Um olhar sobre o mundo
O mês de maio iniciou-se com a nacionalização do gás na Bolívia pelo governo de Evo Morales e que, fora de seu país, foi mal recebida pelo setor empresarial e por políticos da direita. Na imprensa brasileira não faltaram vozes solicitando “medidas enérgicas” e aproveitando para criticar a política externa do governo Lula. Aliás, como esta tem sido bem sucedida e possui poucos reparos a serem feitos, tentam usar a questão do gás boliviano para criticá-la.
Nacionalização do gás boliviano e outros fatos na América Latina
Eleições presidenciais no continente
Tríplice fronteira e relatório dos EUA
Realizou-se a III Cúpula União Européia – América Latina
Início de governo na Itália
Blair perdeu as eleições distritais
A geopolítica do gás
Decisão do CS em relação ao Irã
Composto o novo governo em Israel
Acordo de paz em Darfur
Mobilização reabre Parlamento no Nepal
Eleições estaduais na Índia
Primeiro de Maio no mundo
Movimento social
Diminui o “Buraco de Ozônio”
Suharto é isentado de julgamento
OMC
Nacionalização do gás boliviano e outros fatos na América Latina
O mês de maio iniciou-se com a nacionalização do gás na Bolívia pelo governo de Evo Morales e que, fora de seu país, foi mal recebida pelo setor empresarial e por políticos da direita. Na imprensa brasileira não faltaram vozes, inclusive de diplomatas aposentados, solicitando “medidas enérgicas” e aproveitando para criticar a política externa do governo Lula. Aliás, como esta tem sido bem sucedida e possui poucos reparos a serem feitos, tentam usar a questão do gás boliviano para criticá-la.
São posições parciais, pois estes mesmos críticos não questionam os países desenvolvidos quando estes adotam medidas semelhantes, como ocorreu recentemente, na França e Espanha onde os governos interferiram diretamente para assegurar que a distribuição de gás natural permanecesse sob controle, respectivamente, de empresas francesas e espanholas (Leia mais no Periscópio Internacional n° 1). Além do mais, ninguém explicitou que medidas enérgicas seriam estas.
O governo brasileiro reconheceu publicamente a medida soberana do governo boliviano, inclusive embasada em referendo realizado antes da vitória eleitoral de Evo Morales, onde a proposta de nacionalização dos hidrocarbonetos obteve 92% de votos favoráveis. O que não significa que um entendimento sobre as novas relações não sejam necessárias.
Há três questões básicas e objetivas envolvidas na questão. A concessão do gás, a extração e distribuição e o preço. O que está na medida tomada pela Bolívia diz respeito as três, mas na seguinte forma: a propriedade, bem como o controle absoluto do gás, é boliviana e os preços serão renegociados num prazo de seis meses. A extração do gás poderá ser feita por empresas estrangeiras, mas deverão entregá-lo à Yacimientos Petrolíferos y Fiscales Bolivianos (YPFB) que controlará a venda. Em caso de não haver acordo sobre os novos preços, a YPFB assumirá também a produção do gás e neste caso haverá a questão das instalações e equipamentos das empresas a ser discutido.
Do ponto de vista prático isto significa que aumenta de imediato o pagamento de royalties de 18% para 50%, além dos 32% de impostos já aprovados na nova lei de hidrocarbonetos no ano passado, perfazendo um total de 82%. A Petrobrás possui duas refinarias de petróleo na Bolívia, onde 50% do seu controle serão retomados pelo Estado. O preço a ser pago pelo gás deverá subir, pois o valor que as empresas pagam atualmente é inferior à média internacional de US$ 5.00 a unidade. No entanto é prevista uma avaliação dos custos de produção e transmissão do gás para definir o novo preço.
Em tese, não deveria ser tão difícil chegar a um acordo diante da boa vontade manifestada pelo governo Lula e pela importância que teria o mercado brasileiro para a venda de gás boliviano.
No entanto, poderá não ser assim, diante da forma como as autoridades bolivianas têm se referido ao assunto, mesmo depois da reunião de Lula, Kirchner, Morales e Chavez em Puerto Iguazu que definiu uma série de encaminhamentos para a negociação e para a futura integração energética na América do Sul. Porém, após as declarações infelizes de Evo Morales em Viena sobre a Petrobrás, houve novas conversações diretas entre ele e Lula, bem como com Zapatero, primeiro-ministro espanhol por conta do envolvimento da empresa espanhola Repsol no processo.
