As bombas que a polícia jogou contra os estudantes, durante a invasão da PUC, na noite de 22 de setembro, feriram pelo menos 16; esse é o número oficial que consta dos depoimentos prestados à Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Assembléia Legislativa, encerrada esta semana. Também consta do material entregue aos deputados um documento da Comissão Justiça e Paz, evidenciando a extrema gravidade das queimaduras provocadas pelas bombas em cerca de meia dúzia de estudantes. Os deputados e os presentes à CEI tiveram ocasião de presenciar as fotos das moças queimadas; algumas dessas fotos foram publicadas pela imprensa. Numerosos professores e estudantes, em seus depoimentos, referiram-se às altas labaredas que saíam das bombas. Essas bombas, segundo a versão oficial dos acontecimentos, não seriam diferentes das que normalmente a Polícia utiliza em casos semelhantes. Esse foi um ponto sobre o qual as autoridades policiais fizeram questão de insistir, aduzindo a seu favor o parecer de laudos periciais elaborados pela própria Polícia.

Conclusão: as bombas que a Polícia joga contra estudantes são capazes de ferir e queimar, com sua labaredas, a ponto de colocar as vítimas em perigo de vida.

Isso é uma violência. O exercício do poder de jogar essas bombas sobre os estudantes é uma violência. Eles podem falar o que bem entenderem, mas a impunidade no exercício desse poder é uma violência.

Não importa o nome que se dê a essas bombas: qualquer que seja, elas estão pejadas de arbítrio e violência, e caem sobre as cabeças dos estudantes como o resultado final de ordens emanadas de cima, também prenhes de violência e arbítrio.

Apenas, que o pudor impeça, doravante, de se continuar chamando esses violentos petardos de “bombas de feito moral”. Ao contrário: é extremamente imoral o tempo em que se permite que essas bombas sejam impunemente jogadas sobre os estudantes.

Também que o bom senso evite chamá-las de bombas de gás lacrimogêneo, para não favorecê-las com o endosso da amena respeitabilidade que a violência política assume quando se lhe aplicam expressões técnicas. As lágrimas que elas provocam não resultam apenas de efeitos químicos: nascem da indignação diante da injustiça, do ódio diante da prepotência, da vergonha e da desesperança.

São bombas, simplesmente: artefatos de destruição, de dor e de morte, que homens armados jogam contra inimigos. E não pode haver malabarismo semântico ou contrafação humanística capaz de disfarçar a simplicidade eloqüente dessa abominável constatação: na noite de 22 de setembro, na PUC, os estudantes brasileiros foram atacados como inimigos.

Não foi a primeira vez. Mas agora, chega: é preciso que seja a última.

*Perseu Abramo, jornalista

 Republicado no livro Um trabalhador da notícia – Textos de Perseu Abramo, organizado por Bia Aramo (São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 176-77)
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