Por Marcelo Laffitte

por Marcelo Laffitte*

O governo Lula foi marcado por grandes debates públicos referentes a projetos-de-lei e decretos: Cotas na Universidade, Lei dos Transgênicos, Projeto ANCINAV, Regulamentação do Jornalismo, Lei do Simples, TV digital, entre outros. Nenhum outro governo discutiu tanto e de forma tão ampla suas propostas com a sociedade. E, conforme o saudável exercício da democracia, o governo segue implementando o decidido, tendo perdido ou ganhado a questão em fóruns setoriais ou no Parlamento.

Entretanto, existe um artigo no texto de lei federal em vigor no país (Art.13º, Lei Nº 6.281/75) determinando que “nos programas de que constar filme estrangeiro de longa-metragem, será estabelecida a inclusão de filme nacional de curta-metragem”. Esta é a Lei do Curta, uma das últimas posições a ser reconquistada pela cultura nacional, ferramenta de soberania nacional ainda esquecida sob os escombros deixados pelo governo Collor. Esta lei, que pressiona pontos estratégicos como dominação ideológica e hegemonia cultural, necessita apenas de regulamentação do Poder Executivo para voltar a funcionar.

Anualmente, o Brasil produz mais de 200 filmes curtos em película para exibição na tela grande e na sala escura. Produz, também, centenas de vídeos com qualidade técnica adequada aos sistemas de exibição digital em fase de implantação nas salas comerciais (a publicidade, por exemplo, é exibida em digital). Um livro de significativa relevância – “Dicionário Brasileiro de Curtas-Metragens”, de Antônio Leão – encontra-se em fase de lançamento. No volume, com mais de mil páginas, constam cerca de 18 mil títulos, todos praticamente inéditos para o público pagante de ingressos no Brasil de hoje.

No cenário internacional, o curta brasileiro tem se destacado com louvor em festivais consagrados como Cannes, Berlim, Veneza e Toronto; inclusive o Oscar de Melhor Curta-Metragem já disputamos em Hollywood. Bravamente, mesmo sem ter uma política cultural voltada para todas as etapas da atividade cinematográfica (produção, distribuição e exibição), o Brasil oscila na casa dos dez maiores produtores do formato, alternando posições com Espanha, Inglaterra, Suécia e outros países europeus, sendo o primeiríssimo colocado – logicamente – os Estados Unidos.

O curta-metragem é a “energia atômica” de qualquer filmografia, pois é neste formato que se aprende a falar às multidões. Excluídos das salas de cinema, espaço dominado pelas distribuidoras estrangeiras com suas abusivas regras de mercado e sua cultura hegemônica que intensifica o consumo de seus produtos, a excelência potencial da jovem cinematografia brasileira vai sendo empurrada deliberadamente para o imediatismo imposto pelas novas tecnologias, vagando pelas infovias, youtubes e emules globais, e criando a falsa sensação de estarem inseridos no mundo globalizado. Isto é jogar o nascente cinema brasileiro num processo de favelização digital de difícil retorno. Isto é uma forma de calar o país, pois a internet, no máximo, sussurra aos ouvidos e não consegue reunir mais de duas pessoas para ver e ouvir um filme em silêncio.

Em seu artigo “Por Uma Política Cultural Eficaz”, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães nos ensina que “a obra do escritor, do músico, do diretor de cinema não tem impacto e função social (e nem mesmo cultural) se ela não chega ao público, à sociedade”. Aprendamos, pois é simples assim. E vamos regulamentar já a Lei do Curta.

*Marcelo Laffitte é diretor de cinema.

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