a defender o voto nulo no pleito presidencial. Frossard, inicialmente, declarou retirar o apoio a Alckmin.

A reação negativa de seus apoiadores, no Rio de Janeiro, custou ao tucano pelo menos uma semana de campanha para tentar reverter a situação.

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Polarização programática

Outros fatores também colaboraram para deslanchar da candidatura Lula. Além de a votação ter sido superior a do tucano, a campanha do petista contou com a consolidação do apoio a Lula nos setores populares, que constituem a maioria do eleitorado; a rejeição ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do mesmo partido que Alckmin; e o apoio das principais organizações populares do país, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e os movimentos de trabalhadores rurais.

A campanha teria então ainda alguns obstáculos a superar. Constituía-se ainda um importante desafio à campanha o estabelecimento de diálogo com setores da esquerda, particularmente com lideranças do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL), e do Partido Democrático Trabalhista (PDT). O enfrentamento da grande mídia, que fez campanha sistemática contra o PT e Lula no primeiro turno, e a atitude do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também eram motivo de preocupação da coligação “A força do povo”.

Diferentemente do primeiro turno, a coordenação da campanha Lula para enfrentar o segundo turno definiu como estratégia a realização do aprofundamento do debate programático com o confronto de projetos. Tratava-se de fazer a disputa entre o governo democrático e popular e o governo neoliberal representado pelos tucanos e, principalmente, pela era FHC, marcada pelas privatizações e pelo estado mínimo.

Em outras palavras, tratava-se de apresentar a vitória de Alckmin como o retorno de FHC. Significaria a eleição de um candidato vinculado à extrema direita, ligado a Opus Dei. Seria o retrocesso às conquistas dos setores mais empobrecidos da sociedade. Enfim, era a “vida do povo” que estava em questão.

A coordenação da campanha reafirmou o compromisso de que o segundo governo Lula será superior ao primeiro, com a garantia da implementação de uma política econômica centrada no crescimento com distribuição de renda e riqueza.

Em paralelo a essa defesa, a coordenação da campanha tratou de tentar desconstruir o governo de Alckmin e do PSDB no estado de São Paulo, durante os 12 anos em que o tucanato esteve à frente da administração paulista. Foram divulgados à exaustão o engavetamento de 69 Comissões Parlamentares de Inquéritos, barradas na Assembléia Legislativa de São Paulo pelo partidos aliados do governo; os elevados custos dos pedágios nas estradas paulistas; o crescimento do crime organizado no estado e as privatizações.

Esta última questão, a privatização, foi seguramente a pauta do segundo turno. O candidato tucano passou mais de 20 dias da campanha tentando provar que não privatizaria nenhuma estatal caso fosse eleito.

A questão da privatização foi motivo de contraposição de Lula e Alckmin durante todo o segundo turno. Pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), divulgada em 26 de outubro pelo jornal Valor Econômico, apontou que 70% do eleitorado era contra a privatização das grandes empresas públicas. Outros 18% eram favoráveis à venda das empresas estatais. Os pesquisados deram sua opinião sobre a privatização de três empresas estatais: o Banco do Brasil, a Petrobras e a Caixa Econômica Federal. Entre os eleitores que foram ouvidos, 49% ligam Alckmin com o tema da venda das estatais, enquanto 27% acreditam que haja ligação entre Lula e a privatização.

Alckmin presidiu em são Paulo o Programa Estadual de Desestização (PED) entre 1996 e 2000. O PED coordenou a venda da Eletropaulo e da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) em 1997; a transferência da Ferrovia Paulista SA (Fepasa) e do Banco Banespa à União em 1997 e a venda da companhia de Gás de São Paulo, a Comgás, em 1999.
A pesquisa do Ipespe apontou ainda que 45% dos entrevistados avaliaram como ruins as privatizações realizadas durante as gestões passadas, incluindo a de Fernando Henrique Cardoso. Somente 33% aprovavam a venda das estatais.

A agenda das privatizações imposta à candidatura Alckmin levou até mesmo os seus marqueteiros a submetê-lo à situação, no mínimo constrangedora. O candidato tucano posou para fotos com um casaco com os logotipos das três empresas: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras.

Os programas sociais do governo Lula também concorreram para a dor de cabeça de Alckmin que, assim como as privatizações, cedeu à agenda da campanha Lula e teve que admitir que não acabaria com os programas sociais petistas, principalmente com o programa Bolsa Família.

