A eleição de 2006 é cheia de ensinamentos. Temos motivos para comemorar a votação recebida por Lula, apesar do brutal bombardeio adversário. Festejamos nossa vitória, já no primeiro turno, nos Estados do Acre, Ceará, Piauí e Sergipe. Vibramos com nossa ida ao segundo turno no Rio Grande do Sul e no Pará, bem como com o resultado maravilhoso obtido na Bahia, onde iniciamos o desmonte de décadas de hegemonia carlista.

Temos também muitos resultados problemáticos, que devem ser analisados com calma, com destaque para o nosso desempenho no Sudeste (São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Espírito Santo), além do caso de Santa Catarina. Isto para não falar de fatos lamentáveis, como a eleição de Collor para a vaga de Heloísa Helena no senado; e de Paulo Maluf, Clodovil e Enéas, entre os deputados federais mais votados em São Paulo.

Entretanto, o balanço detalhado desta e de outras questões deve ficar para novembro. A tarefa da hora é vencer o segundo turno da eleição presidencial e as disputas para governador, nos Estados em que chegamos lá.

O Partido dos Trabalhadores e a campanha Lula não podem perder um segundo sequer.

O segundo turno presidencial

Desde o início da campanha, a coordenação nacional alertou que trabalhava com o cenário de dois turnos.

Afinal, só houve vitória em primeiro turno nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, exatamente quando o candidato vencedor tinha o apoio da maior parte da mídia e do empresariado. Como nossa candidatura não era a preferida, nem da mídia nem do grande capital, a conclusão lógica era que o segundo turno constituía o cenário mais provável, embora fosse possível uma vitória no primeiro turno.

Entretanto, a seqüência de pesquisas indicando uma crescente possibilidade de vitória no primeiro turno inverteu os sinais. Grande parte da campanha, da militância, do eleitorado e da própria mídia passou a acreditar na vitória de Lula já no primeiro turno, como se este fosse o cenário mais provável, transformando o segundo turno em cenário apenas possível.

Na reta final do primeiro turno, houve uma alteração no resultado das pesquisas, em favor do segundo turno. Ou seja, na reta final as pesquisas coincidiram com a análise política que fazíamos no início da campanha.

Em parte, isto está ligado à atitude dos grandes meios de comunicação, que na reta final atuaram de maneira articulada em favor do segundo turno. Poucas vezes, nos últimos anos, se viu tamanha histeria contra um partido e contra uma candidatura.

O choque entre a expectativa de vitória no primeiro turno e o resultado das urnas gerou, em setores do nosso eleitorado e da militância, um comportamento pessimista. Paradoxal, mas previsível, os mesmos que contavam como certa nossa vitória no primeiro turno tendem agora a encarar como extremamente difícil nossa vitória no segundo turno.

Superar este “viés pessimista” constitui, portanto, nossa tarefa preliminar. É preciso convencer as pessoas, com palavras e com gestos, que nossa vitória no segundo turno é não apenas possível, como inclusive a mais provável. Desde que, é claro, trabalhemos com afinco por ela.

Trata-se de uma eleição difícil, como fica claro quando confrontamos nossos pontos fortes e fracos.

Vejamos primeiro os pontos fortes: a) passamos ao segundo turno com maioria dos votos; b) a grande consolidação do apoio a Lula nos setores populares, que constituem a maioria do eleitorado; c) o repúdio popular ao que significou o governo FHC e ao que significaria um governo Alckmin, inclusive entre o eleitorado que não votou em nós; d) o apoio que temos nas principais organizações populares do país, como a CUT, a UNE e os movimentos de trabalhadores rurais.

Vejamos os pontos fracos: a) o já citado “viés pessimista” e o cansaço de nossa militância, após meses de campanha; b) o natural entusiasmo que tomou conta do comando e da tropa adversárias; c) a possível mudança de postura por parte de lideranças regionais, que durante o primeiro turno nos apoiaram, ficaram neutros ou apoiaram fracamente a candidatura Alckmin; d) a postura do grande capital e da maior parte da mídia, que faz campanha sistemática contra nosso partido e nosso governo; e) a atitude do presidente do TSE; f) o alto grau de polarização social vis a vis o baixo grau de polarização política da campanha.