A Bolívia acabou de aderir à Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e assinou um acordo comercial com a Venezuela e Cuba no marco do Tratado de Comércio dos Povos proposto pelo governo boliviano que, além da troca de bens e serviços, como o serviço de médicos e professores cubanos na Venezuela por petróleo e outros produtos, possibilitará a compra de soja boliviana pelo governo Chavez. É ainda um tratado que pretende se diferenciar de outros processos do ponto de vista político e ideológico, pois possibilita também que organizações sociais de diferentes países possam promover relações de comércio e parece ser esta a opção preferencial das relações externas do governo de Evo Morales.
É compreensível que Evo Morales aplique um discurso nacionalista forte, inclusive porque seria importante que seu partido, o Movimiento Al Socialismo (MAS), consiga eleger mais de dois terços dos deputados constituintes em julho próximo para poder avançar com as reformas que prometeu e que são mais sensíveis na área política, principalmente no que tange à descentralização administrativa e autonomia regional.
Neste debate e a discussão sobre a política econômica, o novo governo boliviano não enfrenta apenas as posições da elite e dos partidos de direita no país, mas também uma oposição pela esquerda da Confederación Obrera Boliviana (COB) e do Movimento Indígena Pachakuti (MIP) liderado por Felipe Quispe. Tampouco faltam as afirmações de intelectuais estrangeiros como James Petras de que Evo Morales é “mais um governo neoliberal de esquerda” pela forma moderada com que está tratando a estatização do petróleo e do gás.
É importante que Evo e o MAS se saiam bem deste debate, mas é fundamental que compreendam que também teremos eleições no Brasil este ano e que o futuro político dos atuais governantes na região está entrelaçado.
É a primeira vez na história que temos um expressivo número de governos progressistas no continente e seria lamentável que desta vez não se consiga avançar na sua integração do ponto de vista político, energético, estrutural, econômico e social. Igualmente lamentável seria se no episódio do gás, a intenção seja somente substituir a Petrobrás pela PdVSA.
A Venezuela ingressou no Mercosul no ano passado e acabou de anunciar sua saída da Comunidade Andina de Nações (CAN) ao mesmo tempo em que os presidentes da Colômbia e do Peru assinaram acordos bilaterais de livre comércio com os Estados Unidos.
Estes três fatos representam politicamente o fim da CAN enquanto um bloco de integração sub-regional e há que se ver o efeito sobre o comércio na região. Este já estava em crise com a redução do valor das trocas, principalmente, entre Colômbia e Venezuela ao longo dos últimos anos. (Leia mais na “Adios a la CAN”).
Este quadro confere maior importância ao Mercosul e uma possível evolução em direção a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), pois Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela já são membros e Bolívia, Chile e Peru são Estados associados. Esta composição representa um espaço onde todos os governos progressistas eleitos desde o final dos anos 1990 participam.
No entanto, se cada um jogar somente para sua respectiva torcida, este projeto não irá adiante. O conflito Argentina x Uruguai prossegue com o primeiro realizando manifestações do seu lado da fronteira em Gualeguaychu e apresentando uma reclamação no Tribunal de Haia, enquanto setores do governo uruguaio cogitam assinar um tratado bilateral com os EUA, o que não teriam condições políticas internas para fazer, pois um acordo destes não seria diferente dos ora assinados pela Colômbia e Peru. (Leia mais: “Uruguay negocia tratado comercial com EEUU”, “Clarín.com” ou “Agência Púlsar”).
Desta forma, o quadro atual não é muito animador no tocante ao progresso da integração sul-americana ou regional, mas possivelmente possa haver avanços após as conclusões das eleições governamentais este ano em vários países do continente.
Eleições presidenciais no continente
Confirmou-se o que havíamos anunciado. O segundo turno das eleições presidenciais no Peru no dia 4 de junho será disputado entre os candidatos Ollanta Humala pela coalizão Unión por el Peru e Alan Garcia pela APRA. Este último iniciou sua campanha na dianteira e deverá conquistar a maioria dos votos da candidata derrotada da direita Lourdes Flores.