Segundo um estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, elaborado com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad), do IBGE, o programa Bolsa Família foi um dos fatores da queda de 19,2% da pobreza nos três anos do governo Lula. Trata-se da maior queda já registrada desde que esse tipo de levantamento começou a ser feito, em 1992.

A queda expressiva, segundo a pesquisa coordenada por Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, deveu-se também ao crescimento do emprego e da renda, ao aumento de gastos previdenciários e aos reajustes do salário mínimo.

A pobreza nas cidades brasileiras, que tinha aumentado 41% entre 1996 e 2002, foi reduzida em 23,7%. Já na área rural, a pobreza caiu 12,6%. Segundo Néri, “ao contrário dos anos anteriores, a redução da pobreza nas grandes cidades foi a principal ‘locomotiva’ da retomada dos indicadores sociais”.

Outro fator que contribuiu com o sucesso no segundo turno foi a presença de Lula nos debates promovidos pelas emissoras de televisão. Depois de um mea culpa por não ter comparecido aos debates no primeiro turno, o candidato petista foi a todos no segundo.

No primeiro turno Lula foi pressionado, principalmente, pela mídia para dar respostas a suposta compra de um dossiê contra as candidaturas tucanas. O episódio, que ainda está sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, foi explorado pela campanha de Alckmin, com o apoio articulado de grande parte dos meios de comunicação.

No dia 15 de setembro, a Polícia Federal prendeu, em um hotel na capital de São Paulo, Valdebran Padilha e Gedimar Passos. Padilha era filiado ao PT, desde 2004. Gedimar é um policial federal aposentado. Quando foram presos, tinham consigo cerca de R$ 1,7 milhão, valor que estaria sendo pago a Luiz Antônio Vedoin, em troca de um “dossiê” que hipoteticamente continha documentos que comprometiam a gestão de José Serra e de Barjas Negri, ministros da Saúde durante o governo FHC.

A mídia ocultou o conteúdo do dossiê e concentrou-se em acusar, tanto o PT quanto o governo Lula, de utilizarem métodos condenáveis de campanha, bem como de lançar mão de recursos financeiros de origem ilícita.

A campanha orquestrada entre a mídia e a oposição apoiava-se em alguns fatos, extremamente graves: Gedimar Passos era funcionário da campanha Lula, subordinado a Jorge Lorenzetti, coordenador do departamento de “análise de risco”, que por sua vez respondia a Ricardo Berzoini, presidente nacional do PT e coordenador-geral da campanha presidencial.

Gedimar Passos citou, em seu depoimento à Polícia Federal, o nome de Freud Godoy, assessor do presidente da República, como envolvido no episódio. O sistema de segurança do hotel onde a Policia Federal realizou as prisões, registrou a presença no local de Hamilton Lacerda, coordenador de comunicação da campanha de Aloizio Mercadante ao governo do estado de São Paulo.

Outros envolvidos no caso foram Osvaldo Bargas, ex-integrante do Ministério do Trabalho e ex-dirigente da CUT; e Expedito Veloso, diretor do Banco do Brasil.

Passado o primeiro turno, no dia 6 de outubro, a comissão executiva nacional do PT aprovou uma resolução sobre o episódio (ver íntegra no portal do PT), que diz entre outras coisas o seguinte:

“Os filiados envolvidos nessa negociação não consultaram a direção do PT, não consultaram a coordenação de campanha e não consultaram os candidatos do Partido. Portanto, desrespeitaram as normas básicas de convivência num partido democrático.

A Executiva Nacional do PT repudia a atitude destes filiados, considera um equívoco substituir a disputa de projetos por este tipo de prática, condena a promiscuidade com um grupo de criminosos, bem como o total desrespeito à democracia partidária.

Os filiados que assim agiram colocaram-se, na prática, fora do Partido. E, por decisão da Executiva Nacional, estão politicamente expulsos do PT.”

Além da expulsão dos envolvidos, Ricardo Berzoini, pediu licença da presidência nacional do PT, “pelo prazo necessário para o completo esclarecimento dos fatos que envolveram filiados ao partido com uma suposta compra de dossiê”. (Ver íntegra da nota de Berzoini)

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O “não à direita”

A recomposição da base eleitoral histórica de Lula, porém, talvez seja, de acordo com analistas políticos, a explicação que mais ajude a explicar o impacto eleitoral da vantagem do presidente detectada nas últimas pesquisas. A campanha conseguiu propagar a defesa do voto antitucano, por tudo o que poderia significar a sua eleição, inclusive do ponto de vista das relações com os países da América Latina, e a volta da subordinação aos interesses dos Estados Unidos.

