“O livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de vida”. (Item II do Art. 1o, Capítulo I, Lei 10.753 de 30/10/2003 – Lei do Livro)

Ao sancionar a Lei do Livro em 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o instrumento legal para deflagrar no nosso país a necessária revolução da cultura letrada, até aqui dominada pelo arcaísmo das discriminações sócio-econômicas históricas do Brasil, que resultou, nesse início do século XXI, numa sociedade ainda maculada por uma taxa de 13,6% de analfabetismo absoluto e 38% de analfabetismo funcional. Pesquisas recentes ainda atestam que o índice brasileiro de leitura por habitante/ano é de 1,8 livros lidos, abaixo da vizinha Colômbia (2,4) e muito distante de países desenvolvidos como França (7,0) e Estados Unidos (5,1). Dados como esses são fatores objetivos para o rebaixamento do país na atual sociedade da informação e do conhecimento e claramente discriminatórios na promoção da igualdade social e no desenvolvimento econômico.

No primeiro mandato do governo Lula, a formalização legal se desdobrou em iniciativas importantes que se somaram a alguns passos empreendidos por governos anteriores no desenvolvimento das cadeias criativas, produtivas e distributivas do livro e também na capacidade de incentivo à formação e aperfeiçoamento de leitores.

Em dezembro de 2004 o Governo Federal desonerou de impostos toda a cadeia produtiva do livro, abrindo espaços para o reaquecimento de parcela do setor editorial e livreiro; em 2005 promoveu, em parceria com os governos estaduais e municipais e a sociedade civil, o maior movimento sinérgico de promoção do livro e da leitura – o VIVALEITURA – ação integrada ao Ano Ibero-americano da Leitura que envolveu 21 países e que contou com milhares de iniciativas pela leitura no país; ainda em 2005 foi criada a CÂMARA SETORIAL DO LIVRO LITERATURA E LEITURA (CSLLL), enquanto instância do Conselho Nacional de Política Cultural, voltada para a permanente reflexão e negociação de todos os segmentos e instituições relacionadas ao livro e a leitura; em 2006, em inédito reencontro entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, reaproximando cultura e educação, foi lançado o PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA (PNLL), ao mesmo tempo um diagnóstico dos problemas que ainda afligem a plena capacidade leitora do país, coletado em centenas de reuniões com todos os segmentos sociais e especialistas do livro e da leitura, e um sistematizador de ações e projetos do âmbito do Poder Público e também da iniciativa privada e do chamado terceiro setor. Programas de disseminação e acessibilidade ao livro, como o FOME DE LIVROS, criado para zerar o número de 1.300 municípios brasileiros que não possuem bibliotecas, foram implementados pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Até o momento 404 municípios foram contemplados e o programa segue em andamento. No âmbito da FBN também foi reativado o PROLER – Programa Nacional de Incentivo à Leitura – instituído em 1992. No MEC, iniciativas fundamentais para o desenvolvimento das ações do Estado na área da leitura se ampliaram significativamente em programas diversos: Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Programa Nacional do Livro no Ensino Médio (PNLEM) e o Programa de Formação do Aluno e do Professor Leitor, atingindo milhões de alunos, professores e famílias brasileiras.

Novos objetivos e metas de um segundo mandato

Em que pesem os esforços já despendidos, caberá ao um segundo mandato do Presidente Lula o dever de transformar em Política de Estado, em sua perenidade republicana determinada pelo interesse comum, a inclusão do cidadão brasileiro, como leitor pleno, à cultura letrada. Esta diretriz deverá estar vinculada a políticas que garantam um maior e melhor acesso aos livros em todos os seus suportes materiais (papel ou tela), reconhecendo o valor social da leitura e o papel central que ela exerce no desenvolvimento humano e sócio-econômico de uma nação. Uma Política de Estado para o setor deve identificar a leitura e o livro como eixos estruturantes da sociedade, marcos de sua identidade cultural, e não apenas como bens de consumo ou produtos de sofisticação cultural para poucos. Uma política responsável de valorização do livro e da leitura envolve as energias de todas as instâncias de governo, centradas na educação pela cidadania e na valorização da capacidade leitora, devendo se desdobrar em ações conjuntas e orientação permanente do conjunto dos ministérios do governo federal, e não apenas daqueles mais vocacionados para o tema, que passa a ser prioritário na agenda política de desenvolvimento nacional e expresso numa POLÍTICA NACIONAL DO LIVRO E DA LEITURA..

