Gravemente feridas pelas bombas que a repressão usou para reprimir a manifestação na PUC de São Paulo em setembro do ano passado, três estudantes prometem processar a polícia, que não quer mais pagar o tratamento

Ficar na dependência dos “sentimentos humanitários” da polícia paulista foi outro enorme risco que correram as estudantes Maria Cristina Raduan, Iria Visona e Graziela Eugênio Augusta, gravemente feridas na noite de 22 de setembro do ano passado, quando a polícia reprimiu uma manifestação estudantil na PUC de São Paulo e invadiu o campus da universidade.

Maria Cristina, Iria e Graziela foram as que mais sofreram os efeitos das bombas empregadas pela polícia e tiveram de ser internadas em hospitais, pois estavam com queimaduras de até 3º grau espalhadas pelo corpo. Logo após a invasão da PUC, e diante do repúdio que se levantou contra a violência da polícia, o então secretário da Segurança Pública de São Paulo e hoje candidato a deputado federal pela Arena paulista, coronel Erasmo Dias, disse que a polícia assumiria as despesas para o tratamento das estudantes atingias pelas bombas, não porque se considerasse culpada pelos ferimentos e queimaduras, mas devido a “sentimentos humanitários”. Mas conforme mostraram as três estudantes em entrevista na semana passada, esses “sentimentos humanitários” parecem ser tão perigosos como suas bombas.

Segundo Maria Cristina, Iria e Graziela, desde que o Inquérito da invasão da PUC, feito pela Assembléia Legislativa, foi arquivado por ordem do governador Paulo Egidio, a Secretaria de Segurança começou a colocar dificuldades para pagar o tratamento médico a que até hoje – mais de 9 meses depois que foram feridas – estão submetidas. Maria Cristina contou como foi recebida na Secretaria de Segurança, na última vez que esteve lá: “Nessa semana eu fui até a Secretaria levar os recibos da fisioterapia. Sob o pretexto de que a administração havia mudado – o coronel Erasmo Dias, o antigo secretário, tinha sido substituído pelo seu assessor, coronel Enio Viegas –, o coronel Orlando Rodrigues, assistente do novo secretário, disse que o tratamento estava se prolongando demais e nos falou para não voltarmos mais na Secretaria porque eles não iriam pagar nada. Disse também que se a gente quisesse, ele podia tentar arrumar para nós fisioterapia com os médicos do DOPS. Eu pedi para o coronel me dar isso por escrito – que a Secretaria não ia pagar mais –, mas ele negou, ficou nervoso e pediu que não aparecêssemos mais lá”. Na entrevista, as estudantes acharam que a oferta do coronel Orlando Rodrigues, para que elas fossem tratadas por médicos do DOPS, foi uma “provocação”. E argumentaram: “Não vamos deixar que as mesmas pessoas que jogaram as bombas em nós venham agora tratar de nossas lesões”.

Maria Cristina Raduan, durante a repressão policial à manifestação da PUC, teve 30% de seu corpo atingido por queimaduras de 1º e 3º graus, sobretudo o tórax, abdômen, coxa e braço direitos. Antes de receber alta do hospital, em dezembro passado, foi operada cinco vezes, para enxertar tecidos nas partes queimadas. Continuou a fazer fisioterapia para ver se recuperava o movimento do braço e da perna direita, que ficou mais fina que a outra. Está também fazendo betaterapia para, segundo ela, “curar um carne esponjosa que se cria nos lugares onde foram colocado tecidos para fazer os enxertos”. Além disso, deverá ainda se submeter a cirurgias plásticas, para reconstituir as partes queimadas.

Iria Visona recebeu queimaduras de 1º até 3º grau na perna esquerda, do joelho até o pé, e depois das operações vinha também fazendo tratamento de fisioterapia e betaterapia. Já Graziela Eugênio Augusta recebeu queimaduras na face esquerda, no braço esquerdo, nas mãos e no abdômen. Depois das operações, estava fazendo radioterapia para recuperar a mobilidade de uma das mãos. Agora, com a suspensão do pagamento por parte da Secretaria de Segurança, estão sem condições de prosseguir o tratamento, pois suas famílias não têm recursos e o tratamento é caro. Cada sessão de fisioterapia e betaterapia custa Cr$ 500,00 e cada aplicação de radioterapia, Cr$ 1.000,00. Elas anunciaram que, através do advogado Mário Simas, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, vão entrar com uma ação judicial contra o Estado, por danos morais e físicos. Disseram que também pretendem entrar em contato com os DCEs da USP e da PUC, OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], ABI [Associação Brasileira de Imprensa] e Comitê Brasileiro da Anistia para tentar reabrir a Comissão Especial de Inquérito (CEI), instalada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, que responsabilizou o coronel Erasmo Dias por crimes de abuso de autoridade, violação de domicílio, atentado à incolumidade física do cidadão, lesão do patrimônio de pessoas naturais e jurídicas e violação dos direitos e garantias individuais. O processo aberto pela CEI foi, no entanto, arquivado pelo governador Paulo Egidio.
 

Publicado no jornal Movimento, nº 157, em 03/8/1978, p. 3.
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