Na recente Cúpula de Viena, delegados europeus manifestaram espanto pelas divisões vividas na América do Sul. Mas processo de integração da União Européia vive um período marcado por desequilíbrios regionais, desconfiança em relação à globalização e crise do estado de bem-estar social.

Na recente Cúpula de Viena, delegados europeus manifestaram espanto pelas divisões vividas na América do Sul. Mas processo de integração da União Européia vive um período marcado por desequilíbrios regionais, desconfiança em relação à globalização e crise do estado de bem-estar social.

Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior
PORTO ALEGRE – A história da União Européia é a história de um processo contínuo de ampliação, a partir da iniciativa de seis países – Alemanha, França, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Holanda -, signatários do Tratado de Roma (1957), que criou a Comunidade Econômica Européia. Seis anos antes, em 1951, havia sido criada a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), que acabou se constituindo em um embrião da futura construção européia. De lá para cá, a comunidade européia não parou de crescer, enfrentando hoje uma crise resultante dessa ampliação contínua, nem sempre acompanhada do aprofundamento institucional necessário. A rápida retrospectiva histórica de Enrique Baron, presidente da Delegação Espanhola no Parlamento Europeu e ex-ministro de Obras Públicas da Espanha, serviu como ponto de partida para o balanço do atual estágio de ampliação da União Européia, na conferência que discutiu os processos de integração na Europa e na América do Sul.

Baron chamou a atenção para a diversidade que tem marcado esse processo de integração. “Hoje, fala-se vinte idiomas diferentes no Parlamento europeu, uma diversidade maior do que a encontrada na América Latina”, observou. Diante dessa diversidade, acrescentou, “procuramos estabelecer laços de solidariedade e interesses compartilhados como ponto de partida para o processo de ampliação contínuo”. “Nosso grande desafio hoje é criar uma democracia supra-nacional. Ou nos unimos e avançamos na direção da unificação política ou acabaremos como uma espécie de Disneylândia ilustrada”. A aprovação de uma Constituição é um dos passos desse desafio, um passo que vem encontrando resistências, como mostrou a vitória do “não” à proposta de texto constitucional, em 2005, na França e na Holanda. Barón defendeu o texto: “não é verdade que seja uma Constituição neoliberal, ela foi resultado de um debate amplo com a sociedade”. Mas a maioria dos eleitores franceses e holandeses discordou dessa avaliação.EM BUSCA DE

UM MUNDO MULTI-POLAR
Outro desafio, assinalou ainda, é consolidar a união econômica e monetária. Baron defendeu a importância de um euro forte no atual cenário global, considerando principalmente o que qualificou de “preocupante relação entre as economias dos Estados Unidos e da China que vem abastecendo o impressionante comportamento consumista americano”. “Isso não vai terminar bem”, previu. Por fim, defendeu o papel da União Européia na resolução de conflitos em outras regiões do mundo, citando como casos positivos a realização no plebiscito no Chile no final da ditadura Pinochet, os acordos para por fim à guerra civil na América Central e a consolidação da democracia na América Latina. O deputado espanhol defendeu a necessidade de um acordo político entre União Européia e Mercosul, e não apenas de um acordo comercial, assinalando que seria o primeiro acordo deste gênero no mundo, contribuindo para o fortalecimento de um sistema internacional multi-polar.

Na mesma direção, Hans-Jürgen Uhir, deputado do parlamento alemão e membro da Comissão para Assuntos Europeus, da Alemanha, disse que o símbolo máximo da União Européia hoje é o fato dela representar uma instância garantidora da paz no mundo. Ele reconheceu que a Europa enfrenta muitos problemas ainda na área social, causados por desequilíbrios regionais, pelo desemprego e por questões relativas à imigração. Na avaliação do deputado alemão, a rejeição da Constituição por franceses e holandeses tem pouco a ver com o conteúdo do texto em si mesmo e mais com o temor diante do clima de concorrência brutal do capitalismo global e da ausência de mecanismos de regulação. “Vivemos um conflito muito forte na Europa entre o liberalismo e o ideário social-democrata, em meio a um enfraquecimento muito forte do movimento sindical. Os sindicatos poloneses, por exemplo, não tem mais capacidade de negociar acordos coletivos”, exemplificou.

