São notórias as diferenças entre o que foi proposto, em 2002, no “Programa Brasil sem Racismo”, e as ações efetivas do governo Lula após quase quatro anos de gestão. As propostas apresentadas sob a forma de metas naquele primeiro momento foram estruturadas, após a posse do presidente Lula, sob os princípios de transversalidade, descentralização e gestão democrática. Estes orientaram a Política Nacional, consolidada em 2006 no Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

A criação da Seppir seguiu os indicativos de campanha, realçando a data instituída pela ONU – “Dia Internacional contra Todas as Formas de Discriminação Racial”. Com status de ministério, este órgão tem competência de assessoramento à Presidência da República e como missão institucional a promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos afetados por discriminação e demais formas de intolerância, com ênfase na população negra.

A Seppir surgiu como resultado do processo de luta do movimento negro, acrescentando, ainda, o impulso dado pela Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT em sua relação com a constituição do governo Lula. Com isso, inaugurou-se uma ação inédita no tratamento dispensado pelo Estado brasileiro, estipulando diretrizes e metas governamentais para o enfrentamento às iniqüidades resultantes do racismo e das desigualdades raciais.

Pode-se afirmar que o grande ganho resultante desse processo foi a inclusão dessa agenda em caráter permanente nas administrações públicas de todo o país, com envolvimento dos três níveis da Federação, o que possibilitará, em médio e longo prazos, a elevação das ações ao patamar de políticas de estado e a apropriação ampla desse benefício pela sociedade.

É evidente a necessidade de tratar a questão racial em todas as áreas da política pública, com a criação de condições adequadas. Assim, a continuidade das políticas e a superação dos obstáculos para que se tornem cada vez mais efetivas e praticadas no dia a dia da administração pública requer uma análise apurada por parte o governo e da sociedade civil acerca da Seppir, considerando sua forma, conteúdo, estrutura e capacidade de articulação política e orçamento.

A política foi desenvolvida amplamente em diversos aspectos, considerando a diversidade racial e étnica (negros, indígenas, judeus, ciganos e palestinos); proposições de diferentes gerações (crianças, adolescentes, jovens e adultos); expectativas e necessidades diferenciadas entre homens e mulheres. Destacaram-se alguns programas como o ProUni, o Plano Trabalho Doméstico Cidadão – que oferece qualificação profissional e elevação de escolaridade para trabalhadoras domésticas – e a política para quilombos. Um momento muito importante foi à realização da Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que reuniu governo e sociedade civil para um debate aprofundado da questão, na qual foram apresentadas mais de mil propostas.

Articular e assumir o enfrentamento do racismo e da desigualdade racial, por meio da adoção de políticas de ação afirmativa, representam um imenso desafio para o próximo governo. As políticas de ação afirmativa e sua ampliação em todos os órgãos e empresas governamentais têm-se demonstrado o caminho mais certado para a redução das desigualdades raciais, incorporando as dimensões de raça, classe social, gênero e a presença de negros e negros na estrutura de poder do governo federal.

Para isso, é imprescindível o fortalecimento e a continuidade de tais ações, pois vivenciamos um período de implementação de quatro anos de uma gestão, diante de 506 anos de existência do país, que teve por base a negação do racismo e dos efeitos da escravização africana. A expectativa para 2006 e dos anos vindouros é que haja maior amplitude e efetivação de uma ação sistemática de políticas públicas inclusivas, em todos os âmbitos, cujo catalisador será o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

*Matilde Ribeiro é assistente social, mestre em Psicologia Social, doutoranda em Serviço Social e ministra da Seppir – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo Lula.

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