A população negra brasileira sempre desempenhou um papel determinante em todas as fases de produção da riqueza e do desenvolvimento do país. Da tecnologia africana largamente utilizada no ciclo do ouro à expansão da atividade agrícola, da industrialização do ferro ao crescimento da atividade têxtil, da criação da cultura à constituição do acervo patrimonial e imaterial afro-brasileiro e da nossa identidade como nação, das estradas de ferro à construção das cidades, da culinária à atenção à saúde pelas comunidades religiosas de matriz africana; a população negra sempre teve os seus direitos negados pelas elites políticas, empresariais econômicas, religiosas, intelectuais e universitárias.

Todo o esforço empenhado na construção do Brasil, jamais foi suficientemente convertido em reconhecimento social e instrumento de mobilidade e desenvolvimento social e econômico. Submetida inicialmente ao processo colonial escravista, a população negra ainda se encontra sob as determinações restritivas do sistema capitalista, sobrevivendo no desemprego, em atividades de remuneração, sem acesso aos bens urbanos e culturais, afastada do ensino de qualidade e constituindo as maiorias excluídas das cidades e da cidadania.

O reconhecimento de que a pobreza atinge preferencialmente a parcela negra da população, como decorrência entre outros fatores do racismo estrutural da sociedade brasileira, aponta para a necessidade de que o Estado incorpore nas políticas publicas direcionadas à população de baixa renda, a perspectiva de que há diferenças de tratamento de oportunidades entre estes, em prejuízo para homens e mulheres negras. Embora há décadas o Movimento Negro denuncie o racismo e proponha políticas para sua superação, somente com o Governo Lula – que o Estado assume uma política articulada e contínua para a promoção da igualdade racial, através da SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

As desigualdades no Brasil, à luz de indicadores como renda, saúde, educação e expectativa de vida, são movidas pelo eixo estruturante do racismo. O universo que os dados estatísticos revelam exigem novas posturas dos (as) formuladores e gestores de políticas públicas.

Não se permitem mais projetos e ações voltados para a superação das desigualdades e da pobreza sem que neles não se perceba a questão racial, visto que a pobreza tem predominância na população negra: os negros e negras são os mais pobres dentre os pobres, de modo que as políticas de caráter universal que ignore tais diferenças de base entre os grupos raciais têm servido tão somente para perpetuar e realimentar as atuais desigualdades.

Daí a necessidade da intervenção do Estado, norteada pelos princípios da transversalidade, da participação e da descentralização, que seja capaz de tornar iguais as oportunidades para a população que há séculos trabalha para edificar o Brasil, mas que continua sendo o alvo predileto de toda sorte de mazelas, discriminações, ofensas a direitos e violência material e simbólica.

Para enfrentar essa realidade é necessário outras políticas que avance àquelas implementadas pela SEPPIR durante o Governo Lula. Entre as inumeráveis ações de promoção da igualdade racial, o Governo Lula priorizou as políticas para as comunidades quilombolas. No entanto, mesmo considerando a legitimidade histórica dessas comunidades, elas perfazem um contigente populacional pequeno em relação à população negra concentrada nos grandes centros urbanos. Urge enfrentar a realidade das periferias, vilas e favelas das regiões metropolitanas como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e da população pobre do semi-árido do Nordeste e do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais.

Para reduzir os impactos negativos das desigualdades raciais é importante priorizar as regiões metropolitanas, diminuir a violência urbana, equacionar a segurança pública, gerar expectativa de educação, trabalho e renda para a juventude negra e melhorar a qualidade de vida das mulheres negras. Nessa perspectiva, é fundamental:

1 – Aprovar a Lei de Cotas (PL 73/1999) e o Estatuto da Igualdade Racial com o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PL 3198/2000).

2 – Sustentar a contribuição obrigatória ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) as trabalhadoras domésticas, na maioria mulheres negras e, regulamentar a jornada de trabalho, o pagamento de hora – extra e a estabilidade no emprego para essas trabalhadoras.

3 – Reestruturar a SEPPIR, ampliando o seu status ministerial para Ministério de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com a ampliação da dotação orçamentária e financeira e dos recursos materiais e humanos, dotando-a de capacidade tecnopolítica e institucional.

4 – Estimular a criação de Secretarias Estaduais e Municipais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em todos os entes federativos com a missão de promover a incorporação da questão racial no âmbito da ação governamental.

5 – Implementar o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

6 – Implementar com o MEC através da SECAD, um Programa Nacional de Educação para a Igualdade Racial, com o objetivo de ampliar a aplicação dos dispositivos da Lei 10.639, sancionada pelo Presidente Lula da Silva em 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais nas escolas brasileiras e, em especial, promova a implantação de escolas em tempo integral.

7 – Implementar políticas de ações afirmativas específicas de empoderamento de grupos discriminados, com especial atenção para as mulheres e a juventude negra, e garantir o acesso e a permanência desses públicos nas diversas áreas: educação, saúde, mercado de trabalho, geração de renda, direitos humanos, cultura.

8 – Estabelecer um Pacto pela Eqüidade Racial em Saúde, nas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde, donde se estabeleça, prioritariamente metas de redução da mortalidade precoce da população negra, principalmente às relativas à mortalidade infantil, materna e de adultos jovens, estas associadas aos homicídios, que diminuem a potencialidade da população negra, pela perda de anos potenciais de vida produtiva perdidos, devendo assim, ser entendida como questão de segurança e desenvolvimento sustentado nacional.

9 – Ampliar os recursos orçamentários e financeiros do Programa Brasil Quilombola com o objetivo de elaborar o Mapa dos territórios de quilombos e de comunidades negras rurais e urbanas e com a meta de promover a demarcação, a regularização fundiária e titularidade desses territórios, conforme o Artigo 68 das Disposições Gerais e Transitórias da Constituição Federal e o Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003.

10 – Implementar ações voltadas para o desenvolvimento e a inclusão social, articuladas com diferentes órgãos governamentais que tenha impacto na qualidade de vida da população negra com a introdução do recorte racial e de gênero nos programas do governo de desenvolvimento regional, nos programas de urbanização e moradia de interesse social e no incentivo à capacitação e créditos especiais para o apoio ao empreendedor (a) negro (a).

11 – Implantar com o Ministério das Cidades e a CEF, um Programa Nacional de construção de moradias populares financiada pelo Fundo Nacional de Moradias de Interesse Social, com especial destaque para a revitalização e requalificação urbano e ambiental dos assentamentos humanos (favelas) dos grandes centros urbanos.

Enfim, desenvolvimento com promoção da igualdade racial e combate ao racismo implica que a democratização do poder e dos meios de comunicação social, a distribuição da renda, o acesso à propriedade da terra, o fortalecimento do ensino público, um programa nacional de construção de moradias para melhorar os padrões de habitabilidade da nossa população nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos e gerar emprego, bem como a segurança pública, tornam-se eixos que devem orientar a execução de políticas publicas nacionais de promoção da igualdade racial.

É impossível pensar o desenvolvimento, a promoção da igualdade racial e a superação do racismo sem que essas condições sejam garantidas para todos.

* Marcos Antonio Cardoso – Bacharel em Filosofia e Mestre em História pela UFMG, analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte e militante da CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negra e do Coletivo de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores. É autor dos livros O Movimento Negro. e Contando a História do Samba.

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