DUMPING SALARIAL
Na Alemanha, onde os social-democratas foram derrotados nas últimas eleições, os problemas também são sérios, apontou. O que deveria ser uma boa notícia transformou-se em um problema. “Nossa sociedade está envelhecendo. Os alemães estão vivendo, em média, oito anos mais do que no início da década de 90. Nosso sistema de saúde não está mais agüentando”. Além disso, há o problema do dumping salarial: empresas estão se transferindo para países da Europa Central, onde os salários representam cerca de 10% dos salários pagos aos trabalhadores alemães. Citou, por fim, o alto custo da unificação alemã que, a partir de 1990, exigiu a transferência de bilhões de euros por ano para estabilizar a situação na antiga Alemanha Oriental. “A unidade alemã foi financiada com recursos da Previdência e não com outros impostos, o que gerou um enorme rombo no sistema da Previdência. E nós, social-democratas assistimos a isso de braços cruzados”, afirmou, em tom de auto-crítica.

Outro a fazer uma auto-crítica da postura dos partidos social-democratas europeus foi o francês Henri Nallet, vice-presidente da Fundação Jean-Jaurès e ex-ministro da Agricultura da França. Segundo ele, os “social-democratas foram muito contaminados pelo pensamento liberal e seus eleitores reprovaram isso”. Sobre o atual estágio da integração européia, ele qualificou-o como um período de inquietude e tensões. Para Nallet, três fatores explicam a crise da União Européia, explicitada a partir das vitórias do “não” na França e na Holanda: o aprofundamento da mundialização das trocas comerciais, o enfraquecimento relativo dos Estados e o surgimento de Estados emergentes que acirraram ainda mais a competição no comércio global. A conjunção destes fatores, segundo ele, atingiram em cheio o modelo social europeu, que está cada vez mais difícil de financiar. “Temos duas saídas: ou nos adaptamos ou nos protegemos. Cerca de 25% dos eleitores europeus já votam em posições populistas que defendem o fechamento, a proteção”.

O QUE QUEREMOS FAZER JUNTOS
Na avaliação do socialista francês, a União Européia também enfrenta hoje problemas advindos de um crescimento muito rápido. Esse crescimento, que deve continuar com o ingresso da Romênia e da Bulgária, é ambivalente, segundo ele. Por um lado, tem efeitos benéficos como o aumento do mercado de trocas e o crescimento econômico dos países que estão entrando na comunidade. Por outro provoca fenômenos como o descrito por Hans-Jürgen Uhir: o das empresas que deixam países como a Alemanha ou a França e vão se instalar em países que oferecem custos menores de produção, especialmente custos salariais. Em relação a um possível acordo com a América do Sul, Nallet também defendeu que ele não se restrinja ao aspecto comercial. Segundo ele, a questão central que deve ser respondida no debate sobre os processos de integração é a seguinte: o que é mesmo que queremos fazer juntos? O que queremos regular? E com que instrumentos?

As perguntas formuladas por Henri Nallet indicam um dos pontos de estrangulamento no debate sobre um acordo entre União Européia e América do Sul. Se os europeus estão enfrentando sérias dificuldades para resolver seus problemas de assimetrias regionais e de financiamento do modelo de bem-estar social construído no período pós-guerra, como equacionarão esses temas com os problemas próprios dos sul-americanos que também se debatem com assimetrias, além de desigualdades sociais muito mais graves? O tamanho desse problema fica evidenciado quando se entra no tema dos subsídios agrícolas, cuja redução drástica ou mesmo eliminação é defendida pelos sul-americanos. O atual impasse nas negociações entre União Européia e Mercosul é um retrato disso. Na conferência de Porto Alegre, todos concordaram que a solução passa por uma decisão de caráter política. Mas os números e a natureza dos problemas vividos por cada continente indicam que será preciso algo mais do que vontade política para superar obstáculos relacionados à situação da economia global como um todo.