Dois dias após a votação, a executiva do PSOL considerou idênticos os dois candidatos mais votados. E “deliberou por não indicar o voto nem em Lula e nem em Alckmin”. De maneira exótica, decretou a imposição: “Nossa resolução tem caráter proibitivo. Nossos filiados publicamente não podem (se manifestar sobre o segundo turno)”. E, para finalizar a obra, a executiva igualou mais uma vez o PT ao PSDB: “o PSOL tem definição: não indicar o voto em nenhum dos dois candidatos. Portanto nem PT nem PSDB precisam nos procurar porque já temos uma posição política”.

Apesar desta resolução vários setores do PSOL e até mesmo alguns de seus mais de seus dirigentes declararam publicamente suas posições em relação ao segundo turno, travando disputas internas no partido.

O candidato do PSOL ao governo do estado de São Paulo, Plínio de Arruda Sampaio, recomendou: “nós, os socialistas, queiramos ou não, participaremos dessa batalha, pois, em política, a omissão não quer dizer neutralidade. Qual deve ser nosso objetivo neste segundo embate? O segundo turno é o curtíssimo prazo. Outras batalhas virão e, para enfrentá-las em condições melhores, precisamos aprofundar o diálogo com as organizações populares combativas”.

Setores do PSOL, como a corrente Ação Popular Socialista, integrada pelo deputado Ivan Valente, de São Paulo, declararam: “Nenhum voto em Alckmin. Continuar na resistência ao neoliberalismo, seja qual for o novo governo ”. A APS considera que “na prática, não há nenhum sinal de que algum militante do PSOL possa vir a votar em Alckmin”. Refletindo nuances internas, a APS conclui que “há a possibilidade tanto para o voto nulo quanto para o voto crítico em Lula, mas nenhum voto em Alckmin”.

O sociólogo Chico de Oliveira, ex-filiado do PT e atualmente filiado ao PSOL, declarou à imprensa que a “campanha pelo voto nulo é um equívoco”. Para ele, um futuro governo Alckmin representaria um aprofundamento das privatizações de FHC. No caso de Lula, “apesar de não esperar alterações na política econômica, há espaço para mudanças”.

O PSTU declarou voto nulo e afirmou que este tipo de voto “não indica somente a falta de alternativas eleitorais para os trabalhadores neste segundo turno”, mas “uma grande soma de votos nulos enfraqueceria as duas candidaturas e o futuro governo eleito”.

O Partido Comunista Brasileiro (PCB), em nota, recomendou “o voto crítico em Lula, de forma unilateral, independente, sem engajamento na campanha”.

O PDT, partido do candidato Cristovam Buarque, decidiu se manter independente e não apoiar nenhuma candidatura no segundo turno das eleições presidenciais. O Diretório Nacional do partido, no entanto, liberou seus integrantes “para votar de acordo com a sua consciência”. Na reunião do PDT, Cristovam defendeu o apoio à candidatura Alckmin. Dias depois, mesmo com a recomendação de seu partido para não revelar o voto, o senador “disse ontem que tem medo de um segundo mandato do presidente Lula”.

Várias lideranças do PDT defenderam publicamente o apoio a Lula. O ex-deputado Vivaldo Barbosa, do Diretório Nacional do PDT, declarou o voto pela reeleição do petista. A vice-presidente nacional de honra do partido, a cantora Beth Carvalho, disse que iria se desfiliar da sigla por discordar da direção.

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Os intelectuais e a campanha Lula

A disputa no segundo turno entre o PT e o PSDB resultou em uma manifestação de declaração e posicionamentos na sociedades em geral, mas particularmente no meio acadêmico e da intelectualidade, que foram conclamados a se posicionarem frente aos dois projetos. Quase totalidade das manifestações advindas das universidades foi de apoio a Lula ou, no mínimo, de repúdio ao candidato tucano.