Uma verdadeira concertação de iniciativas, a exemplo do que já vem sendo realizado pelo PNLL entre o Estado e as diversas instâncias da Sociedade Civil, devem dar consistência às políticas públicas sobre o livro e a leitura, centrada nesse quadriênio em três eixos temáticos:

1)Fortalecer e atualizar aceleradamente o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, proporcionando democraticamente a acessibilidade à cultura escrita. Somos um país com baixo poder aquisitivo na maioria da população e a biblioteca pública é a fonte privilegiada e acessível para a disseminação da informação e a elaboração do conhecimento ao conjunto dos cidadãos. Com otimização de recursos e priorizando o acesso, é possível revolucionar a oferta de leitura à população. Exemplos de ações pertinentes desse eixo:

  • Consolidar, modernizar e aferir recursos necessários para as bibliotecas públicas, garantindo-lhes dotações permanentes para renovação e ampliação de acervos, de equipamentos e de serviços, assim como da promoção de atividades formadoras de bibliotecários e mediadores de leitura;
  • Atualizadas e equipadas, dotar cada biblioteca pública com um projeto de ambições nacionais para torna-las centros de informação e cultura, mas pautado para atender os interesses de fomento e preservação das identidades comunitárias e regionais, assim como a diversidade e a riqueza da cultura escrita do local em que está inserida;
  • Zerar nos próximos 4 anos o número de municípios sem bibliotecas e, juntamente com os demais municípios e governos estaduais, inclusive apoiando as bibliotecas comunitárias, aumentar a oferta de livros por intermédio das bibliotecas conforme a área urbana e o número de habitantes, seguindo padrões internacionalmente aceitáveis;
  • Aumentar a interação entre a Cultura e a Educação na área do livro e da leitura, já iniciadas com o PNLL entre o Minc e o MEC, promovendo a sinergia entre as bibliotecas públicas e as bibliotecas escolares do ensino público em todos os níveis;
  • Incorporar o uso de novas tecnologias da informação, em especial na informatização e criação de bibliotecas virtuais e centros de leitura multimídia, somando-se essas ações às tradicionais, dentro da convivência necessária e saudável entre o tradicional e o inovador.

2)Investir na formação, reciclagem e suporte dos Recursos Humanos para a área de mediadores de leitura, tanto na Cultura quanto na Educação. Incrementar sinérgicamente a formação e a conquista de novos leitores, revertendo drasticamente os baixos índices de leitura e melhorando a compreensão da capacidade leitora. Exemplos de ações pertinentes desse eixo:

  • Fortalecer e consolidar as redes de formação de leitores já existentes, como o PROLER, dando-lhes condições e estrutura para aumentarem consideravelmente suas ações de formação de leitores e de incentivo à leitura;
  • Implementar os programas de formação de mediadores de leitura existentes, inclusive por meios eletrônicos e de ensino à distância, e estender seu alcance a todos os profissionais que têm alguma atividade relacionada ao livro e a leitura – educadores, bibliotecários, professores, profissionais liberais, líderes comunitários, voluntários de programas culturais e sociais, etc.
  • Incentivar e apoiar estudos e pesquisas acadêmicas, envolvendo universidades e institutos de pesquisa, que busquem o melhor conhecimento sobre o livro e a leitura no país e no mundo, tornando-os fonte de inspiração e bases conceituais para projetos e programas a serem implementados na área, além de se constituírem em forte elemento de avaliação e de crítica permanente às políticas em andamento na área;
  • Buscar, por intermédio de incentivos e de motivações diversas, como prêmios, concursos e reconhecimentos públicos, a sinergia das ações públicas com aquelas promovidas pela sociedade civil, pelas empresas e pelo terceiro setor e que forem voltadas para o fomento às práticas sociais da leitura;
  • Pesquisar, interagir e utilizar enfaticamente outras expressões simbólicas, como o áudio-visual e a música, assim como a influência da cultura urbana, das culturas da juventude e das novas tecnologias, reconhecendo suas influências inovadoras na transformação dos modos de ler, sempre convergindo para a conquista de novos leitores e na ampliação da capacidade leitora.