A composição do congresso peruano já está definida. A Unión por el Peru alcançou 36% das vagas e a APRA, em torno de 30%. O restante ficou com a coalizão de Lourdes Flores e outros partidos menores que ultrapassaram a barreira de 4% dos votos.
Para a esquerda tradicional, PCP, Pátria Roja e PSP, o resultado foi desastroso. Todos juntos, chegaram a 1,5% dos votos. A coalizão onde estava o PCP obteve 0,3%. Provavelmente ainda é o efeito da década de 1990, onde estiveram espremidos entre o governo Fujimori à direita e os grupos guerrilheiros do Sendero Luminoso e Tupac Amaru à esquerda sem conseguir construir uma alternativa.
A probabilidade de vitória é de Alan Garcia, o que representa um passo adiante em relação ao governo atual, pois apesar de todas as crises do seu primeiro mandato presidencial ninguém pode classificá-lo de ter sido neoliberal ou conservador daquela vez. (Leia mais: “Peru: Segunda vuelta electoral com prognostico reservado”).
A imprensa conservadora, mexicana e a internacional, publicaram com alarde o resultado de pesquisas eleitorais onde o candidato presidencial da situação PAN, Felipe Calderón teria passado à frente do candidato do PRD, Manoel Lopez Obrador, enquanto o candidato do PRI Rodrigo Madrazo permanece distante dos dois, em terceiro lugar.
De acordo com outras fontes, estas pesquisas não são confiáveis. No entanto, é verdade que a campanha de Lopez Obrador perdeu seu ímpeto inicial que o havia deixado em primeiro lugar e distante dos demais candidatos desde o início. As razões para isto seriam várias.
Em primeiro lugar uma campanha suja e virulenta dos apoiadores do candidato do PAN, por intermédio dos meios de comunicação que, como no Brasil, em geral também fazem campanha descarada para a direita. Apesar do candidato do PRD ter aceitado de antemão participar do segundo debate televisivo entre os candidatos e não do primeiro, que se realizou há pouco, a sua ausência foi criticada pela mídia como “medo” de pôr em risco o seu favoritismo e uma cadeira vazia deixada para Lopez Obrador, ao lado dos outros debatedores, relembrava isto em todo momento. Além disso, nos dias seguintes foi anunciado aos quatro ventos que Calderón vencera o debate.
Um outro fator é a mobilização por todo o país promovida pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o subcomandante Marcos que agora está na capital. Esta é uma marcha nacional chamada La otra campaña. A intenção deste movimento é aproveitar a campanha eleitoral para chamar a atenção para os problemas econômicos e sociais do México, porém criticando os três candidatos principais, em particular a Lopez Obrador.
O terceiro problema, a ser enfrentado pelo candidato do PRD é a cartada do medo que o governo federal de Vicente Fox está jogando, aproveitando-se, inclusive do papel que o EZLN está jogando. Há algum tempo houve uma mobilização vitoriosa de uma comunidade rural em San Salvador Artenco nos arredores da Cidade do México que conseguiu evitar a desapropriação de suas terras para a construção de um novo aeroporto internacional.
Estes camponeses se identificam com o EZLN e ao apoiar a luta de um grupo de vendedores ambulantes de flores que trabalham próximos à comunidade, foram todos violentamente reprimidos, ocorrendo 190 prisões e dois manifestantes encontram-se internados numa UTI em estado grave. Da mesma forma, houve violenta repressão policial a uma greve numa siderurgia no estado de Michoacan com o uso de armas de fogo e dois trabalhadores foram mortos. O PRD acusa o EZLN de terem provocado os conflitos propositalmente, enquanto os zapatistas acusam o PRD de ter “lavado as mãos” diante da repressão.
Enquanto isto, o objetivo do governo de Fox para favorecer o seu candidato é criar um clima de medo de modo que a população assuma a percepção que há ligações entre as mobilizações do EZLN e Lopez Obrador e que as manifestações e a violência irão aumentar se ele for o vencedor. No entanto, muita coisa ainda pode acontecer, pois falta mais de um mês para as eleições. (Leia mais).
Tríplice fronteira e relatório dos EUA
Já havíamos chamado a atenção para este assunto no Periscópio n° 2 quando comentamos o depoimento de um assessor do Departamento de Estado dos EUA a parlamentares americanos sobre as iniciativas do seu país junto a Argentina, Brasil e Paraguai para controlar possíveis arrecadações de recursos na Tríplice Fronteira em apoio ao Hamas palestino e ao Hezbollah Libanês, apesar de não haver indícios da presença de representantes destes grupos por ali, o que o próprio governo americano reconhece.