Segundo a agência Carta Maior, um dos primeiros manifestos em favor de Lula a circular no meio acadêmico nasceu no Instituto de Biofísica da UFRJ e traz a declaração de apoio de diversas pessoas que votaram em Cristovam Buarque (PDT) ou Heloísa Helena (PSOL) no primeiro turno, além de outros que vão repetir o voto no PT. Elaborado inicialmente pelo professor Adalberto Vieyra, que é diretor do Instituto e um intelectual historicamente ligado a Leonel Brizola e ao PDT, o manifesto reúne assinaturas de “professores universitários, pesquisadores, técnicos e profissionais de diversas áreas das ciências naturais e sociais, das ciências aplicadas e matemáticas, da tecnologia, da filosofia, das letras e artes, que nos identificamos com as idéias de mudanças forjadas na resistência à ditadura e na construção da democracia no país”.

O manifesto repudiava a volta do projeto político do PSDB ao poder: “Neste momento em que se disputa o 2º turno, que confronta a posição reformista moderada representada pela reeleição de Lula com o neoliberalismo explícito do candidato de oposição, nos sentimos no dever, como intelectuais e membros da comunidade acadêmica, científica e tecnológica, de declarar publicamente nosso apoio à reeleição de Lula”, diz o documento. Os intelectuais da UFRJ apontam como fator positivo do governo Lula o aumento do diálogo com os movimentos sociais _ “ampliou-se o espaço, mas é preciso ir adiante!” _ e afirmam que “a política externa deve ser mantida em suas linhas gerais”.

O manifesto, além do apoio, também sugeria algumas mudanças de rumo para o segundo mandato de Lula, como redução da taxa de juros, aumento dos investimentos em infra-estrutura e mudanças no Bolsa-Família: “Foi fundamental este governo sustar as privatizações, que foram eivadas de corrupção. Esperamos também que o novo governo estabeleça padrões mais rígidos e transparentes para o controle da administração pública, de modo a evitar desvios éticos envolvendo membros do governo com partidos e membros do Congresso”, termina o manifesto, que conta com as assinaturas de Luiz Pinguelli Rosa, da COPPE, e de Eliane Brígida Falcão, do Centro de Ciências da Saúde, entre outras.

Outro documento originado na Universidade de São Paulo, intitulado “Dizemos não a Geraldo Alckmin!”, conseguiu reunir, segundo seus organizadores, intelectuais simpatizantes do PSTU, do PSOL, do PT, do PCB, do PCdoB e do PDT, de universidades como a UNB, Unicamp, Unesp, UFMG, UFPB, UFPR, UFSCar, UFF e PUC-SP, dentre outras. O documento declarara que “Geraldo Alckmin no poder será o coroamento de um retrocesso direitista que ficou claro em seu discurso eleitoral, todo ele baseado em bravatas contra impostos e ‘gastança’ pública, promessas de redução do Estado, de reformismo infinito da previdência e laivos de indignação contra a corrupção (cujo duto iniciou-se em seu próprio partido). Com essas propostas ele nada mais fará do que um candidato de direita faria em qualquer parte do mundo”, diz o documento, que traz as assinaturas dos professores Marilena Chauí, Paul Singer, Maria Victoria Benevides, Venício Lima e Wolfgang Leo Maar, entre outros.

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O PT nos estados

As eleições deram um novo contorno político ao mapa nacional. O PT, ao contrário do cenário previsto pelos analistas políticos, subiu de três para cinco governadores: Acre, Bahia, Pará, Piauí e Sergipe.

O PT surpreendeu no primeiro turno com a eleição do ex-ministro Jaques Wagner ao governo da Bahia. O partido, ao derrotar o candidato do PFL, o governador Paulo Souto, rompeu um domínio de 16 anos do “carlismo” (designação à oligarquia estabelecida pelo senador Antônio Carlos Magalhães) no governo estadual.

No segundo turno, o maior colégio eleitoral da região Norte elegeu a petista Ana Júlia Carepa, que deixa seu mandato como senadora do Estado e põe fim à hegemonia do PSDB, que há 12 anos governa o Pará. A petista derrotou o candidato da situação, o tucano Almir Gabriel, apoiado pelo atual governador Simão Jatene (PSDB).

Entre os partidos aliados, o PMDB ficou com sete governadores e o PSB três.

No caso do PSB, as vitórias tiveram sabor diferente. O partido conseguiu superar a cláusula de barreira, com a eleição de mais de 5% dos deputados federais. No primeiro turno elegeu o governador do Ceará, Cid Gomes, impondo uma derrota ao presidente do PSDB, Tasso Jereisati. No segundo turno derrotou o PFL em Pernambuco, com Eduardo Campos; e elegeu a governadora do Rio Grande do Norte, Wilma Faria, depois de uma dura disputa com as oligarquias locais.

