Importante estudo do especialista em finanças públicas, Amir Khair, derruba a crença, generalizada pelos economistas neoliberais, de que a Previdência brasileira caminha para a insustentabilidade.


Importante estudo do especialista em finanças públicas, Amir Khair, derruba a crença, generalizada pelos economistas neoliberais, de que a Previdência brasileira caminha para a insustentabilidade.
Embora apareça na campanha eleitoral de maneira marginal, o tema da Previdência Social constitui um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos próximos governos brasileiros. De maneira geral, generalizou-se nos últimos anos a visão de que o sistema previdenciário brasileiro é insustentável tendo em conta sua incapacidade de equilibrar suas receitas desde 1995. Em verdade, a partir deste ano a diferença entre os benefícios pagos e as contribuições recolhidas só aumentou. Em 2006, pela primeira vez no período, esta situação de déficit crescente poderá ser estancada e igualar-se à do ano anterior, em termos de peso no total das riquezas produzidas no país (PIB). A solução para este problema, de acordo com uma série de estudos, estaria numa inevitável e necessária reforma do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) dificultando o acesso a seus benefícios com o objetivo de cortar seus gastos.

As causas do desequilíbrio da Previdência, na visão dos “reformadores,” poderiam ser explicadas a partir de uma conjunção de fatores: as tendências demográficas da sociedade brasileira apontariam para o envelhecimento da população e desequilíbrio entre trabalhadores ativos e inativos; a pretensiosa cobertura do sistema previdenciário seria irrealista e insustentável a médio e longo prazo; os reajustes reais concedidos ao salário mínimo nos últimos anos contribuiriam para tornar ainda mais negativa as contas da previdência. Somados estes fatores, o resultado seria a insustentabilidade do atual modelo do regime previdenciário e a necessidade das reformas para evitar sua implosão. Nesta perspectiva, em defesa do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) não bastaria o fato de que ele constitui uma das mais importantes políticas sociais do Estado brasileiro beneficiando, direta ou indiretamente, 75 milhões de pessoas e tirando aproximadamente 10 milhões da miséria, sendo que os benefícios concedidos se destinam em sua maioria à população de baixa renda, concentrando 67,87% dos benefícios com 1 salário mínimo, até 2 SM, 80,67% e até 3 SM, 87,78% Este diagnóstico acabou por tomar conta do debate público se tornando uma espécie de senso comum sobre o tema.

Na contramão desta opinião geral, o rigoroso estudo do especialista em finanças públicas Amir Khair intitulado “Perspectivas para a Previdência Social: 2006 a 2025” se torna muito importante por inserir no debate e nas pesquisas sobre o tema variáveis muitas vezes negligenciadas. Nesta perspectiva, o primeiro mito a ser desmontando é o da incompatibilidade das tendências demográficas da sociedade brasileira ao atual modelo previdenciário. O Regime Previdenciário brasileiro funciona em sistema de repartição simples, onde os trabalhadores em atividade financiam os inativos na expectativa de que, no futuro, outra geração de trabalhadores sustentará a sua inatividade. Neste sistema, a taxa de crescimento da população, a evolução de seu perfil etário e a taxa de urbanização são variáveis fundamentais para estimar a evolução dos contribuintes e beneficiários.

Analisando-se as tendências demográficas da população brasileira projetadas pelo IBGE, um primeiro fator importante a se destacar é o aumento da expectativa de vida do brasileiro. Além da maior longevidade, o número de filhos por mulher (taxa de fecundidade) tem declinado de forma quase uniforme. Em 1960, cada mulher tinha em média 6,2 filhos; em 1999 esta taxa já havia caído para 2,3.

O aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de fecundidade aumentam a participação dos idosos na composição da população, faixa etária atendida pelo sistema previdenciário. Segundo as estimativas do Ministério da Previdência Social, o percentual da população idosa com idade superior a 60 anos, deverá aumentar de 9,0% em 2005 para 15,1% em 2025. Segundo projeções do IBGE em 2025, para cada pessoa com mais de 60 anos, teremos 3,6 pessoas com idade entre 20 e 60 anos. Essa relação é bastante inferior à atual, que está ao redor de 6,0, mas ainda é superior à encontrada nos países europeus, situada abaixo de 4,0 desde 2000. Desta forma, o Brasil ainda permanecerá durante as primeiras décadas deste século como um país relativamente jovem, o que permitiria concluir que o sistema previdenciário não está ameaçado por uma explosão de aposentadorias e se mantém demograficamente viável. Assim, os principais problemas atuais do sistema previdenciário estariam relacionados ao crescimento da economia e à eficiência da sua gestão de receitas e despesas.

Crescimento econômico, gestão e Previdência

A principal contribuição do estudo de Khair para o entendimento do sistema previdenciário é a inclusão das variáveis crescimento econômico e gestão nas perspectivas de futuro da Previdência. Como explica o próprio Khair, os estudos sobre as perspectivas fiscais para a Previdência Social, partem do princípio de que não deverão ocorrer avanços na gestão das suas receitas e despesas e não deixam claros os efeitos do crescimento da economia sobre seus resultados, o que poderia levar a conclusões equivocadas e a previsões de rombos insustentáveis para as finanças públicas.

Nesta perspectiva, o crescimento do déficit previdenciário na última década vem ocorrendo pelo crescimento relativo das despesas, ficando as receitas praticamente estáveis no período. As despesas sobem de 5,39% do PIB em 1995 para 7,54% em 2005, evoluindo 2,15%. As receitas passam de 5,44% em 1995 para 5,60% em 2005, evoluindo apenas 0,16%. Em conseqüência o resultado passa de um leve superávit de 0,05% em 1995 para um déficit de 1,94% em 2005, com resultado piorando 1,99% nestes onze anos.

Neste período, o crescimento médio do PIB foi de apenas 2,2% ao ano. Como conseqüência, o número de contribuintes da Previdência encolheu e a base das contribuições, que são os salários, também. Em 1980, 44% dos brasileiros em idade e condições de trabalhar, classificados como “população economicamente ativa” (PEA), estavam empregados com registro em carteira. Em 1991, a proporção se manteve quase igual, 42%. No entanto, ao longo dos anos 90, caiu para 30,9% (2000) e 29,5% (2004) segundo o IBGE. Além disto, os salários perderam espaço no total das riquezas produzidas no país: de 1992 a 2002 o peso dos salários no PIB caiu de 44% para 36%. Caso a economia tivesse crescido 5,3% ao ano, o déficit seria zerado apesar dos aumentos dos benefícios ocorridos na década. Com maior robustez da economia e formalização do mercado de trabalho, a tendência é de maior contribuição para as receitas previdenciárias.

Por outro lado, a gestão previdenciária sempre foi mal conduzida, com altos níveis de sonegação, inadimplência e suas despesas sujeitas a toda sorte de desvios. O déficit previsto para este ano de 1,9% do PIB poderia ter sido inferior caso o processo de gestão mais eficiente tivesse ocorrido há vários anos atrás. O aumento da arrecadação, aliado ao controle de desperdícios do INSS ajuda a explicar porque, em 2006, o prejuízo da Previdência Social pode se estabilizar pela primeira vez desde 1995.

Tomando estas variáveis como determinantes, o estudo de Khair procurou caracterizar a influência do crescimento do PIB e da gestão para os resultados da Previdência para os próximos 20 anos (2006 a 2025). Para isto, foram usadas a metodologia e premissas de evolução demográfica e de mercado de trabalho utilizadas pelo Ministério da Previdência Social constantes na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO 2007).