Para potencializar os fatores positivos e enfrentar os negativos, precisamos recompor imediatamente a direção do Partido e da campanha, iniciando já a mobilização de segundo turno.

Lula passa para o segundo turno, em primeiro lugar. Para vencer, precisamos manter nosso eleitorado de primeiro turno, atrair eleitores das candidaturas adversárias (especialmente Heloísa Helena e Cristóvam Buarque) e atrair aqueles que votaram branco, nulo ou se abstiveram.

Para atingir estes objetivos, precisaremos combinar a polarização social que em grande parte explica nosso primeiro lugar, com a polarização política que pode não apenas atrair outros setores para votar em nossa candidatura, mas também estimular a militância em nosso favor.

A nós interessa o debate programático, o debate ideológico, o debate político, o confronto de projetos. Isto significa desmascarar a tentativa, tão freqüente na imprensa, de apresentar os programas de Lula e de Alckmin como “variações em torno do mesmo tema”.

Temos que fazer do segundo turno uma disputa entre projetos políticos, entre o futuro e o passado, entre o campo democrático popular versus o neoliberalismo.

A vitória de Alckmin seria o retorno de FHC: isto deve ser repetido à exaustão. A lembrança deste fato pode ganhar, para a candidatura Lula, o apoio de muitos setores que não votaram em nós no primeiro turno. Além disso, é preciso reafirmar que o segundo governo Lula será superior ao primeiro, insistindo na idéia de uma política econômica centrada no crescimento com distribuição de renda e riqueza.

Mas é preciso, também, falar de Alckmin. Não apenas de seus vínculos com a extrema-direita fundamentalista, a começar da Opus Dei; mas também do que foi o seu governo em São Paulo, dos pedágios às privatizações, passando pelo crime organizado.

É preciso buscar o apoio do eleitorado democrático e progressista, parte do qual não se engajou na campanha e em vários casos nem mesmo votou em Lula, por um certo cansaço e decepção com os erros cometidos. Um argumento importante é o papel que o governo Lula joga no contexto latino-americano e mundial. Outro argumento é a onda reacionária que se abaterá sobre o país, em caso de vitória da direita.

Cabe enfrentar de maneira ainda mais ofensiva o debate sobre a corrupção. Tanto o governo Alckmin, quanto o governo FHC, estão cheios de exemplos negativos. Nós não temos nada a dever ou a temer numa comparação aberta neste terreno. Mas está claro que precisamos emitir fortíssimos sinais de que o Partido não tem, nem terá, nenhuma complacência com os filiados que se envolveram e/ou vierem a se envolver futuramente em casos de corrupção ou que tais.

É preciso ter claro que haverá pouco ou nenhum espaço, no segundo turno, para terceiras vias. Serra e Aécio, por exemplo, devem se engajar pesadamente em favor da candidatura de Alckmin. Neste sentido, não devemos ter ilusão alguma em que seja possível, adequado ou necessário lançar pontes em direção ao lado de lá. A rigor, estas pontes só serviriam para que o lado de lá nos atacasse com mais força, além de confundir nosso eleitorado.

A mensagem politizada deve ser acompanhada por sinais muito claros, de humildade e de reconhecimento de erros. Nossa ida para o segundo turno indica que uma parcela de nosso eleitorado potencial desaprovou ações cometidas por nós, no governo, na campanha e no partido.

É preciso deixar claro que o PT não vai acobertar quem cometeu erros. Com gestos concretos, devemos sinalizar mudanças no Partido, imediatamente, nos dando condições melhores para pedir um novo voto de confiança ao eleitorado.

Entre os erros que cometemos, há dois mais recentes: o episódio do dossiê e a decisão de não comparecimento ao debate final entre os presidenciáveis.