Lula inicia o segundo mandato com um amplo apoio nos estados. Das 27 unidades da federação, 16 terão governadores eleitos com o apoio, no primeiro e/ou no segundo turno, de Lula.

Principais partidos da oposição, o PSDB elegeu seis governadores e o PFL conseguiu apenas o Distrito Federal.

O PFL foi o maior derrotado nas eleições estaduais. Herdeiro político da ditadura militar, foi reduzido agora a um único governo. Segundo Leandro Fortes, da revista Carta Capital, “as derrotas de Paulo Souto, na Bahia, e Roseana Sarney, no Maranhão, não servirão apenas para abalar as vigas do PFL no cenário político nacional. Nos dois casos, as duas mais poderosas, arcaicas e violentas oligarquias políticas do país foram destronadas pelo voto”.

Os senadores Antonio Carlos Magalhães e José Sarney não conseguiram reeleger os apadrinhados políticos apesar de dominarem praticamente todos os meios de comunicação dos dois estados.

No maranhão, a derrota de Roseana Saney, filha do ex-presidente da República, José Sarney, põe fim a 40 anos da família Sarney no poder. Sua candidatura também expôs a contradição existente no PT em torno das alianças. As relações de Lula com o PMDB nacional de Sarney o levou a declarar publicamente apoio à candidatura da pefelista. O PT no estado, no entanto, apoiou o candidato do PDT, Jackson Lago.

No caso dos tucanos, perderam no importante estado da região Norte, o Pará, mas conseguiram manter os dois maiores colégios eleitorais do país: São Paulo, com José Serra, e Minas Gerais, com Aécio Neves. O PSDB venceu, com Yeda Crucius, no estado do Rio Grande do Sul, em uma disputa acirrada com o PT. O PSDB vai governar também a Paraíba, Alagoas e Roraima.

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O papel da imprensa e o “golpe das elites”

Os grandes derrotados nesta eleição foram sem dúvida a elite conservadora deste país e seu principal instrumento de dominação: a mídia.

O excelente artigo do jornalista Altamiro Borges, Mídia é condenada nas urnas: e agora?, lembra que na festa da vitória, na noite de domingo, uma faixa enorme tomava toda a pista da avenida Paulista, em São Paulo: “O povo venceu a mídia”. Para Altamiro Borges, ela expressou bem o sentimento de milhões de brasileiros “diante da deprimente e abjeta cobertura da imprensa nesta batalha política”.

Segundo o jornalista, alguns ativistas ainda aproveitaram para gritar “o povo não é bobo, fora Rede Globo”, relembrando o coro que ficou famoso durante a campanha das “diretas-já”. No palanque, um dos oradores aproveitou para desabafar: “Quero mandar um recado para revista Veja: vocês perderam as eleições”. Em pequenas rodinhas, outros cantarolavam: “Ou, ou, ou, a Veja se ferrou”.

De fato, diz o jornalista, “entre outros derrotados no segundo turno, a mídia hegemônica foi uma das mais chamuscadas e ficou bastante desacreditada e desmoralizada. Com raras exceções, jornalões, revistas, rádios e emissoras de televisão tomaram partido na eleição. De maneira escandalosa, como a revista Veja e os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, ou de maneira mais ardilosa, como a TV Globo, o grosso dos veículos de comunicação ocupou seus espaços para linchar o governo Lula e para apresentar de forma positiva ou “neutra” o candidato da oposição neoliberal, Geraldo Alckmin. Na prática, portaram-se como partidos da direita, procurando “pautar a política” e interferir descaradamente no resultado da sucessão presidencial”.

Uma das principais razões da vitória do PT nestas eleições presidenciais foi a percepção da sociedade dos dois projetos que estavam em disputa e não se deixaram confundir pelos meios de comunicação.

Mas apenas pequena parcela do eleitorado do que votou em Lula está organizada, em partidos e movimentos sociais. Por isto, um de maiores desafios a partir da vitória de 29 de outubro é ampliar (e qualificar) a influência dos sindicatos, das entidades estudantis, dos movimentos urbanos e de trabalhadores rurais, das organizações de mulheres e negros, bem como de todas as demais formas de organização popular. Pelo mesmo motivo, os partidos de esquerda têm que estar mais presentes na vida cotidiana do país. Por isso, a necessidade da criação de canais de comunicação diretos com a sociedade.

