Entrevista com o cientista social Gustavo Venturi, coordenador do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo.

O cientista social Gustavo Venturi, coordenador do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo avalia a conjuntura eleitoral sob a ótica das pesquisas de opinião. O NOP é responsável pelo acompanhamento das pesquisas eleitorais e publica neste portal a evolução das mesmas, divulgadas pelos maiores institutos de pesquisa do país.

Pelos resultados das pesquisas, o que mudou no comportamento do eleitorado desde a confirmação dos candidatos Lula e Alckmin?

Do ponto de vista quantitativo, depois das convençoes partidárias ao final de junho, houve uma mudança pequena mas relevante para os desdobramentos da disputa presidencial. À parte pequenas oscilações de uma pesquisa a outra, Alckmin teve uma queda da ordem de 5 pontos percentuais: em julho variava entre 25% e 30%, em agosto passou a flutuar entre 20% e 25%; Lula, por sua vez, passou do patamar de 40% a 45% para 45% a 50%. Como Heloísa Helena permaneceu estável, entre 9% e 12%, e os demais candidatos não decolaram, o aumento da distância entre Lula e Alckmin abriu a possibilidade de reeleição do presidente já no primeiro turno.

Do ponto de vista qualitativo houve outras mudanças importantes, ainda que menos perceptíveis. Por exemplo, o desconhecimento de Alckmin – seja absoluto (“nunca ouviu falar”), seja relativo (“conhece só de nome”) -, que era elevado até a confirmaçao de sua candidatura, tornando-o uma ameaça potencial a Lula, veio caindo gradualmente sem que, como se viu, isso tenha lhe angariado maiores taxas de intenção de voto. Noutras palavras, ele tem se apresentado como quer, sobretudo após o início da campanha eletrônica, mas, em que pese surpreender positivamente parte do eleitorado que não o conhecia, sem conseguir converter a imagem que está construindo em voto. Até está se qualificando para alguns segmentos como opção – só que como segunda opção, depois de Lula!

Todas as pesquisas eleitorais têm dado como certa a vitória do presidente Lula no 1ª turno. Na sua opinião, a que se deve esse resultado amplamente positivo para Lula?
Primeiro é preciso lembrar que, a esta altura [7 de setembro], as pesquisas não têm capacidade de predição sobre o resultado das urnas – a disputa eleitoral está em curso. O que elas apontam é que, fosse hoje a eleição, Lula venceria no 1º turno. Creio que essa força eleitoral de Lula se deve à combinação de fatores políticos conjunturais e estruturais. De um lado, o volume da campanha televisiva tem permitido a Lula divulgar (também como quer, evidentemente) as realizações de seu governo, o que não só tem elevado a avaliação da sua gestão, mas também tem consolidado a opção de seus eleitores por ele, que mostram-se de forma crescente convictos de que não mudarão de opção até 1º de outubro. Essa é outra mudança qualitativa importante que se observa no processo eleitoral. É efeito momentâneo da campanha e da comunicação.

Mas só é possível porque Lula já partia de uma base positiva decorrente do impacto positivo de seu governo na vida da maior parte do eleitorado. Não fosse isso não haveria campanha bem feita que pudesse colocá-lo à frente da disputa – mais que isso, Lula não estaria qualificado sequer a disputar a reeleição depois de todos os ataques que sofreu à luz das denúncias que acompanharam seu governo e o PT, desde meados de 2005. É porque o governo Lula fez diferença para a maioria – no social e no econômico – que Lula pode se reeleger.

O Nordeste vai de Lula, segundo as pesquisas. A que se deve essa tendência?

Justamente o Nordeste é a melhor expressão dessa dinâmica: como região mais pobre do país, o Nordeste concentrou, relativamente, as maiores inversões dos programas sociais do governo Lula – Bolsa Família, Luz para Todos, crédito agrícola, construção de cisternas, ProUni etc. O retorno em votos era esperado. Os portavozes das elites que acusam essas políticas sociais de assistencialistas e manipuladoras deveriam proferir seu discurso até o fim, assumindo que prefeririam perpetuar as desigualdades regionais e sociais gritantes que caracterizam a distribuição de renda e de oportunidades no país.

Por que na maioria dos estados os candidatos a governador dos partidos de oposição a Lula têm tido dificuldade em vincular seus nomes e programas ao candidato da oposição, Alckmin?

Como em vez da ascenção que tucanos e aliados esperavam, Alckmin entrou no período da campanha eletrônica em declínio, tornou-se um anticabo eleitoral, Brasil afora. Isso é tanto mais forte, quanto menor é sua expressão eleitoral por estado. De fato – e isso vale não só para majoritários, mas sobremaneira pra candidatos proporcionais – como pedir votos associando-se a Alckimin em estados ou regiões em que Lula tem mais de 70% das intençoes de voto? Quando não tratam de parecer aliados de Lula – como o tucano Lucio Alcântara que disputa a reeleição ao governo do Ceará – muitos omitem seu vínculo com Alckmin (para não falarmos de identidade com FHC, ainda mais pesado, pela avaliação negativa que deixou na opinião pública seu segundo governo).

Mas também é preciso lembrar o reverso desse fenômeno: a dificuldade de candidatos petistas a governos estaduais a se associarem eleitoralmente, com eficiência, a Lula. As intenções de voto, até o momento, em Nilmário Miranda (MG), José Fritsch (SC), Arlete Sampaio (DF), Jacques Wagner (BA), Aloizio Mercadante (SP), entre vários outros, atesta a força do voto não partidário que perdura em nossa cultura política – estados em que a principal dobrada anunciada pelas pesquisas é Lula para presidente e um candidato de oposição para governador.

Em campanhas anteriores os programas eleitorais na televisão tinham um peso considerável. Recentemente um instituto de pesquisa detectou que apenas 6% do eleitorado seria afetado por esses programas. Mudou a televisão ou mudou o eleitorado?

A campanha eletrônica, por sua penetração em amplas camadas do eleitorado, tem um potencial de alterar disputas eleitorais que nenhum outro mecanismo de campanha tem. Mas isso não significa que esse potencial tenha necessariamente que se realizar. Aliás, é justamente nas campanhas presidenciais em que, desde 94, tem sido menos visível o efeito das campanhas televisivas. FHC em 94 e em 98, e Lula em 2002, entraram como favoritos nessa fase das campanhas e saíram eleitos.

Mas há sim uma mudança do eleitorado frente à mídia que, à luz da provável reeleição de Lula (seja no primeiro ou no segundo turno), cabe registrar, merecendo debate e reflexão: se Lula for reeleito com o perfil das intenções de voto que obtém hoje nas pesquisas, salvo engano pela primeira vez na história as classes populares terão votado de forma tão dissociada das classes médias, que preferem Alckmin, e de costas às opiniões da grande mídia, sobretudo impressa. Mídia que desde a eclosão das denúncias de corrupção já considerou Lula eleitoralmente morto, depois sugeriu seu impeachment e hoje oscila entre sua desqualificação, como populista, e a desqualificação dos eleitores que o preferem, como alienados, desinformados, anestesiados, cínicos etc. – incapaz de admitir que eleitores, mesmo decepcionados com casos de corrupção, consideram as virtudes do governo Lula superiores a seus defeitos e a seus opositores.


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