Operação mata-ministro
por Dalmo de Abreu Dallari
A paixão política anulou os conhecimentos jurídicos, deixando evidente a falta de substância para as acusações e o pedido de sanções
NO CLIMA de denúncias escandalosas e agressões violentas que vem caracterizando o final da presente campanha eleitoral, explodiu uma investida furiosa contra o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, cujo desempenho à frente do ministério, pelo alto nível ético, pela eficiência sem exibicionismo e pelo absoluto respeito aos preceitos jurídicos que regem a democracia brasileira, o coloca no mesmo nível das grandes figuras que marcaram positivamente sua passagem por aquele ministério. Quais seriam as verdadeiras causas dessas agressões ao ministro?
A resposta reside na conjugação de vários fatores, entre os quais está a disputa eleitoral, com a quase certeza da vitória do atual presidente. Soma-se a isso a ira dos oposicionistas, que, exagerando no falso moralismo, vêm tentando convencer o eleitorado de que toda a corrupção existente no setor público brasileiro começou com o atual governo. Esse fator ganha maior intensidade quando são reveladas ou simplesmente lembradas práticas de corrupção que tiveram como agentes os moralistas de hoje.
A isso tudo deve-se acrescentar o fato de que, graças ao decidido apoio do ministro Márcio Thomaz Bastos, a Polícia Federal ganhou nova dimensão, desmascarando a falsa respeitabilidade de figuras das tradicionais elites privilegiadas, que enriqueceram e ganharam evidência na sociedade praticando sonegação fiscal, contrabando e corrupção de políticos, governantes e agentes burocráticos, engordando suas contas bancárias à custa do dinheiro e dos sacrifícios do povo.
Este último ponto pesa muito para que órgãos da grande imprensa dêem tanta ênfase a denúncias feitas sem nenhum fundamento e, freqüentemente, expressas em linguagem grosseira e reveladora do baixo nível dos denunciantes.
Entre as investidas aqui referidas estão artigos e declarações divulgados pela imprensa, com a chancela de pessoas ligadas à área jurídica, bem como uma representação feita por uma coligação que associa o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL) ao corregedor-geral eleitoral.
A par da absoluta inconsistência, evidente na própria linguagem, tanto os artigos publicados como a representação contêm equívocos jurídicos fáceis de demonstrar, o que revela a afoiteza, o descontrole emocional, a parcialidade política e também a falta de cuidado nas referências às disposições legais que regem as matérias tratadas.
Um ponto que fica evidente é que, à falta de provas, se abusou de suposições e insinuações, não se afirmando que uma prática ou um recurso utilizado eram destinados a alguma finalidade ilegal, mas que seriam, provavelmente ou supostamente, destinados a isso.
Outro ponto que é oportuno esclarecer é que o artigo 67, IV, da lei 9.100/96 define como crime eleitoral “divulgar fato que sabe inverídico”, ou seja, o crime está na divulgação de uma coisa que não aconteceu. Vem a propósito ressaltar esse ponto, porque um dos fatos que, segundo se sabe, seria divulgado é a participação do ex-ministro da Saúde José Serra na distribuição de ambulâncias.
O jornal “Diário Regional”, que circula na região norte do Estado de Mato Grosso, informa, em sua edição de 21 de setembro deste ano, que, em 2001, o ministro esteve no município de Sinop e, ali, tendo ao lado Darci e Luiz Antônio Vedoin, fez a entrega de ambulâncias aos municípios de Sinop, Feliz Natal e Juína. A divulgação desse fato não seria uma inverdade, mas seria insuficiente como prova de que o ministro sabia do esquema de superfaturamento de ambulâncias.
Na mencionada representação, há uma passagem que beira o ridículo. É num trecho em que se diz que o comportamento da Polícia Federal, impedindo a divulgação de uma parte do que foi apreendido, “foi inspirado” pelo ministro da Justiça. Isso afronta a lógica mais elementar, pois, se o ministro pudesse “inspirar”, a ponto de determinar, o comportamento da Polícia Federal, e se ele tivesse a preocupação de proteger o PT, teria “inspirado” o silêncio absoluto, a não-apuração de coisa nenhuma, e não apenas o acobertamento de um pormenor.
O exame sereno dos fatos leva à conclusão de que a paixão política obscureceu os conhecimentos jurídicos, estando bem evidente a falta de substância jurídica para as acusações e o pedido de sanções. Não há dúvida de que qualquer tentativa de cometer abusos para obter resultados eleitorais deve ser severamente repudiada, aplicando-se aos fraudadores as cominações legais, mas isso é bem diferente de aceitar como comprovadas e suscetíveis de condenação judicial insinuações e suposições desprovidas de comprovação objetiva.
*Dalmo de Abreu Dallari, 74, advogado, é professor aposentado da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos de São Paulo (gestão Erundina). Escreveu, entre outras obras, “O Futuro do Estado”.