Agora saiu o relatório anual de avaliação do Departamento sobre atividades terroristas no mundo e mesmo assim ele conclui que o governo brasileiro “condena vigorosamente o terrorismo, mas não provê o suporte material e político necessário para fortalecer as instituições anti-terror”, embora elogie o aperfeiçoamento do banco de dados do COAF, “com ajuda americana”, como um instrumento importante para combater lavagem de dinheiro e, ao mesmo tempo critique o fato de o Brasil reconhecer o Hamas e o Hezbollah como partidos políticos.
O que o governo americano requer é que todos os governos do mundo modifiquem sua legislação para adaptá-la às regras de segurança nacional que este adotou depois do atentado de 11 de setembro e que foi seguido por muitos de seus aliados mais ou menos incondicionais, como a Inglaterra, por exemplo.
Durante a guerra fria, a “doutrina de segurança nacional” nascida nos EUA era a justificativa para sua presença política e militar na América Latina, bem como para apoiar e estreitar as relações com os governos da época, em sua maioria militares. Hoje, é a sua nova política de “segurança nacional” contra o terrorismo e tráfico de drogas que serve de justificativa para ampliar sua presença militar e policial no continente, incluindo as recentes negociações com o Paraguai que possibilitarão a instalação de uma base militar em Mariscal Estigarribia, onde no ano passado desembarcaram 500 soldados americanos para realizar exercícios conjuntos com o exército paraguaio.
Realizou-se a III Cúpula União Européia – América Latina
Esta ocorreu nos dias 11 e 12 em Viena, capital da Áustria. Suas resoluções foram genéricas e trataram de assuntos que vão desde as drogas até a emigração, basicamente reafirmando os acordos já existentes.
Quem teve maior atenção da imprensa foi Evo Morales devido à nacionalização do gás boliviano, que além da Petrobras afeta também algumas empresas européias, e pelas expectativas em relação ao futuro das relações da Bolívia com a Europa.
Apesar da saída da Venezuela da CAN, o presidente do Peru, Alejandro Toledo, conseguiu que a resolução incluísse uma moção de apoio à Comunidade Andina de Nações e o presidente Fox do México discursou criticando a estatização e elogiando a economia de mercado. (Leia a íntegra da resolução).
Início de governo na Itália
Após uma disputa eleitoral dramática contra o premier Berlusconi, vencida por Romano Prodi pela coalizão L’Unione na Itália, chegou a hora de eleger os presidentes das duas casas legislativas, a Câmara e o Senado, bem como o Presidente da República. Para presidir a Câmara foi eleito o presidente do partido da Rifundazione Comunista, Fausto Bertinotti e para o Senado, o ex-secretário geral da CISL (uma das centrais sindicais italianas), Franco Marini, por um partido oriundo da antiga democracia cristã. Esta se desmantelou como o maior partido da Itália no final dos anos 1990 após a descoberta pela “Operação Mãos Limpas” que vários de seus líderes estavam envolvidos com corrupção.
O novo presidente da Itália é Giorgio Napolitano, de 81 anos e originário do antigo PCI e depois da Democratici de Sinistra (Democracia de Esquerda). Até então, era senador vitalício. Massimo D’Alema, um dos líderes da “Democratici” e que havia disputado a indicação para candidato a primeiro-ministro com Prodi antes das eleições, foi indicado para ser vice-presidente e ministro das Relações Exteriores.
Para conseguir a maioria necessária de votos para eleger Marini, foram necessárias várias votações, o que demonstra a delicada correlação de forças resultante das eleições. Com o término definitivo da contagem de votos advindos, pela primeira vez, do exterior, confirmou-se a eleição de um senador ítalo-brasileiro, Edoardo Pollastri, que é presidente da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria.
Uma das primeiras medidas anunciadas pelo novo governo foi a retirada dos 2.600 soldados italianos do Iraque e acaba de conseguir os votos necessários no congresso para aprovar o ministério.
Blair perdeu as eleições distritais
O partido trabalhista (Labor) de Tony Blair sofreu uma derrota fragorosa nas eleições municipais no dia 5 de maio. O partido conservador (Tories) alcançou 40% dos votos, contra 26% dos trabalhistas e em torno de 30% para o partido liberal (Whigs).
Na Inglaterra não há prefeitos eleitos diretamente pela população, salvo na capital, Londres. O país é dividido por distritos que elegem seus deputados, que por sua vez escolhem os administradores municipais.
Se este resultado se repetir nas próximas eleições parlamentares previstas para ocorrer no ano que vem, os conservadores voltarão ao poder. Após o resultado da última eleição parlamentar, quando os trabalhistas ganharam por pequena diferença, Blair anunciou que este seria seu último mandato. Se mantiver esta posição, o seu sucessor na direção do partido poderá ser o atual ministro das finanças, Gordon Brown.
Após o resultado, vários ministros foram substituídos. Causou surpresa a saída do ministro do exterior Jack Straw, mas algumas avaliações explicam sua volta ao parlamento pelo fato de ter declarado enfaticamente que uma ação militar contra o Irã seria impensável e que esta não seria a opinião de Blair que estaria mais disposto a acompanhar a posição norte americana como fez quando do ataque ao Iraque (Leia mais no Financial Times e na BBC).
A geopolítica do gás
Não é somente na América do Sul que o debate sobre a exploração de gás natural tem sido acirrado. Com o preço do petróleo cada vez mais alto devido à especulação, o gás tornou-se a energia alternativa mais viável a médio prazo. O problema é que 43,4% das reservas conhecidas estão na Rússia (27,8%) e no Irã (15,6%).
Um quarto do gás que a Europa Ocidental consome vem da Rússia e 80% dele é canalizado por um gasoduto que atravessa a Ucrânia. Como estes dois países estão em conflito desde as últimas eleições presidenciais ucranianas, a Rússia recentemente aumentou o preço do produto para prejudicá-la e anunciou a construção de um novo gasoduto para a Europa que não passará por este país. A Ucrânia, por sua vez, decidiu suspender suas compras. As duas iniciativas prejudicaram a Europa. (Leia mais no “El Pais” de 16/05/2006).
O governo Putin tem constantemente usado a interrupção do fornecimento de gás para conter os vizinhos, como a Geórgia, que questionam suas políticas e tem investido sobremaneira na construção de gasodutos para os países onde querem manter alguma influência, como a Turquia, por exemplo.
Existe uma ofensiva dos EUA e da União Européia para tentar reduzir o atual poder da Rússia que se tornou menos dependente do apoio ocidental com o bom desempenho de sua economia nos últimos anos devido, principalmente, aos seus recursos naturais.
Por exemplo, a UE condicionou a candidatura da Sérvia para ingressar na União Européia à detenção e entrega do general Mladik acusado de genocídio na Bósnia durante o conflito nos Bálcãs. A Rússia e a China foram os poucos aliados da Sérvia naquele momento e é por isso que a União Européia está fazendo esforços para que os países da ex-Iugoslávia entrem para a União Européia também.
O vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, fez um discurso durante um evento na Lituânia acusando a Rússia de regredir na democracia, ameaçar a integridade territorial de seus vizinhos e usar o petróleo e gás como instrumentos de intimidação e chantagem. Posteriormente o Departamento de Estado classificou sua intervenção como correta e adequada.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos começaram a pressionar a Índia a não construir o gasoduto que lhe possibilitaria acessar o gás advindo do Irã. Isto ajuda a explicar a contradição do acordo que fizeram para que a Índia possa construir mais usinas nucleares (Ver Periscópio Internacional n° 1).
Putin não respondeu imediatamente à provocação americana, mas a avaliação é que sua reação será a assinatura de um acordo de fornecimento de gás para a China. Aliás, a tendência dos cinco países que têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU em relação às grandes questões mundiais será de bipolaridade no curto prazo entre EUA, Inglaterra e França de um lado e China e Rússia do outro. É aguardar para ver se isto se confirma quando a questão do enriquecimento do urânio iraniano vier para discussão. (Leia mais).
Decisão do CS em relação ao Irã
Ainda encontra-se em discussão entre os integrantes do Conselho de Segurança da ONU, uma resolução sobre o programa nuclear do Irã. Há interesse das grandes potências que este país não venha a dominar a tecnologia de enriquecimento de urânio.
O Irã é signatário do tratado de não-proliferação de armas nucleares e, portanto, passível de receber inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A justificativa pela pressão dos EUA e União Européia contra o seu programa, é o fato de ter sido descoberto a poucos anos pela AIEA que os iranianos desenvolviam um programa nuclear paralelo e secreto, mas que foi interrompido na ocasião. Há poucos meses, no entanto, foi retomado sob a afirmativa de ser um programa com fins pacíficos.
A União Européia acabou de oferecer um pacote de investimentos econômicos e também um reator de “água leve” que permitiria enriquecer urânio a percentuais baixos, mas suficientes para a geração de energia que é a justificativa para o Irã desenvolver o seu programa. A proposta foi rejeitada pelo governo iraniano que tem utilizado o debate para mobilizar os sentimentos nacionalistas da população, seja em apoio ao programa nacional de energia atômica, seja em oposição à interferência estrangeira.
Existem justificativas para as preocupações iranianas do ponto de vista da segurança uma vez que vários de seus vizinhos, como Índia, Paquistão, Israel e Rússia possuem arsenais nucleares.
Porém, tudo indica que manter a tecnologia do enriquecimento de urânio na mão de poucos, seja ainda a maior razão pela pressão, pois com o alto preço do petróleo, a energia nuclear volta a ser uma das fontes alternativas de energia na Europa, apesar do seu alto custo e riscos para o meio ambiente. O primeiro ministro Tony Blair na Inglaterra acabou de anunciar a renovação dos reatores nucleares na Inglaterra até 2025, quando serão responsáveis por até 20% da geração de eletricidade no país.
Não há acordo entre as grandes potências que o Irã, além de deter reservas enormes de petróleo e gás natural, tenha também acesso à energia nuclear e, quem sabe, no futuro às armas também. Esta é também a visão da Rússia, mas nem ela e nem a China concordam em utilizar pressões econômicas ou militares defendidas pelos EUA e UE para mudar a política iraniana. (Leia mais).
Composto o novo governo em Israel
O líder do partido majoritário no parlamento israelense e primeiro ministro Ehud Olmert, concluiu a montagem de seu governo por meio da composição de quatro partidos. Esta coalizão, além de seu próprio partido, Kadima, com 29 assentos, inclui os trabalhistas que obtiveram 20, o partido religioso Shas com 12 e o partido dos aposentados que elegeu 7 deputados, dando-lhe o apoio de 68 deputados num total de 120.
A grande surpresa nesta composição foi o fato de Amir Peretz, o líder do Partido Trabalhista, assumir o cargo de ministro da defesa, pois a sua campanha tinha sido muito mais com base nos problemas econômicos e sociais que hoje afligem Israel do que em assuntos ligados à segurança e defesa. Alguns avaliam que com este passo ele pensou mais na sua própria promoção política do que em fortalecer o partido. Outros avaliam que devido ao caráter agressivo do plano do Kadima para redefinir as fronteiras do país, será importante tê-lo neste cargo para ajudar a contemporizar.
A proposta principal na campanha do Kadima foi a fixação unilateral das fronteiras de Israel com a Palestina, o que significaria incorporar definitivamente ao seu território, uma parte expressiva da Cisjordânia onde se encontram as colônias israelenses mais populosas e também a totalidade da cidade de Jerusalém. Olmert definiu um prazo de seis meses antes de levar a proposta adiante para que haja possíveis negociações com os palestinos e também porque algumas colônias menores teriam que ser removidas do território que ele pretende deixar para a Palestina. (Leia mais).
Embora tenha o apoio do governo Bush para levar este plano adiante, ele representa mais um desrespeito às resoluções da ONU que implicam em retornar às fronteiras de 1967 e os palestinos tampouco concordarão com estes termos.
Por sua vez, personalidades conhecidas do Al Fatah e do Hamas, que se encontram numa prisão israelense lançaram uma proposta conjunta do que seria uma proposta para constituir o Estado palestino a partir das fronteiras de 1967 e que os palestinos deveriam focalizar a resistência nesta área.
Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, está de acordo com a iniciativa, mas um porta-voz do Hamas a rejeitou alegando que um dos princípios do grupo é o não reconhecimento de Israel.
