por Jorge Mattoso e Suely Muniz

A situação da habitação até 2003

De 1998 a 2003, a contribuição da construção civil ao PIB nacional sofreu quedas continuadas – de 9,1% para 6,5% – reflexo de uma retração média anual da produção de aproximadamente 3%.

Neste período, caiu o número de unidades imobiliárias contratadas por meio de financiamentos da Caixa Econômica Federal ou das demais instituições financeiras participantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Aprofundou-se o déficit habitacional, que atingiu cerca de 7 milhões de famílias que carecem de condições dignas de moradia, sendo 93% delas com renda mensal inferior a cinco salários mínimos. Nas grandes cidades, a falta de moradia adequada se traduziu no crescimento das favelas e no desenvolvimento de cinturões de pobreza e marginalização, nos quais o Estado encontra dificuldade para garantir a oferta de bens públicos básicos.

Da mesma forma, reduziu-se a taxa de investimento do país. Se, em 1998, os gastos com Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) na construção civil representavam 70,1% do total de FBCF da economia, em 2003 tal participação cai para 62,6%.

O efeito sobre o emprego gerado pelo setor pode ser aferido pelo fato de que do começo de 2001 até o início de 2003, mais de 113 mil vagas de empregos com carteira assinada foram fechadas na construção civil.

As ações no Governo Lula (2003-2006)

Foi diante do reconhecimento do quadro de fragilidade institucional, de parcos recursos para financiamento imobiliário e de expansão do déficit habitacional junto à população de menor renda que o Presidente Lula – logo no início de seu governo – determinou que todos no governo trabalhassem no enfrentamento desse quadro e na implementação de medidas em prol do desenvolvimento da construção civil.

Dessa forma foram realizadas mudanças legislativas e microeconômicas conduzidas pelo Ministério da Fazenda, para proporcionar um ambiente regulatório favorável ao crescimento do crédito imobiliário. Assim, aperfeiçoou-se o instrumento do Patrimônio de Afetação nas incorporações imobiliárias e instituiu-se a regra do valor incontroverso nos questionamentos jurídicos em contratos de financiamento. Para incentivar à prática do patrimônio de afetação foi reduzida a carga tributária e os ganhos de capital originados da venda de imóveis residenciais ficaram isentos da cobrança de imposto de renda caso fosse aplicado na aquisição de outro imóvel. Abriu-se ainda a possibilidade de se usar o saldo disponível em plano de previdência privada como garantia na compra de imóveis. Não menos importante reduziu-se a carga tributária de produtos da cesta básica da construção e, portanto, seus preços.

Com a criação do Ministério das Cidades foi possível articular as reivindicações históricas dos movimentos sociais com aquelas do setor da construção, definir prioridades e, finalmente, dotar o país de uma efetiva Política Nacional de Habitação. Por sua vez, a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e a aprovação da Resolução 460 pelo Conselho Curador do FGTS favoreceram o direcionamento dos recursos ao atendimento da população de menor renda.

Foram implementadas políticas voltadas à elaboração de planos diretores, como preconiza o Estatuto da Cidade, regularização fundiária e ao atendimento das necessidades básicas da população que vive em assentamentos precários, visando a inclusão sócio-espacial e a integração dos assentamentos ao tecido urbano da cidade, de forma a efetivar o acesso e o direito a cidades sustentáveis e à moradia adequada.

Também se direcionou mais recursos da poupança para o financiamento privado. O Conselho Monetário Nacional promoveu ajustes nas regras de direcionamento obrigatório dos recursos captados em depósitos de poupança e simultaneamente, aumentou-se o volume de recursos do FGTS para o setor habitacional.

Importantes mudanças foram introduzidas na CAIXA – principal agente público para a habitação – com a criação de novos produtos, redução dos juros, aumento de prazos, aperfeiçoamento dos sistemas de risco, simplificação dos processos de contratação, aumento do volume de recursos próprios para a habitação e a realização dos “Feirões da Casa Própria”, agora também realizados pelo setor privado.

(Na continuidade iremos tratar dos resultados obtidos e dos desafios da habitação em um segundo governo Lula)

*Jorge Mattoso é professor do Instituto de Economia da UNICAMP, autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior, foi Secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo (2001-2002) e presidiu a Caixa Econômica Federal (2003-2006).
*Suely Muniz é pesquisadora do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, doutora pela Escola Politécnica da USP e ex-presidente da COHAB-SP na gestão Marta Suplicy.