A democracia racial, a partir de 1995, tornou-se, efetivamente, um mito e o Estado brasileiro admitiu que as políticas públicas universalistas, adotadas até então, foram ineficazes na promoção da igualdade entre os brancos e negros, demonstrando que elas foram promotoras e mantenedoras de privilégios ao grupo racial branco.

Esta constatação, na área educacional, não mudou de imediato o quadro de ações para combater a desigualdade racial, pois até o ano de 2002, apenas duas ações tinham sido desenvolvidas, a primeira em 1999 publicando o livro “Superando o Racismo” do Prof. Kabenguele Munanga e a segunda, após a IIIª Conferencia Mundial de Combate ao Racismo a Discriminação Racial a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizado em Durban, África do Sul, criando o Programa Diversidade na Universidade, que promovia o acesso à Universidade apoiando financeiramente cursos preparatórios para o exame vestibular das instituições de educação superior.

A posse do Presidente Lula em 2003 introduz no Governo as reivindicações do Movimento Social Negro de formulação e adoção de políticas públicas de ação afirmativa para a equidade e combate à discriminação racial e ao racismo.

Na área educacional, as ações afirmativas foram reduzidas ao item da adoção do sistema de reserva de vagas nas instituições de educação superior e os debates se polarizaram entre os “pós” e “contras”, rompendo os muros acadêmicos, envolveram a sociedade, pautaram a mídia nacional e revelaram que a questão apresenta projetos diferenciados para o futuro da nação brasileira.

Paralelamente a esta polêmica outras ações de promoção da igualdade racial estão em andamento no cenário nacional, promovidas pela aprovação da Lei 10639/03, que alterou a Lei 9394/96 – Das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática de História e Cultura Afro-Brasileira. Com a aprovação pelo Conselho Nacional da Educação – do Parecer CNE/CP 3/2004 e da Resolução CNE/CP 1/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e da temática de História e Cultura Afro-brasileira ao ensino, foi introduzido o desafio de programar políticas de inclusão educacional, considerando as especificidades das desigualdades brasileiras e assegurando o respeito e valorização dos múltiplos contornos da diversidade étnico-racial, cultural, de gênero, social e regional.

Foram implementadas, nos últimos três anos, mais de 60 ações, nas quais se destacam a criação de uma Secretaria com o tema da diversidade; a Coordenação e Consultorias específicas para o tema da diversidade étnico-racial; a inclusão das ações afirmativas no Projeto de Reforma da Educação Superior; a criação da Comissão Técnica de Assessoramento para Assuntos Referentes aos Afro-Brasileiros – CADARA; a criação de Programa de apoio a Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros – NEABs das universidades públicas; ampliação dos programas para a reforma/construção de escolas e elaboração de material didático para as Comunidades Remanescentes de Quilombos; criação de Programas de auxílio-estudantil unindo pesquisa, ensino e extensão; Programas de Formação de Professores na temática da História e Cultura Afro-Brasileira; Produção e Distribuição de material didático-pedagógico sobre a temática étnico-racial; realização de Fóruns Estaduais de educação étnico-racial; introdução do quesito raça/cor nos Censo Escolar e nos exames do SAEB, ENEM.

Essas ações de promoção da igualdade racial, em andamento, ainda não são suficientes para diminuir as desigualdades educacionais entre a parcela da população negra e branca, pois, são programas pilotos, que carecem de dispositivos legais para a total implementação e faltam: dados estatísticos da realidade educacional da população negra; a incorporação da temática nos vários programas desenvolvidos por todas as modalidades de ensino e a institucionalização da temática para que não fique a mercê de pessoas comprometidas com a questão étnico-racial.

A superação destes impasses e a adoção de políticas públicas educacionais de grande envergadura e duradouras, dependem da aprovação dos dispositivos legais pelo Congresso Nacional do PL 73/99 e do Estatuto da Igualdade Racial; de realizar as modificações referentes à promoção da igualdade racial no Plano Nacional de Educação.

Depende também da implantação do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial e da atualização do Plano de Governo “Brasil sem Racismo” incluindo:

1. Institucionalizar as ações e programas de promoção da igualdade racial no Plano Plurianual – PPA, revertendo recursos específicos para o acesso e permanência da população negra em todos os níveis – da educação infantil ao ensino superior, considerando as modalidades de educação de jovens e adultos e a educação em áreas remanescentes de Quilombos;

2. Institucionalizar a temática étnico-racial em todos as ações e programas desenvolvidos pelo Ministério da Educação;

3. Aprimorar o diálogo com os sistemas de ensino dos governos estaduais, municipais para que as práticas e valores democráticos e anti-racistas na educação sejam superados, permitindo que a Lei 10639/03 seja cumprida nas escolas públicas e nas privadas;

4. Instituir a inclusão do critério étnico-racial na avaliação dos livros didáticos e o aspecto da Lei 10639/03 assim como das Diretrizes Curriculares em todos os níveis – da educação infantil ao ensino superior, considerando as modalidades de educação de jovens e adultos e a educação em áreas remanescentes de Quilombos;

5. Ampliar o combate às desigualdades raciais e étnicas de continuidade da escolarização;

6. Instituir a obrigatoriedade do quesito étnico-racial em todas as coletas de dados educacionais.

7. Criar políticas públicas de apoio a pesquisa científica e tecnológica sobre as relações étnico-raciais em todas as áreas do conhecimento humano.

* Deborah Silva Santos – Mestre em História Social pela PUC/SP e Consultora da UNESCO. Membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN.

`