A tensão entre a inteligência filosófica de Henrique de Lima Vaz e a obra de Marx é, no plano da cultura, um dos momentos mais altos da história do diálogo entre cristãos e marxistas no Brasil. Rememorá-la é fundamental neste momento de retomada e renovação da cultura petista.

Um diálogo cristão com o marxismo crítico

A tensão entre a inteligência filosófica de Henrique de Lima Vaz e a obra de Marx é, no plano da cultura, um dos momentos mais altos da história do diálogo entre cristãos e marxistas no Brasil. Rememorá-la é fundamental neste momento de retomada e renovação da cultura petista. É possível estudar o diálogo entre a filosofia de Henrique de Lima Vaz e a obra de Marx em seis ensaios que percorrem diferentes momentos de seu vasto trabalho intelectual. O primeiro deles é “Marxismo e ontologia”, publicado nas edições I, II e III da revista Síntese Política Econômica e Social e reeditado em “Ontologia e história” – Edições Loyola, 2001. Vale como um documento importante o pequeno prefácio da obra por ele traduzida em 1963, “De Marx a Mao Tse-Tung – Introdução crítica ao marxismo-leninismo”, de H. Chambre – Livraria Duas Cidades, 1963. “Um centenário Karl Marx” e “Marx e o cristianismo” são belos e importantes ensaios editados por volta de 1983, na revista Síntese. “Sobre as fontes filosóficas do pensamento de Karl Marx” foi publicado na revista Cadernos Ensaio, de 1987, na edição especial “Marx Hoje”. Por fim, um conjunto de ensaios sobre o lugar do cristianismo na história, editados em “Escritos de filosofia-Problemas de fronteira” – Edições Loyola, 1986, retoma toda a tensão entre as duas culturas na cena contemporânea.

O diálogo de Vaz com Marx deve ser entendido, em primeiro lugar e sobretudo, como um pioneiro e poderoso antídoto contra a marxofobia, a recusa frontal e a demonização de Marx nos meios clericais católicos brasileiros. Se cristãos revolucionários e marxistas puderam se encontrar e, depois, irmanaram-se em espaços sociais e históricos comuns, isto se deve em alguma medida a este sopro de tolerância e grandeza intelectual de Vaz. Afirma ele, de modo característico, no prefácio ao livro de H. Chambre antes citado e editado na atmosfera de polarização ideológica em 1963: “O debate sobre o marxismo é um grande debate humano e cristão. Cumpre elevá-lo, ao menos nas suas formas mais sérias, acima do nível de uma subliteratura que hoje nos invade e que parece deferir a última instância a uma concepção policial e irracional da história”.

No belo ensaio “Um centenário: Karl Marx”, de 1983, Vaz identifica que a interpretação da obra de Marx havia penetrado “na região serena onde se estudam os clássicos do pensamento humano e deles se recolhem lições definitivas. Com efeito, hoje é possível imprimir sobre a obra de Marx aquele sinete de eternidade que o historiador Tucídides reivindicava para as páginas do seu livro. Ela é um ktêma eis aeí, uma aquisição da cultura humana que permanecerá para sempre. É sob este ângulo que ela não pode deixar de interessar a quem quer que medite sobre a cultura do Ocidente, não só como história documentada, mas como tradição viva. É no relevo dessa tradição que a obra de Marx alcança finalmente a sua justa eminência e a sua atualidade é indiscutível como o é a de Hegel, a de Descartes e, remontando bem mais longe no tempo, a de Platão e Aristóteles.”

Marx, para Vaz, seria um autor clássico na medida em que soube dar expressão intelectual e simbólica ao “tempo de profunda e radical transformação histórica que assistiu à passagem da economia pré-industrial para a economia da produção em escala e do mercado generalizado, dos ciclos civilizatórios regionais para a primeira civilização mundial”.

A apologia de Marx prossegue, em tom alto: “Sem esse poderoso frêmito de utopia e lirismo que sacode as melhores páginas de Marx nossa concepção do homem teria ficado mais pobre, nossa idéia da sua grandeza mais mesquinha, e menos exigentes os apelos libertários que, é preciso reconhecê-lo, foram aqueles que despertaram os ecos mais profundos na atormentada história do século XX”.

A opção crítica de Vaz se instaura, recusando dois caminhos. De um lado, refutando a linha de descendência direta entre Marx e o Gulag, traçada então pelos chamados “novos filósofos”, um dos primeiros sintomas da chamada cultura pós-moderna. “Na verdade”, diz ele, “o grande sopro humanista que atravessa a obra de Marx deveria bastar para elevar sua herança bem alto sobre as baixas e irrespiráveis planícies do totalitarismo. Marx nos ensina, com efeito, e essa será talvez a sua lição mais alta, a ler a história a partir do engendramento criador do homem por si mesmo”.

Por outro lado, recusa a dogmática em torno à obra de Marx, o qual teria “repelido de si com suprema energia” o título de “fundador de uma nova religião, de anunciador de uma nova fé”. Seria necessário, citando o italiano César Luporini, “libertar Marx do marxismo” e traçar rigorosamente as fronteiras entre marxologia, o estudo da obra de Marx, e o marxismo, a cultura formada em torno e a partir de sua obra. De fato, não se encontra na obra de Vaz um diálogo com os autores clássicos do marxismo, o que seria importante para o diálogo com a própria obra de Marx, já que esta cultura se organizou desde o início a partir de fundamentos filosóficos alternativos.

Recepção e demarcação de territórios

O ensaio “Marxismo e ontologia”, de 1959, é fundamental para nos orientar sobre o diálogo crítico de Vaz com Marx. Complementar a ele, o ensaio de 1987, “Sobre as fontes filosóficas do pensamento de Karl Marx”.

A natureza deste diálogo é, de forma eminente e essencialmente, de natureza filosófica, isto é, Vaz interroga a obra de Marx a partir dos seus pressupostos de método, de sua concepção de mundo, de sua teoria da história. Central aí o diálogo entre Marx/ Hegel: Marx é para Vaz um “hegeliano de grande classe”, querer negar a ver em Marx suas origens hegelianas, como fazem os marxistas estruturalistas e althusserianos, seria como “querer fazer de Marx, do ponto de vista intelectual, um rei de Salem bíblico, “sem pai, sem mãe, sem genealogia”. Daí concentrar-se no exame acurado do “diálogo dramático destes dois irmãos inimigos”.

Em segundo lugar, a inspiração deste diálogo é francesa, isto é, as fontes de apoio de Vaz já claramente no final dos anos 1950 apontam para a teologia de esquerda surgida naquele país, que circulava em torno da revista L’Esprit, fundada por Emmanuel Mounier. Assim, as referências fundantes aos três jesuítas da Action Populaire de Paris, Pierre Bigo, Henri Chambre e J.Y. Calvez, este último autor do volumoso estudo “O pensamento de Karl Marx”, editado em 1956.

Ora, esta recepção francesa de Marx era profundamente crítica à URSS e à tradição estalinista do marxismo, inclusive de sua filosofia dogmática, o chamado Diamat, ou seja, o materialismo dialético. O ensaio de Vaz, de 1959, insere na cultura brasileira, a partir de sua inteligência já dialetizada pelos primeiros contatos com a obra de Hegel, um grau de criticidade e rigor raros e inéditos na cultura brasileira marxista de então.

O centro da recepção crítica de Vaz à Marx, então, se nutrirá das aporias, das tensões não resolvidas, entre a dialética hegeliana e o materialismo, a partir de uma defesa da dimensão fundante da consciência na história, em geral, e da dignidade irremovível da consciência cristã, em particular. Vaz retirará da crítica à chamada inversão materialista, operada por Marx, o ponto de partida de três dimensões críticas.

Em primeiro lugar, a crítica da consciência como reflexo da realidade, que alimentava toda uma vulgata marxista. Diz ele: “Assim, a crítica do idealismo tem como resultado, para Marx, o estabelecimento de uma adequação rigorosa entre o sujeito e sua esfera objetiva, que é o mundo material. Desta maneira, toda abertura para uma transcendência do sujeito sobre o mundo fica, de partida, eliminada. A relação fundamental que liga o homem ao mundo só pode ser, então, a relação econômica de produção”.

Em segundo lugar, Vaz, já solidamente formado na filosofia clássica, localiza na obra de Marx um retorno aos temas da ontologia grega, da busca de um primeiro princípio do ser. Afirma Vaz: “Com efeito, ao afirmar que o homem, enquanto ser social e histórico, é o criador de si mesmo, ele eleva a História à altitude de um Primeiro Princípio ou de uma “arqué” no sentido de Aristóteles, princípio frontal do ser – ón – e da inteligibilidade – lógos. A História, como história da produção humana, passa a ser para Marx o que era, para Platão, o mundo das Idéias; para Aristóteles, a ousia ou Substância primeira; para Spinoza, a Substância “causa sui”; para Hegel, o Espírito. Em outras palavras, a sua concepção da História lança Marx na direção dos problemas fundamentais transmitidos pela reflexão ontológica ao longo da história da filosofia ocidental.”

Em terceiro lugar, Vaz identifica o “dualismo nunca superado, por Marx mesmo e por seus melhores intérpretes, entre o processo dialético como totalidade absoluta e o processo histórico como contingência.Isto é, entre um determinismo histórico que prevê o movimento de resolução final das contradições pela dinâmica que conduz ao socialismo e a contingência, o acaso, o relativo, a liberdade na história.

O ponto, então, de condensação de toda esta tensão na obra de Marx seria exatamente a noção de consciência revolucionária do proletariado. “Na verdade”, diz Vaz, “nenhum sujeito empírico poderá suportar o peso das atribuições ontológicas que definem, primeiro, a consciência revolucionária e, depois, a consciência comunista”. Vaz já havia anotado antes, nesta fusão entre a consciência comunista e a práxis empírica do proletariado, a “trágica ambigüidade da ação incapaz de reconhecer-se numa norma absoluta”. Isto é, incapaz de estabelecer para si imperativos éticos diante do “processo” e “ do fim”.

E conclui, categórico: “Só um “mito” poderá encarnar tais predicados contraditórios. Como admirar se, na trilha do vertiginoso curso histórico da obra de Marx, desfile um alucinante séqüito de “mitos”: da classe, do partido, da consciência revolucionária, do chefe? Tendo largado as velas ao sopro de uma rigorosa intenção de racionalidade, o marxismo vem arribar em pleno continente da mitologia social e política.”

Marxismo e cristianismo

Como qualquer um petista marxista, empenhado hoje na construção de uma cultura do socialismo democrático, pode deixar de sentir uma comoção diante da força e rigor destas palavras enunciadas a quase meio século atrás? Como dialogar hoje com elas?

Na verdade, uma resposta crítica à crítica de Vaz passaria por questionar a propriedade do rigor filosófico, em duas dimensões decisivas; uma relativa à historia intelectual de um autor e outra que diz respeito à busca de sentido na história contemporânea. Pois o excesso de rigor pode ser também uma falta de rigor.

No primeiro caso, formulada em seus próprios termos, a crítica de Vaz a Marx parece hoje irrespondível. Mas são exatamente estes próprios termos que devem ser colocados em questão. A obra de Marx foi, na maior parte do tempo, interpretada como estritamente materialista em oposição ao idealismo de Hegel. Esta interpretação encontra apoio evidente em seus escritos, em sua trajetória de formação e mesmo na auto-consciência que revelava sobre a relação entre seus escritos e um certo conceito de ciência.

Hoje, no entanto, predomina em uma vasta literatura dedicada ao estudo da obra de Marx um questionamento vivo, sistemático e fundamentado a esta interpretação considerada como unilateral. De fato, já em meados dos anos 1920, Gramsci e Lukács, sem conhecimento mútuo, fizeram críticas arrasadoras a esta interpretação em uma das suas primeiras aparições sistemáticas, sendo “O Tratado de materialismo histórico”, de Bukhárin, usado como material de formação na jovem III Internacional. E ela só se tornaria dominante na cultura do marxismo, a partir da sua cristalização no marxismo russo, a partir da intervenção de Stálin nos anos 1930 em um debate já circunscrito e sem liberdade intelectual.

O fato é que a obra de Marx é muito menos sistêmica ou sistemática do que a de Hegel e nela não comparece um fundamento filosófico estabilizado e coerentemente organizado em conceitos. Lidando, como reconhece o próprio Vaz, com três complexos culturais de fundamentos filosóficos alternativos e não sintetizáveis – a filosofia alemã hegeliana, o empirismo da economia política inglesa e a herança do racionalismo da Ilustração que comparece no socialismo francês – o campo filosófico de Marx é instável e aberto em contradições não resolvidas, que se expressam na sua teoria da política, da história, do próprio capitalismo. Pretender, assim, fazer a crítica sistemática da filosofia de Marx é exercer o erro do excesso de rigor.

Em uma outra dimensão, a das relações históricas entre marxismo e cristianismo, Vaz também parece exercer as virtudes excessivas do rigor filosófico. Elas vêm à tona no ensaio “Marxismo e cristianismo”, de 1983, e “Cristianismo e utopia”, de 1984. Nela, Vaz faz a crítica, a partir da filosofia, da Teologia da Libertação.

De um ponto de vista rigoroso, Vaz já havia formulado o juízo de que “é, pois, inteiramente vã qualquer tentativa de repensar o marxismo numa perspectiva teísta, ou de atribuir ao ateísmo em Marx um caráter acidental.” A crítica feita por Marx da religião teria ido muito além da chamada Religionskritik, tal como formulada por discípulos de Hegel como Feuerbach e Bruno Bauer: “a crítica da religião como a crítica de um imaginário projetivo cuja supressão teria como conseqüência a emancipação do homem real.” Para Marx, a polêmica anti-religiosa ainda era prisioneira de uma visão que “transformava os problemas do mundo em problemas teológicos”.

E o desafio era, ao invés, de se estabelecer a “verdade do aquém”. No ensaio “A questão judaica”, Marx define a religião como sendo “o reconhecimento do homem através de um desvio”. A superação da religião seria, então, o reconhecimento do outro sem qualquer mediação ou “desvio” na transparência de uma sociedade emancipada. Nos “Manuscritos econômico-filosóficos”, se diz que “toda imperfeição do homem é um vínculo com o céu, o lado pelo qual seu coração dá acesso ao sacerdote”. Enfim, não supressão da religião mas supressão do mundo no qual a religião é possível através de uma nova “humanidade socializada”. Ernst Bloch, para Vaz, no interior da cultura marxista, é quem teria penetrado mais profundamente no sentido dessa relação proposta por Marx “ao construir sua filosofia marxista da religião como proposição e demonstração do ateísmo no Cristianismo”.

Derivaria daí, segundo Vaz, “a razão profunda da intolerância de Marx para com toda forma de justificação religiosa do socialismo e do comunismo e, em particular, sua rejeição decidida das utopias cristãs-socialistas que repontavam na Europa na década de 1840.”

Não é menos rigorosa a crítica de Vaz, cioso da originalidade e irredutibilidade da visão de mundo cristã, aos teólogos que ambicionam algum tipo de fusão com a obra de Marx. Afirma ele, ao final do ensaio “Marx e o cristianismo”, não sem uma ponta de ironia: “Quanto tempo irá durar essa primavera marxiana da teologia? Não é fácil prevê-lo a menos que, como a primavera de Praga, ela não termine também abruptamente por um golpe de força. Como quer que seja, nesse primeiro centenário da morte de Marx continua a vicejar, e pode levar ao túmulo do grande ateu do século XIX uma coroa dessas estranhas flores teológicas que ele julgara fanadas para sempre”.

É esta busca de rigor filosófico, nos termos postos pela própria história das tradições filosóficas, que leva Vaz a ser condescendente, quase tolerante, à justificação da ação inquisidora da Igreja romana sobre os teólogos da libertação e a subdimensionar a importância desta verdadeira fusão entre cristianismo e povo brasileiro. No ensaio, “Cristianismo e utopia”, escrito certamente em tom dolorido e crispado, Vaz reconhece na sua biografia a participação na “pré-história da teologia da libertação, que vai dos fins da década de 50 , até Medellín”. Mas chega a aproximar a “Instrução sobre alguns aspectos da teologia da libertação” à condenação do catolicismo ultra-montano da Ação Francesa por Pio XI em 1926, sob a mesma proclamação da primazia do espiritual.

Provavelmente o ponto de vista de Vaz aqui está centrado na defesa da tradição cristã e seu vínculo histórico indissolúvel com o Ocidente, ameaçado por uma revisão histórica crítica de um cristianismo popular. Mas isto o faz perder de vista o essencial: a resignificação histórica do cristianismo através da cultura popular e emancipadora do povo brasileiro, enquanto sujeito histórico que está se auto-formando. Que este encontro seja marcado por um sincretismo, como aliás reconhece explicitamente Leonardo Boff em “ Igreja, carisma e poder”, não deveria surpreender quem concebe a civilização brasileira como esquina de civilizações, como culturas de gramáticas diferentes justapostas, misturadas e combinadas em sínteses inacabadas e abertas à história. Mas não seria este o ponto de vista do pensador que se colocou como missão demonstrar e atualizar, com rigor filosófico, as razões da fé cristã.

Atualidade de Vaz

Na revista Síntese, número 32, de 2005, o filósofo Paulo Eduardo Arantes em “Um depoimento sobre o padre Vaz” aponta a importância decisiva do filósofo nos momentos de sua formação como jovem militante cristão que, “em certo sentido, politicamente foi o momento mais feliz da minha vida”. Diz ele: “O caso do padre Vaz foi um caso absolutamente sui generis de intelectual público mas absolutamente clandestino, porque ninguém sabia dele: ele não falava em público, não escrevia em jornal, mas estava por detrás de um movimento social da maior envergadura.” Quando o documento-base da AP apareceu, em alternativa ao nacionalismo do ISEB e ao marxismo do PCB, “ele provocou um terremoto intelectual e político”. Das mãos de Vaz, o jovem estudante de filosofia Paulo Arantes havia recebido os Manuscritos econômico-filosóficos do jovem Marx…

Retomando o núcleo das idéias de Vaz em sua formação – uma teoria da luta das consciências pelo reconhecimento – Paulo Arantes, na palestra realizada em outubro de 2002, reconhece no movimento ascensional que levou Lula à presidência da República, sem igualá-los, a mesma “tradição radical reformista, que foi decapitada em 1964”.

E se pergunta logo em seguida: “Como marxista, o que seria este novo discurso filosófico completo que pudesse apresentar categorialmente – fazer aquilo que os alemães chamam de Darstellung, “apresentação” – o processo cujas comportas estão sendo abertas, agora, de certa maneira no Brasil? Dito de outro modo, o que uma pessoa que se inspira no pensamento do Pe. Vaz poderia pensar e fazer agora? Eu falo como marxista, embora metade dos marxistas esteja cega, mas não é desse clube que eu vim falar aqui.”

“A questão é: como uma filosofia da história poderia se formular agora no Brasil ? Se ela for formulada e vier, como ela será ? E enquanto marxista não é isso o que eu penso, mas acho que a contribuição que um discurso inspirado na obra do Pe. Vaz para pensar e construir o momento atual do Brasil – e que seria muitíssimo bem vindo – seria uma teoria da luta pelo reconhecimento, isto é, da regulação moral dos conflitos sociais. E essa teoria vai renascer também dos movimentos sociais – os movimentos sociais estão encharcados de filosofias da história implícitas, a maioria com inspiração mítico-profética, se nós quisermos. Queiramos ou não, isso é um fato. E se a gente pensar, não é isso mesmo o que está ocorrendo? O que as pessoas esperam do líder popular que foi eleito? Solidariedade, justiça, igualdade, fim da humilhação, fim do desprezo. O que é isso senão a idéia de formação do sujeito por meio da idéia do reconhecimento?”

O diálogo entre cristãos e marxistas prossegue, seja na generosidade da esperança ou na crítica amarga mas necessária da experiência. Entre uma filosofia marxista que quer inscrever um sentido socialista democrático na história e uma filosofia cristã transcendente da história que aspira revelar o sentido no caos do mundo, a síntese ainda não se formou. Algum dia se formará? Mas a obra perene de Henrique de Lima Vaz é certamente nossa companheira nesta nossa história que ainda não fomos capazes de viver.

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