3)Estimular estratégias de desenvolvimento da indústria nacional do livro em todos os seus suportes materiais e em todas as suas instâncias criativas, produtivas e distributivas, apoiando sua inserção no acelerado processo de mudança pela qual esse segmento da indústria cultural passa em todo o mundo globalizado. Considerar o uso e a disseminação da língua portuguesa escrita como política de desenvolvimento econômico e de identidade cultural da nacionalidade, estimulando seu uso e circulação. Exemplos de ações pertinentes desse eixo:

  • Estabelecer redes de estímulo à produção artística e intelectual de obras em português, valorizando o idioma e a diversidade de manifestações culturais de todos os setores e regiões do país, incentivando e apoiando escritores novos e consagrados a interagirem com os leitores e a engajarem-se na conquista de novos, inclusive com o uso das tecnologias;
  • Buscar o equilíbrio entre os direitos de propriedade intelectual e o interesse comum no acesso à cultura e à educação por intermédio da leitura, mantendo um constante diálogo e aperfeiçoamento de mecanismo reguladores que interessem ao Estado e ao desenvolvimento econômico dos criadores e da indústria editorial e livreira;
  • Garantir a livre e cada vez maior circulação do livro, garantindo a manutenção da exoneração fiscal e de insumos ao papel destinado ao livro e à leitura, assim como destinar recursos para ampliar programas de assistência técnica às pequenas e médias empresas editoriais e as de distribuição do livro (livrarias e distribuidoras regionais), inclusive apoiando e promovendo a formação e a capacitação de profissionais do setor;
  • Adequar à realidade do negócio editorial as linhas de crédito oferecidas pelas instituições financeiras públicas, ampliando-as também para o apoio técnico e institucional, visando melhorar as cadeias produtivas locais, incrementando a capacidade de inserção das pequenas e médias empresas nacionais na competitividade global, dando-lhes condições para enfrentar a extrema concentração econômica que está se estabelecendo nesse setor da indústria cultural;
  • Incentivar as ações empresariais do setor que busquem a democratização de acesso à leitura, buscando o barateamento do livro por intermédio de políticas de preço justas e projetos especiais que atendam o baixo poder aquisitivo da população, considerando-se, inclusive, o empenho pela aprovação de instrumentos legais e reguladores propostos pelo setor produtivo e criativo que atendam aqueles objetivos.

Bases para implementar os objetivos e metas estabelecidos

Relegada historicamente à prática de poucos, discriminada como atividade complementar e dispensável conforme a estratificação social, a política do livro e da leitura teve um tratamento irregular e oscilante do ponto de vista institucional na nossa história pátria.

Ao tomar a decisão política de transformar o livro e a leitura em Política de Estado inclusiva e cidadã, identificada com o desenvolvimento econômico e social do país, o próximo governo não deve prescindir de trabalhar sobre marcos legais e institucionais modernos, assim como procurar formas criativas e permanentes de dar sustentabilidade econômica àquela política, de maneira que ela se torne efetiva. Reunir e otimizar recursos financeiros provindos do Orçamento da União, dos diversos programas e ministérios, de fundos públicos e privados, de instituições nacionais e internacionais, todos voltados para o desenvolvimento da capacidade leitora, é tarefa imprescindível no próximo quadriênio para se viabilizar esse programa de governo.

Igualmente é fundamental uma profunda revisão de missões e de competências dos órgãos governamentais que hoje se responsabilizam pela condução de políticas para o livro e a leitura, principalmente nesse período em que os Ministérios da Cultura e o da Educação voltaram a atuar juntos por intermédio do recém lançado PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA (PNLL). Refletir sobre o PNLL e a ação sinérgica que ele representa ao unir Estado e Sociedade em prol da leitura, poderá ser um caminho a seguir para a construção de um novo modelo de gerenciamento dos destinos desta área da cultura.

A condução de uma Política de Estado nesta área, que atenda os objetivos e as metas propostas nos três eixos expressos nesse documento, requer um replanejamento estratégico que reencaminhe as instituições de governo ligadas ao livro e a leitura para suas missões específicas, como a Fundação Biblioteca Nacional, e organize institucionalmente, a sinergia que envolve necessariamente o livro e a leitura em todas as atividades do âmbito do governo federal. Sob a liderança da Presidência da República e do Ministério da Cultura, é fundamental que se crie alguma instância governamental que dê conta dessa multiplicidade de presença e forma da atividade leitora, tanto no âmbito do Estado quanto na Sociedade Civil, notadamente nas cadeias criativa, produtiva e distributiva do livro.

Otimizar os recursos, buscar novas formas de financiamento público e privado, reorganizar os órgãos públicos existentes ou criar nova instância para gerenciar a política para o livro e a leitura, serão medidas urgentes e fundamentais para implementar eficientemente a Política de Estado proposta nesse documento. A ambição do programa aqui apresentado requer uma ação inovadora do Estado também do ponto de vista administrativo e financeiro, que possa dar conta tanto da dramaticidade do quadro a ser enfrentado quanto da contemporaneidade das velozes mudanças que hoje enfrenta o mundo do livro e da leitura.

São Paulo, 27 de agosto de 2006


*José Castilho Marques Neto
é Diretor Presidente da Fundação Editora da UNESP e Secretário Executivo do PNLL – [email protected]

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