A LDO considera para o crescimento do PIB a previsão oficial do Ministério da Fazenda: 4,5% em 2006, 4,75% em 2007, 5,0% em 2008 e 5,25% em 2009. A partir de 2010, sem justificativas, caem fortemente para 3,60% e seguem em queda contínua até cair para 2,68% em 2025. Esta previsão conservadora acaba por projetar o agravamento contínuo do déficit da Previdência, passando de 2,15% do PIB em 2006 para 2,72% em 2025. No trabalho de Khair, são feitas simulações para diversos cenários de crescimento econômico e de melhorias de gestão para os próximos 20 anos. Isto altera substancialmente o quadro de déficits crescentes do RGPS apontado na LDO 2007.

Primeiro, projeta-se crescimentos do PIB até 2025 para verificar seu impacto sobre as contas da previdência. Os resultados são que, projetando-se crescimentos do PIB anuais de 3,65%, o déficit previdenciário se mantém no nível do atual de 2,15%. Para crescimentos anuais do PIB superiores a 5,72%, o déficit da previdência é zerado em 2025, passando nos demais anos a apresentar superávit. Para crescimento do PIB de 6% ao ano o superávit ocorre a partir de 2024 e para crescimento de 7% a partir de 2020.

Com relação à gestão, admitindo-se uma melhoria de gestão de 1% ao ano para receitas e despesas, teria-se para os diversos níveis de crescimento do PIB a partir de 2010, os seguintes resultados: para crescimentos do PIB anuais de 1,83% o déficit previdenciário se mantém no nível atual de 1,95%. Para crescimentos anuais do PIB de 3,41%, o déficit é zerado em 2025. Para crescimento do PIB de 4% ao ano, o superávit ocorre a partir de 2021 e para crescimento de 5%, a partir de 2018.

O quadro abaixo apresenta o resultado em 2025 para vários níveis anuais de crescimento do PIB e de melhoria na gestão de receitas e despesas. A região em azul, com valores negativos, representa superávits nas contas em 2025.


Salário Mínimo e Previdência

Outro ponto importante das análises dos “reformadores” é a atribuição do crescimento do déficit previdenciário também à concessão de aumentos reais ao salário mínimo. Até 2009 as premissas da LDO prevêem aumentos reais para o salário mínimo e benefícios. A partir de 2010, apenas acompanham a inflação na suposição da incapacidade do sistema previdenciário poder oferecer aumento real do mínimo a partir deste ano. No entanto, seguindo-se o estudo de Khair, verifica-se o problema do déficit previdenciário a partir de sua receita fortemente dependente do crescimento econômico e de condições de melhoria de gestão. Desta forma, o déficit previdenciário verificado no período em que houve aumento real do salário mínimo se explica pelo fato de que a economia ficou quase estagnada neste período, com crescimento médio de apenas 2,2% ao ano. Caso a economia tivesse crescido 5,3% ao ano, o sistema estaria hoje em equilíbrio apesar dos aumentos reais do salário mínimo ocorridos a partir de 1996.

Para além desta percepção, analisar o investimento no salário mínimo apenas como gasto adicional do INSS significaria desconsiderar as vantagens fiscais e sociais deste tipo de investimento. Estas despesas melhorariam o poder aquisitivo dos beneficiários da previdência, que em grande parte é direcionado para o consumo. Assim, seria necessário dimensionar quanto da despesa adicional pelo reajuste real dos benefícios, traz de retorno fiscal ao INSS, estados, municípios e a União através da dinamização da economia.

As conclusões do estudo indicam, portanto, que o sistema previdenciário tem suas contas fortemente dependentes do crescimento econômico e da gestão, fatores estes que sempre atuaram de forma negativa prejudicando o equilíbrio fiscal do sistema previdenciário. Seu modelo, associado a uma estratégia de desenvolvimento econômico e gestão eficiente do Estado, seria plenamente viável para a realidade brasileira das próximas décadas. Mesmo os aumentos reais do salário mínimo não impedirão o sistema previdenciário de readquirir o equilíbrio, desde que aliados a crescimentos econômicos plenamente compatíveis com o potencial da economia brasileira.

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