Um dos méritos que a eleição teve foi o de trazer para o centro das discussões a necessidade da democratização dos meios de comunicação e da consolidação de uma imprensa democrática como a Carta Capital, Caros Amigos, Brasil de Fato, Correio da Cidadania, Carta Maior, entre outros.

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Composição da nova Câmara Federal

Embora a eleição para a presidência da República tenha tido um caráter popular, com a eleição de Lula, primeiros levantamentos sobre a composição da nova Câmara dos Deputados mostram uma mudança no perfil socioeconômico para a futura legislatura. E, apesar de renovada em torno de 48%, não sofreu grande mudança do ponto de vista partidário em relação às bancadas atuais, assim como não houve alteração substancial da correlação de forças tendo por parâmetro a atual legislatura.

Tendo por referência a eleição de 2002, um dos principais perdedores desta eleição foi o PFL, que elegeu 19 deputados a menos, caindo de 84 para 65 deputados.

Quase todas as grandes e médias bancadas tiveram diminuição no número de parlamentares. O PSDB, que tinha nesta legislatura 71 deputados, terá em 2007 somente 66; o Partido Progressista (PP) ficou menor em 12 cadeiras, caindo de 53 para 41 deputados; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) diminuiu sua bancada de 26 para 22 deputados; o Partido Liberal (PL) reduziu sua bancada de 26 para 23 parlamentares; o Prona perdeu quatro vagas, caindo seis para dois.

O PT, apesar de ter diminuído de 91 para 83 deputados, ainda será a segunda maior bancada na Câmara. Muito próximo à maior bancada, que é do PMDB, com 89 parlamentares.

Quanto ao perfil socioeconômico, levantamento realizado pelo jornal Folha de S.Paulo indicou que a nova Câmara dos Deputados será composta por um terço de milionários. O estudo mostra que, dos 513 parlamentares que assumem o cargo em 2007, 165 declararam ter patrimônio superior a R$ 1 milhão. Destes deputados, 74 são novatos e 91 estão na atual legislatura.

Outro levantamento, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), aponta que 265 parlamentares da futura legislatura são profissionais liberais. A segunda maior representação na Câmara é formada pelos empresários, no total de 121, distribuídos do seguinte modo: 97 urbanos, sendo 83 empresários, 11 comerciantes e três industriais, mais 24 produtores rurais, sendo nove empresários, oito pecuaristas, seis agropecuaristas e um cacauicultor.

O terceiro grupo profissional é constituído dos assalariados urbanos, incluindo os trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público, que somam 87 deputados. O quarto grupo é constituído por operários urbanos e rurais, no total de 19. O quinto e último grupo é de natureza diversa.

Para analistas políticos, a conformação ideológica da nova Câmara, a julgar pela formação e fonte de renda, tende a ser menos social-democrata e mais liberal, o que pode aumentar a pressão por reformas liberalizantes. A redução da bancada de trabalhadores e o aumento das bancadas de empresários e profissionais liberais, por exemplo, abrem espaço para novas tentativas de propostas em bases neoliberais, como a flexibilização da legislação trabalhista, entre outras.

Confira a seguir composição partidária e ideológica da Câmara dos Deputados:

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Composição partidária e ideológica da Câmara
Os números da bancada eleita em 2006, da atual e da eleita em 2002

Partido/ideologia Bancada eleita em 2002 Bancada atual Bancada eleita em 2006
PT/esquerda 91 81 83
PMDB/centro-direita 88 79 89
PFL/direita 84 65 65
PSDB/centro-direita 71 57 66
PP/direita 53 50 41
PSB/esquerda 22 27 27
PDT/centro-esquerda 21 20 24
PL/centro-direita 26 37 23
PTB/centro-direita 26 43 22
PPS/centro-direita 15 15 22
PCdoB/esquerda 12 12 13
PV/centro-direita 5 7 13
PSC/centro-direita 1 7 9
PTC/centro-direita 1 3
Psol /esquerda 7 3
PMN/centro 1 2
PHS/centro-direita 2
Prona/direita 6 2 2
PAN/centro-direita 1
PRB/centro-direita 1
PTdoB/direita 1

Com informações do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar