Como explicar as grandes dificuldades da candidatura Alckmin‭? ‬Mais do que refletir impasses eleitorais estratégicos,‭ ‬elas parecem ter raiz em um amplo processo de deslegitimação do projeto neoliberal para o país frente ao que poderíamos chamar de uma expansão da identidade popular. Assim como o amplo favoritismo pode ser um fator de desestabilização emocional da seleção brasileira na Copa do Mundo,‭ ‬levando a superestimar sua capacidade e subestimar a força dos adversários,‭ ‬as posições hoje‭ ‬inequivocamente‭ ‬bastante propícias à reeleição de Lula‭ ‬para a presidência do país podem turvar a visão das dificuldades ainda por superar até outubro.‭ ‬

alckimin Como explicar as grandes dificuldades da candidatura Alckmin‭? ‬Mais do que refletir impasses eleitorais estratégicos,‭ ‬elas parecem ter raiz em um amplo processo de deslegitimação do projeto neoliberal para o país frente ao que poderíamos chamar de uma expansão da identidade popular.

Assim como o amplo favoritismo pode ser um fator de desestabilização emocional da seleção brasileira na Copa do Mundo,‭ ‬levando a superestimar sua capacidade e subestimar a força dos adversários,‭ ‬as posições hoje‭ ‬inequivocamente‭ ‬bastante propícias à reeleição de Lula‭ ‬para a presidência do país podem turvar a visão das dificuldades ainda por superar até outubro.‭ ‬Por isso,‭ ‬trata-se de apurar a capacidade analítica para o fenômeno histórico que está em curso.

Neste final de maio,‭ ‬quatro pesquisas‭ – ‬Datafolha,‭ ‬CNT/‭ ‬Sensus,‭ ‬Ibope e Vox Populi‭ – ‬indicaram a possibilidade de vitória de Lula já no primeiro turno,‭ ‬no cenário praticamente certo de não lançamento de uma candidatura própria do PMDB e do PPS.‭ ‬Esta hipótese se configuraria mesmo na hipótese destas duas candidaturas.‭ ‬Na pesquisa do Ibope,‭ ‬por exemplo,‭ ‬Lula teria cerca de‭ ‬63%‭ ‬dos votos válidos contra‭ ‬24%‭ ‬de Alckmin.‭ ‬A Vox Populi indica‭ ‬60%‭ ‬dos votos válidos para Lula.‭ ‬Nestas duas pesquisas,‭ ‬Lula chega a‭ ‬48%‭ ‬ou‭ ‬49%‭ ‬no primeiro turno.‭

A posição indicada por estas duas últimas pesquisas incorpora,‭ ‬de algum modo,‭ ‬os efeitos favoráveis da propaganda eleitoral gratuita do PT na TV e rádios e o desgaste sofrido pela candidatura Alckmin frente à onda de violência que paralisou São Paulo por alguns dias no mês de maio.‭ ‬Neste mês de junho,‭ ‬vão ao ar‭ ‬de inserções do PSDB e PFL,‭ ‬podendo ter‭ ‬algum efeito sobre os índices apurados em favor da candidatura Alckmin.‭

As pesquisas continuam exibindo a mesma estrutura de votação antes aferida em pesquisas anteriores.‭ ‬Do ponto de vista social:‭ ‬são pirâmides invertidas,‭ ‬com Lula crescendo à medida em que se desce na escala de rendimentos e instrução e Alckmin aumentando à medida em que se sobe nesta escala.‭ ‬A pesquisa Ibope,‭ ‬por exemplo,‭ ‬revela que Alckmin tem‭ ‬34%‭ ‬das intenções de voto contra‭ ‬28%‭ ‬de Lula entre os eleitores com nível universitário.‭ ‬Alckmin bate Lula com‭ ‬39%‭ ‬a‭ ‬35%‭ ‬entre os brasileiros que ganham mais de dez salários mínimos,‭ ‬na pesquisa Vox Populi.‭ ‬Do ponto de vista geográfico:‭ ‬a distância entre Lula e Alckmin vai a‭ ‬55%‭ ‬no Nordeste,‭ ‬cai a‭ ‬10%‭ ‬no Sudeste‭ (‬em grande medida,‭ ‬devido à força de Alckmin em São Paulo‭) ‬e alcança‭ ‬19%‭ ‬no Sul.‭

Do ponto de vista da dinâmica,‭ ‬constata-se um crescimento de Lula em todas as faixas sociais e regiões‭ (‬inclusive em São Paulo‭)‬,‭ ‬até mesmo entre as mulheres,‭ ‬eleitores de maior escolaridade e renda e eleitores do sul do país,‭ ‬onde a sua votação era mais fraca.‭

Espírito do Carandiru
Tem razão o historiador da cultura Nicolau Sevcenco quando afirma que os episódios acontecidos em São Paulo no mês de maio inscrevem-se como marco na vida da maior e mais rica metrópole do país.‭ ‬A explosão de violência dos criminosos e as violações dos direitos humanos,‭ ‬ao que tudo indica,‭ ‬cometidas de forma generalizada contra inocentes da periferia,‭ ‬trouxeram para o centro da vida da cidade o cotidiano da barbárie que o mercado urbano isolou no anonimato.‭ ‬Depois do trauma,‭ ‬a cultura da cidade nunca mais será a mesma.