Olmert, por sua vez, declarou que não negocia com o Hamas enquanto mantiver esta posição e para pressioná-lo ainda mais, a empresa israelense que vende combustíveis para a Faixa de Gaza suspendeu o fornecimento. Esta medida soma-se à retenção dos impostos coletados por Israel e devidos à Palestina, há dois meses, além da suspensão da ajuda dos EUA e União Européia. A falta de recursos já está gerando um enorme problema social (Leia mais no The New York Times).
Acordo de paz em Darfur
Darfur é uma região do Sudão ocidental que faz fronteira com o Chade e onde há um conflito armado entre diferentes grupos políticos e étnicos que causou a morte de mais de 200.000 pessoas e transformaram cerca de dois milhões de sudaneses em refugiados, ao longo dos últimos anos. Esta situação causou comoção mundial e incentivou diversos artistas e personalidades a se engajarem numa campanha humanitária para arrecadar assistência aos refugiados e reivindicar negociações de paz.
As razões deste conflito misturam a luta pela autonomia da região com diferenças étnicas e religiosas, além das diferenças entre Chade e Sudão. Há quatro grupos operando em Darfur, três compostos por rebeldes das etnias Fur, Zagauas e Masalit e um composto por milicianos governamentais, chamados Yanauid. Pelo acordo, o principal grupo rebelde, o Exército de Libertação do Sudão (SLA em sua sigla em inglês) será incorporado ao exército sudanês, os milicianos Yanauid serão dissolvidos, um montante de US$ 300 milhões serão investidos na região e os refugiados receberão algum tipo de compensação por suas perdas. No entanto, os outros dois grupos rebeldes menores, não reconhecem o acordo e declararam que continuarão lutando até alcançar a total autonomia da região. (Leia mais).
Este não é o primeiro conflito neste país. O Sudão foi dominado pela Inglaterra e Egito a partir de 1899 e se tornou independente em 1956. Desde 1969 é governado por sucessivas ditaduras militares. Em 1970 irrompeu uma guerrilha no sul do país com base em grupos étnicos desta região e que posteriormente se transformou no Movimento Popular de Libertação do Sudão (SPLM) que reivindicava autonomia e um programa socialista.
Esta guerra durou até a assinatura de um acordo de paz entre o governo central e as principais facções guerrilheiras em janeiro de 2005. Da mesma forma, morreram milhares de pessoas e, somente no ano 1998 havia quatro milhões de refugiados numa população total do país de 28 milhões.
As razões para estes dois conflitos que se parecem, são muitos, mas tudo indica que a centralização de poder, a vinculação entre Estado e religião (islamismo), péssimas relações com alguns países vizinhos e a ausência de democracia num país de larga extensão, pobre e com diferentes etnias e religiões são fatos suficientes para explicar o ocorrido e apontar as possíveis soluções para além dos acordos de paz.
Mobilização reabre Parlamento no Nepal
As várias semanas de manifestações no país e uma greve geral de cinco dias obrigaram o rei Gyanendra recuar e reabrir o parlamento do Nepal, além de autorizar o funcionamento dos partidos políticos. Estas medidas acalmaram a situação embora o Partido Comunista do Nepal de orientação maoísta prossiga com a luta armada. A repressão policial à mobilização causou 14 mortes. (Leia mais na CBC e no NY Times).
Eleições estaduais na Índia
Há dois anos o Partido do Congresso retornou ao poder na Índia numa coalizão chamada Aliança Progressista Unida com outros 23 partidos, onde o principal e decisivo é o Partido Comunista da Índia (Marxista) – CPI(M). Na eleição ocorrida em 10 de maio em cinco estados indianos – Assam, Bengala Ocidental, Kerala, Pondicherry e Tamil Nadu -, o CPI(M) foi reeleito pela sétima vez em Bengala Ocidental que governa ininterruptamente desde 1977 e conquistou o governo de Kerala, deslocando o Partido do Congresso.
Este último foi mal nas eleições, mas a Aliança foi bem e com este resultado, o CPI(M) se fortaleceu no interior da coalizão podendo cobrar mais do Partido do Congresso para ajudá-lo a manter o poder no nível federal.
Primeiro de Maio no mundo
A mobilização dos imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos no dia 1º de maio foi um grande sucesso com milhares de participantes faltando ao trabalho e participando de manifestações em várias cidades e localidades do país, apesar do Dia do Trabalho não ser celebrado nos EUA nesta data, mesmo que os fatos que ocorreram em Chicago no século XIX representem o motivo para a celebração nesta data.
