A disponibilidade de crédito em condições de prazos, custos e quantidades adequadas viabiliza a ampliação do consumo e sobretudo o efetivo aproveitamento das oportunidades de investimento dos agentes econômicos. Assim, um sistema financeiro eficiente pode fornecer melhores condições para a realização de investimentos destinados a ampliar a capacidade produtiva de empresas, regiões ou países.

Inexistindo a oferta de crédito, os agentes realizam os investimentos apenas até o limite dado pelos seus fundos próprios. E isso pode restringir tanto a acumulação de capital físico quanto atrasar a trajetória tecnológica de um país, subvertendo assim o seu potencial de crescimento econômico. Portanto, qualquer nação que ambicione ingressar em uma trajetória de crescimento sustentado e ampliar sua competitividade no mercado mundial deve procurar aperfeiçoar as condições de oferta de financiamento, principalmente de longo prazo.


O crédito no Brasil

Essa é uma questão relevante no Brasil e que apenas recentemente começou a ser enfrentada. Nas décadas de 1980 e 1990, o avanço e a modernização do sistema bancário estiveram atados a uma conjuntura de financeirização, de baixo crescimento econômico e de elevados juros, bem como desvinculados de um esforço de democratização do seu acesso e de expansão do crédito para a população de menor renda e para as micro e pequenas empresas.

Ademais, a inexistência no Brasil de um sistema financeiro adequado e a necessidade da realização de investimentos estimulou ora a prática de políticas inflacionárias, ora o endividamento externo do país ou o estrangulamento na capacidade doméstica de produção. Os resultados foram crises e interrupções dos incipientes movimentos de crescimento econômico.

Apesar de o país possuir importantes bancos federais públicos voltados ao atendimento de varejo, inexistia orientação para que essas instituições desenvolvessem ações de inclusão bancária e disseminação do crédito. Por outro lado, ao longo dos anos 1990 e começo dos 2000, a constante ameaça de privatização dessas instituições (e a efetiva privatização dos bancos públicos estaduais) favoreceu o predomínio de uma outra lógica, apresentada por alguns como a única possível
O resultado geral deste processo de privatização foi que das trinta e quatro instituições bancárias públicas existentes em 1994 restaram apenas treze, das quais duas estaduais continuam sob intervenção do Banco Central. Não menos importante foi o enfraquecimento dos bancos públicos federais como BB e CAIXA e a transformação do BNDES em banco de investimento.

Esse processo fez com as operações de crédito tenha apresentado considerável queda da proporção crédito/PIB das instituições públicas. De fato, de 20,7% em janeiro de 1995, o crédito da esfera pública vis-à-vis o PIB caiu para 9% em janeiro de 2003.

O crédito no primeiro governo Lula

Desde 2003 o governo federal voltou-se à recuperação dos bancos públicos federais. Esse processo foi mais visível na CAIXA e no BNDES e visou criar as condições para um crescimento sustentado com distribuição de renda, revertendo a situação de anemia da oferta de crédito, bem como de desmonte dos bancos públicos.

Várias medidas foram implementadas com o objetivo de desenvolver e implementar condições favoráveis para a ampliação da oferta de crédito tanto para consumidores quanto para empresários de todos os portes.

Entre elas estão, por exemplo, as muitas que tiveram impacto direto no mercado de crédito habitacional (que vive hoje uma situação inusitada relativamente aos últimos dez anos: crescimento de todos indicadores) e as que beneficiaram diretamente os tomadores pessoa física, tais como a regulamentação das operações de crédito em consignação em folha de pagamento, o incentivo à criação de cooperativas de crédito e a criação da Cédula de Crédito Bancário, entre outras. Também foi importante a aprovação da nova Lei de Falências, oferecendo um maior proteção aos agentes credores de empresas em dificuldades financeiras.

Da mesma forma, o governo recuperou, fortaleceu e ampliou a capacidade de empréstimos dos bancos públicos federais, importantes fornecedores de crédito, em especial os de longo prazo. Rapidamente, e das mais diversas formas, os bancos públicos federais passaram a contribuir ativamente para a melhora da situação social e econômica do país, inclusive executando suas mais diferentes missões com cada vez maior eficiência. Entre 2002 e 2005, a CAIXA, por exemplo, aumentou em 124% suas concessões anuais de crédito comercial e, ao mesmo tempo, efetivou uma economia de R$ 1 bilhão com seu programa de racionalização de gastos e eliminação de desperdícios.

Como resultado desse esforço do governo Lula, não somente a participação dos bancos públicos federais no crédito saltou de 9% para mais de 12%, quanto a proporção de crédito bancário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) subiu de 23,6%, em janeiro de 2003, para mais de 33%, em junho de 2006. Esse avanço de quase dez pontos percentuais é expressivo e representa adicionais R$ 158 bilhões disponíveis na economia, e tem contribuído para o desempenho recente da economia brasileira, inclusive proporcionado taxas de crescimento do PIB superiores às esperadas pela maioria dos analistas. Tal fato já ocorreu em 2004 e deverá novamente ocorrer em 2006, demonstrando a necessidade de uma melhor compreensão das transformações estruturais recentes do mercado de crédito brasileiro.

Tão importante quanto a elevação da oferta de crédito são os indicadores mostrando que o aumento do crédito ocorre em sincronia com a sua democratização (com a abertura de contas simplificadas e a ampliação dos crédito consignado em folha de pagamento) e com a melhora na qualidade das carteiras dos bancos (privados e públicos). Portanto, distintamente de outros momentos da história brasileira, no período recente se observa um ciclo de expansão do crédito com democratização e sem que essa expansão ameace a solvência do sistema bancário nacional.

*Jorge Mattoso, com base em artigo de Jorge Mattoso e Marcos Vasconcelos “Para que Banco Público?”, 2006. Mattoso é professor do Instituto de Economia da UNICAMP, autor de vários livros e artigos publicados no Brasil e no exterior; ex-secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo de jan/01 a dez/02. Presidiu a Caixa Econômica Federal de jan/03 a mar/06

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