Se o PCC foi criado logo após o massacre do Carandiru,‭ ‬as atrocidades agora deflagradas pela organização criminosa ocorrem logo após a simbólica absolvição do coronel que comandou o massacre.‭ ‬É como se a violência de corporações se sobrepusesse ao respeito dos direitos humanos,‭ ‬deflagrando dinâmicas selvagens por fora da legalidade do Estado.‭

No centro desta história está certamente Alckmin,‭ ‬um conservador cujo governo tem vasta folha corrida contra os direitos humanos.‭ ‬São Paulo,‭ ‬com‭ ‬40%‭ ‬da população carcerária do país,‭ ‬investiu muito na repressão mas muito pouco na inteligência no combate ao crime,‭ ‬dizem os especialistas.‭

É como se a cena de São Paulo,‭ ‬extremando um drama que é nacional,‭ ‬tivesse cravado para a consciência brasileira um dilema incontornável:‭ ‬ou se investe,‭ ‬de forma profunda e nova,‭ ‬nas políticas sociais e de distribuição de renda ou as políticas e as tecnologias de repressão ao crime tornam-se impotentes diante de uma escala vertiginosa do número de presidiários que obrigaria,‭ ‬apenas o estado de São Paulo,‭ ‬a construir uma nova e custosa penitenciária a cada mês.‭ ‬Novos Carandirus ou políticas sociais,‭ ‬novos PCCs ou desorganização da base social de cooptação para o crime através de uma vasta incorporação dos jovens à cidadania plena‭? ‬Com qual opção está Alckmin:‭ ‬ele mesmo não se cansou de responder nestes dias,‭ ‬retomando enfaticamente o bordão dos protocolos da dura‭ ‬guerra ao crime.‭ ‬José Serra,‭ ‬em artigo na‭ ‬Folha de S.Paulo,‭ ‬em tardio posicionamento,‭ ‬chegou mesmo a desenvolver o argumento que a denúncia dos desrespeitos aos direitos humanos neste momento significaria tomar partido contra os policiais e não escolher o lado certo.‭

Qual discurso,‭ ‬qual rumo‭?
Quando da definição pela candidatura Alckmin,‭ ‬anotamos que ela teria pela frente três grandes dificuldades:‭ ‬a nacionalização,‭ ‬a atração de partidos de centro-esquerda e a disputa com Lula no eleitorado popular.‭ ‬Estas três‭ ‬ parecem ter se tornado‭ ‬impasses no mês de maio:‭ ‬o PDT,‭ ‬ao que tudo indica,‭ ‬terá candidatura própria,‭ ‬o PPS de Roberto Freire‭ ‬não conseguiu manter uma candidatura e não deverá marchar em bloco com os tucanos‭; ‬Alckmin encontra imensas dificuldades para crescer no Nordeste e mesmo em estados do Sudeste,‭ ‬como Minas Gerais e Rio de Janeiro‭; ‬no meio popular,‭ ‬mostra escassa capacidade de penetração.‭

Na verdade,‭ ‬seria mais correto dizer que Alckmin passou o mês de maio em meio a crises permanentes:‭ ‬atritos públicos e desafetos entre caciques do PSDB e do PFL,‭ ‬derrota na escolha do vice do PFL,‭ ‬uma certa retração pública de Aécio e Serra em relação ao‭ “‬peso‭” ‬da sua candidatura,‭ ‬recuos em relação a apoios dentro do PMDB,‭ ‬denúncias seguidas de corrupção no governo de São Paulo.‭

E há,‭ ‬sobretudo,‭ ‬um dilema que resulta da própria identidade de Alckmin:‭ ‬seu discurso de retomada de velhos temas neoliberais‭ ‬-‭ ‬necessidade de arrocho fiscal,‭ ‬privatizações,‭ ‬Alca,‭ ‬repressão ao MST‭ – ‬serve para coesionar sua forte base no grande empresariado mas funciona como uma alavanca para trás em relação à opinião da maioria dos brasileiros.

Expansão da identidade popularA jovem ciência política brasileira no pré-64‭ ‬elegeu como um dos temas centrais a dinâmica crescente do PTB no eleitorado popular brasileiro,‭ ‬gerando uma incapacidade cada vez maior‭ ‬para os políticos liberais e conservadores construírem uma maioria‭ ‬nacional.‭ ‬No período da ditadura militar,‭ ‬o cientista político Fábio Wanderley Reis retomou este tema,‭ ‬assimilando as tendências de voto entre MDB e Arena,‭ ‬a uma disputa futebolística Fla/‭ ‬Flu,‭ ‬na qual a simpatia da maioria do eleitorado tendia ao vermelho e preto simbolizado pelo partido oposicionista.‭ ‬Agora,‭ ‬nestas eleições,‭ ‬uma polarização classista em um sentido amplo do termo ou popular volta a se manifestar,‭ ‬confirmando tendências de superação do sentido oligárquico das eleições já anotadas e estudadas por mais de dez anos pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos.‭

Como se anotou no ensaio do‭ ‬Periscópio passado,‭ “‬Tempos da esperança nova‭?”‬,‭ ‬houve nos últimos anos mudanças importantes na cultura política brasileira‭ ‬com base em forte dinamismo da organização,‭ ‬opinião e esperança populares.‭ ‬Estas mudanças foram,‭ ‬sem dúvida,‭ ‬abaladas pela crise vivida em‭ ‬2005‭ ‬mas não detidas ou anuladas.‭ ‬Parece estar em curso um movimento de recomposição,‭ ‬de retomada,‭ ‬de reafirmação de identidades conquistadas ao custo de tanto esforço e tanta história.‭

A hora,‭ ‬portanto,‭ ‬é a de colocar a candidatura Lula em compasso,‭ ‬em conexão e solidariedade com este movimento de expansão da identidade popular através do aprofundamento de seus compromissos programáticos.‭ ‬É este avanço programático,‭ ‬fazendo a ponte entre o que já se conquistou no primeiro governo e o novo patamar histórico de mudanças que em uma segunda gestão,‭ ‬que pode consolidar a dinâmica possível de vitória contra os neoliberais em outubro de‭ ‬2006.‭


‬Leia nota do PT sobre os eventos envolvendo o MLST

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