No que toca ao primeiro, é preciso reafirmar publicamente que foi praticado por um grupo de indivíduos, explicitamente contra a orientação do PT, em prejuízo do partido e da campanha. Dar conseqüência a essa afirmação exige a recomposição imediata da direção partidária e da coordenação de campanha, com afastamento de todos os que se envolveram no episódio do dossiê e seu julgamento pela comissão de ética do partido.

No que toca ao segundo, precisamos reconhecer que parte significativa do eleitorado e da militância tinha a expectativa de que Lula participasse dos debates, em especial do último. No segundo turno, Lula deve comparecer a todos os debates.

O clima de engajamento geral deve se estender a todas as organizações políticas e sociais comprometidas com nossa candidatura. Há uma batalha em curso, entre as forças populares e as classes dominantes. Todos os militantes políticos e sociais da esquerda devem se engajar nesta batalha, para derrotar a direita, sob pena de um enorme retrocesso.

Os próximos dias devem ser dedicados à recomposição da coordenação nacional de campanha e da direção partidária, bem como das coordenações estaduais de campanha; à realização de grandes plenárias, em todos os estados; e à retomada da campanha, seja com atividades de rua, seja com atividades voltadas à militância, como o lançamento dos programas setoriais de governo.

Outra tarefa para os próximos dias é a definição da tática no segundo turno dos Estados.

Nos Estados onde a disputa foi encerrada já no primeiro turno, um de nossos desafios é manter funcionando as estruturas de campanha, que agora devem ser direcionadas para o segundo turno da eleição presidencial.

Em vários Estados, candidatos petistas ou que apoiaram Lula irão ao segundo turno. É o caso do Rio Grande do Sul, Paraná, Pará e Pernambuco. Nestes casos, devemos constituir comandos unificados de campanha.

Nos Estados em que os candidatos que disputarão o segundo turno não nos apoiaram, é preciso decidir – em comum acordo com as direções estaduais dos partidos da coligação – qual a melhor tática. É fundamental evitar decisões unilaterais, que afastam a militância.

A recomposição da direção

É preciso reorganizar imediatamente a coordenação de campanha e também a direção nacional do PT.

A atual direção nacional foi eleita no primeiro turno do PED, em 2005. Ricardo Berzoini foi eleito presidente no segundo turno do PED. E foi indicado para coordenar a campanha Lula, em abril de 2006, pelo encontro nacional do PT.

A direção funcionou relativamente bem, num clima distinto da direção anterior, até o momento em que as pesquisas começaram a indicar a vitória de Lula no primeiro turno. Desse momento em diante, alguns problemas foram se tornando cada vez mais evidentes, entre elas a baixa capacidade de elaboração política e a ausência de funcionamento coletivo, tanto da direção partidária quanto da coordenação de campanha. O episódio do dossiê é, ao menos em parte, conseqüência deste ambiente organizacional e político.

Para vencer o segundo turno, precisaremos de uma direção à altura da tarefa. A recomposição imediata, tanto da coordenação de campanha quanto da direção partidária, é necessária não apenas por razões eleitorais, mas também para que o PT possa sobreviver, como organização política de esquerda e militante, capaz inclusive de influir decisivamente na sustentação e na condução do segundo governo Lula.

Neste sentido, além da recomposição da direção da campanha e do Partido, o Diretório Nacional deve antecipar o III Congresso do Partido. Caberá a este Congresso não apenas o balanço (do governo, das eleições, da trajetória recente do Partido), mas também o debate sobre o futuro do PT (nosso projeto estratégico, nosso funcionamento).

Depois de nossa vitória na eleição presidencial, a luta continuará. Um setor da direita deve adotar uma política de “distensão”, buscando inclusive influenciar a composição e a política do segundo mandato. Como em 2005-2006, outro setor da direita deve manter uma tática muito ofensiva contra nós, agitando inclusive o fantasma do impeachment.

Para enfrentar a direita golpista, precisaremos mais do que nunca de um governo forte, de mobilização social e de um Partido com uma direção legitimada e capaz.

*artigo publicado no portal do PT em 02/10/2006

*Valter Pomar é Secretário de relações internacionais do PT

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