A comemoração do 1º de maio no México foi denominada Un dia sin gringos em apoio aos imigrantes nos EUA e chegou a reunir numa passeata mais de 200.000 pessoas segundo o presidente da Unión Nacional de Trabajadores (UNT) e do Sindicato dos Telefônicos do México, Francisco Hernández Juarez. Também houve celebrações representativas no dia 1º de maio em outros países como Indonésia, Brasil e Cuba. (Leia mais: “Labor’s May Day call from both sides on the border”).
Na segunda semana de maio terminou o recesso de Senado norte-americano e foi retomada a proposta alternativa à Lei Sensenbrenner – King (Ver Periscópio n° 2) para regularizar a situação da maioria dos imigrantes. Esta tem o apoio de Bush, mas não se sabe ainda se a Câmara estará disposta a rever o que votou.
No entanto, se houver acordo na Câmara, este seguramente manterá a construção de uma cerca de 1.200 quilômetros ao longo da fronteira com o México, que tem um total de 3.200 quilômetros de extensão. Além disto, já foi anunciada por Bush a incorporação de mais 8.000 agentes às patrulhas que atualmente atuam na fronteira, bem como a implantação de novas tecnologias e equipamentos para detectar as tentativas de ultrapassá-la fora dos locais de controle normal.
Movimento social
O Fórum Social Europeu realizou-se pela quarta vez entre os dias 5 e 6 de maio em Atenas na Grécia. Também ocorreu o evento paralelo à Cúpula da União Européia, Enlaçando Alternativas 2 em Viena.
Durante este evento alternativo houve workshops e seminários sobre diversos temas ligados à globalização, bem como uma sessão do Tribunal Permanente dos Povos para julgar os abusos que empresas multinacionais vêm cometendo na América Latina em relação aos recursos naturais, direitos trabalhistas, água, energia e outros.
Diminui o “Buraco de Ozônio”
Cientistas anunciaram que a camada de ozônio da terra vem se recuperando lentamente graças ao Protocolo de Montreal de 1987 que baniu o uso de CFC (Clorofluorcarbonos) presentes em gás de geladeira e sprays mais antigos, além do pesticida brometo de metila e os halons. Este último é usado em extintores de incêndio.
O Protocolo já foi ratificado por 180 países e demonstra que quando há vontade política, um problema mundial desta envergadura pode ser enfrentado e, portanto, o efeito estufa também pode por meio da ratificação do Protocolo de Kyoto, coisa que o governo Bush continua se recusando a fazer (Leia mais no Estado de S.Paulo de 4/5/2006).
Suharto é isentado de julgamento
O promotor-geral da Indonésia decidiu retirar as acusações de corrupção contra o ex-presidente Suharto da Indonésia sob a justificativa de sua idade avançada de 84 anos e estado de saúde deteriorado.
Este general assumiu o poder no país em 1965 por meio de um sangrento golpe militar que derrubou o governo nacionalista de Ahmed Sukarno. Este era apoiado pelo PC indonésio, o maior da Ásia naquela época depois da China. O golpe deixou um saldo de 700.000 mortos e 200.000 prisioneiros políticos, além de mais 300.000 timorenses mortos após 1975 quando Suharto decidiu ocupar a ilha depois da saída dos colonizadores portugueses.
Além de responsável por estes assassinatos, Suharto e seus familiares tornaram-se conhecidos como a maior “cleptocracia” do mundo ao receberem propinas e desvios de recursos públicos da ordem de US$ 35 bilhões.
OMC
Como previsto, as negociações na OMC que tinham prazo para terminar em abril, a partir dos encaminhamentos da V Conferência em Hong Kong, não deram em nada e foi acertado um novo prazo informal para o final de junho. Porém, é avaliação corrente que, dificilmente haverá um conjunto de propostas que permita alcançar um acordo.
Se isto ocorrer, poderá ser definido um novo prazo até o final do ano ou no limite para o início de 2007. Caso, ainda assim não haja algo substantivo, a Rodada de Doha estará definitivamente enterrada porque se inicia o processo eleitoral para a presidência da França e extingue-se o mandato do atual Trade Promotion Authority (TPA) americano que dificilmente será renovado para favorecer a redução de subsídios agrícolas domésticos nos EUA, um dos problemas para se chegar a um acordo hoje.