É hora do sacrifício?, por Angélica Fernandes e Julian Rodrigues
O senador Aloizio Mercadante defendeu, nesta sexta-feira, 10, na tribuna da câmara alta, mudanças na política econômica no segundo governo Lula. As idéias que ele apresentou hoje já tinham sido publicadas no caderno de economia do Estadão na última quarta-feira, 8 de novembro.
Em resumo, Mercadante inova, numa canetada, a teoria econômica e elabora outra “vertente” na macro-economia nacional: o “novo desenvolvimentismo” – que deveria nortear o segundo governo Lula.
Na reportagem do Estadão – cuja manchete (sintomaticamente) é: “É hora do sacrifício”, diz Mercadante – o senador define assim o “novo desenvolvimentismo”: “precisamos de uma verdadeira cruzada fiscal para aumentar o investimento do setor público”. Ou, “o governo precisa abandonar o romantismo econômico”. Mais ainda: “a reforma da Previdência, que parte do governo considera desnecessária é parte central do novo desenvolvimentismo”.
Em resumo, Mercadante considera necessária uma maior ousadia na política de corte de gastos correntes (custeio da máquina, pessoal, Previdência, gastos sociais). Para o ex-candidato a governador, a redução dos juros como ponto principal da política econômica, é o “velho desenvolvimentismo”.
Mercadante faz questão de dizer que é contra o continuísmo da política econômica, mas, diferentemente da maioria dos petistas, Mercadante defende um giro ortodoxo. Um aperto ainda maior na política econômica, com corte de gastos e nova reforma da Previdência. A velha visão fiscalista e ultra-liberal, para o deleite do mercado financeiro. É mais um a juntar-se à gritaria da grande mídia.
Nada de novo no front. Essa era a pauta de Palocci antes de sair do Ministério da Fazenda. O ajuste fiscal profundo e permanente foi proposta do Ministro Paulo Bernardo, em estudo realizado no final do ano passado, e classificado pela Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, como “rudimentar”.
O debate é o de sempre. Os liberais acham que é preciso cortar gastos públicos para aumentar os recursos destinados ao investimento. Quando, na verdade, o aumento dos gastos e dos investimentos públicos é um componente fundamental na geração de um ciclo virtuoso de crescimento. O “novo desenvolvimentismo” não é nada mais do que o velho liberalismo.
A rigor, o que o senador Aloizio Mercadante defende é, com outro nome, o mesmo choque de gestão proposto por Geraldo Alckmin na campanha – e derrotado nas urnas por 61% dos eleitores. Mercadante chega ao requinte de tentar desenhar a forma como o choque de gestão seria realizado, convocando o IPEA para se transformar num centro de avaliação e acompanhamento das despesas públicas. Nem Geraldo avançou tanto o sinal.
O que ninguém diz é quais os verdadeiros gastos públicos que precisam diminuir. Estamos nos referindo aos gastos financeiros – totalmente ignorados no debate na mídia e também pelo senador Mercadante. Afinal, um mero alívio nos mais de 100 bilhões de reais que o governo destinará em 2006 para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, já permitiria liberar enorme quantidade de recursos para os investimentos em infra-estrutura, habitação e saneamento.
Por isso, a melhor maneira de cortar esse gasto público estéril (e não o salário dos servidores, a Previdência ou o Bolsa-Família) é diminuir forte e aceleradamente as taxas de juros. Não há nenhuma razão técnica – ou confessável – para que o Brasil continue praticando taxas básicas de juros reais tão altas. Há um enorme espaço para diminuir a taxa Selic, imediatamente.
É impressionante a tentativa de impor uma agenda política e econômica derrotada nas urnas. A política econômica ortodoxa foi um dos pontos fracos do primeiro governo – impediu o Brasil de crescer a taxas maiores. Um componente fundamental da vitória de Lula foi justamente a política social (principalmente o aumento do salário-mínimo e o Bolsa-Família). Não foram os juros altos ou o aperto fiscal do início do mandato que nos levaram à vitória.
58 milhões de brasileiros votaram contra as privatizações, contra o choque de gestão, contra a diminuição do Estado. Votaram por mais políticas sociais, mais emprego, mais salário, mais educação e mais saúde.
O senador Mercadante está na contra-mão do que pensam não só os petistas e os movimentos sociais, mas também a grande maioria que elegeu Lula com uma plataforma de crescimento e distribuição de renda. Ninguém votou por uma nova reforma da Previdência que retire direitos dos trabalhadores.
O principal exemplo dessa nova etapa é a III Marcha Nacional do Salário Mínimo – em defesa do aumento do mínimo para R$ 420 – organizada pela CUT e outras centrais sindicais, na qual os dirigentes defendem a valorização permanente do salário mínimo como política de Estado.
O companheiro Aloizio contribuiria muito mais neste momento somando-se ao esforço do PT de São Paulo na realização do balanço de nosso desempenho eleitoral, que aponte, inclusive, perspectivas para uma agenda política de oposição ao governo Serra – que, ao que tudo indica, dará continuidade às políticas de desmonte implementadas nos últimos doze anos pelo PSDB.
*Angélica Fernandes é jornalista e secretária estadual de formação do PT-SP
*Julian Rodrigues é especialista em economia do trabalho pela Unicamp e membro do Diretório Regional do PT-SP.