Dificilmente se garante a recuperação de crianças com doenças graves enquanto não se oferece alternativas de emprego e renda às suas famílias para que superem a situação de miserabilidade em que se encontram.Autora: Bezinha Lopes da Cunha Soares

Dificilmente se garante a recuperação de crianças com doenças graves enquanto não se oferece alternativas de emprego e renda às suas famílias para que superem a situação de miserabilidade em que se encontram.Autora: Bezinha Lopes da Cunha Soares

A maioria dos hospitais públicos não tem condições de prestar um bom atendimento e, muitas vezes, pacientes que foram internados com doenças graves recebem alta sem que tenham condições de recuperação, tornando-os vítimas do ciclo vicioso "miséria – doença – internação – reinternação – morte". Em 1991, no Rio de Janeiro, profissionais do Hospital da Lagoa, liderados pela Dra. Vera Regina Gaensly Cordeiro, fundaram a Associação Saúde Criança Renascer, buscando, numa parceria com o Hospital, oferecer uma alternativa a crianças que estivessem nesta situação.

O Renascer é uma organização emergencial cujo objetivo principal é tentar suprir as necessidades de crianças e adolescentes carentes, em condição de miséria absoluta, no período hospitalar e no imediatamente posterior à alta, garantindo a eles e a suas famílias o mínimo de equilíbrio material e emocional necessários para a recuperação.

FUNCIONAMENTO

As famílias atendidas são aquelas que possuem crianças que receberam alta do Hospital e foram encaminhadas por uma equipe de voluntários formada por médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais do Hospital, após constatada carência sócio-econômica que impossibilita a continuidade do tratamento. As crianças são vítimas em geral de um dentre os três tipos de doenças a seguir agrupadas:

1. o primeiro grupo abrange crianças com doenças graves e agudas como gastroenterite, tuberculose, pneumonia – nesses casos, a intervenção do Renascer é focada em permitir que a família se organize para fazer frente à crise;

2. o segundo, abrange crianças com doenças gravíssimas como câncer, AIDS, tumor cerebral – nesses casos, o Renascer foca a criança e a família visando encontrar um ponto de equilíbrio dentro dos vários níveis de dificuldades (material, psicológico, social, etc. ); e finalmente,

3. o terceiro grupo abrange crianças com doenças crônicas que exigem tratamento constante e dispendioso como insuficiência renal, anemia falciforme, febre reumática. Neste último caso, o Renascer tenta acionar mecanismos que viabilizem o cuidado permanente da criança, buscando esse apoio na sociedade.

Através do grupo de funcionários e de alguns voluntários, o Renascer procura identificar os problemas familiares que estejam impedindo a recuperação da criança e procurar alguma solução. O trabalho é dividido em cinco equipes, cada uma responsável por uma das etapas de atendimento:

PREPARAÇÃO- responsável pela organização dos medicamentos e mantimentos que serão entregues às famílias;

ATENDIMENTO- avalia as necessidades da família e faz o encaminhamento do material conveniente a cada uma. As famílias já incluídas no programa devem comparecer à sede do projeto uma vez por mês. No total são 12 grupos de atendimento, com 40 famílias cada.

INFRA-ESTRUTURA- providencia junto a escolas, hospitais e empresas a captação de recursos necessários ao atendimento das famílias;

INFORMAÇÃO- oferece às famílias, através de palestras e pequenos manuais, informações sobre aleitamento materno, prevenção do câncer e da AIDS, higiene e saúde, adolescência, etc.

ATENDIMENTO ESPECÍFICO- presta serviços de apoio psicológico, jurídico, etc. às famílias e às crianças atendidas pelo programa.

A alta definitiva é dada às famílias quando se constata que elas estão em condições de garantir a saúde de seus filhos e ocorre geralmente, após seis meses de atendimento.

É também objetivo da Associação proporcionar recursos técnicos e medicamentos, suprindo as necessidades das crianças e suas famílias. Para isso foram criados projetos que geram recursos para o Renascer e auxiliam diretamente cada beneficiado. São eles:

1. Projeto Madrinha: consiste em sensibilizar a sociedade para apoiar uma determinada criança, suprindo suas necessidades durante o período de recuperação. Deve fazer uma doação, por mês, em alimentos e remédios, equivalente a R$ 85,00;

2. Projeto Anzol: é um projeto voltado para o atendimento às mães, procurando dar a elas oportunidades para entrada no mercado de trabalho através da produção de ímãs de geladeira, embalagens para presente e utensílios de copa que são vendidos pelo Renascer;

3. Projeto Profissão: encaminha os pais das crianças atendidas para cursos profissionalizantes;

4. Projeto Coral: composto por crianças, pais e voluntários, o coral tem como objetivo resgatar a auto-estima e a alegria das crianças e de seus parentes;

5. Projeto Informar para Promover a Saúde: presta informações às famílias através de palestras educativas sobre vários assuntos de saúde e cidadania organizadas pelo Serviço Social do Renascer e ministradas nos dias de atendimento;

6. Projeto Recreação: proporciona às crianças e seus acompanhantes um espaço para brincadeiras dentro do Hospital da Lagoa, na Sala de Recreação. O projeto conta com recreadores e voluntários e com a supervisão de uma pedagoga.

Os voluntários trabalham, em média, quatro horas por semana, podendo ter uma atuação na área administrativa, no atendimento às famílias, na divulgação do projeto, etc., dividindo-se entre a sede e o hospital. Na sede, os voluntários atendem individualmente as famílias, orientando-as no encaminhamento a agências de empregos, escolas, orientação médica, etc. Nesses dias, são fornecidas cestas básicas, roupas e brinquedos. No hospital, o trabalho se dá na Sala de Recreação, duas vezes por semana.

O coordenador do corpo de voluntários é treinado pelo Rio Voluntário (ONG que possui banco de dados de voluntários) e tem como funções: organizar as atividades, captar novos voluntários e suprir as necessidades do Renascer em seus vários setores.

ETAPAS DE IMPLANTAÇÃO

A implantação geral do projeto em 1991 foi garantida por doações de amigos e vizinhos dos idealizadores, bem como de apoio dos meios de comunicação, que divulgaram a proposta e despertaram o interesse de um maior número de voluntários e patrocinadores. Com o tempo, algumas escolas particulares começaram a ajudar, cedendo espaços para a realização de palestras, e doando remédios, roupas e alimentos.

No início eram dez voluntários que se dividiam nas áreas de captação de recursos, administrativa, atendimento e estoque para o melhor controle da entrada e saída do dinheiro em forma de remédios e alimentos. Com um número crescente de famílias sendo atendidas, o Renascer resolveu implantou um meio de captar recursos mais volumosos e de forma mais regular contando com a ajuda de empresas e outras organizações, como a Ashoka (organização dos EUA que apoia projetos sociais). Uma outra estratégia do Renascer foi focar suas ações nas mães e desenvolver projetos que promovessem sua autonomia ao mesmo tempo em que podiam gerar recursos para o projeto. Surgiu então o Projeto Anzol. O Projeto Madrinha surgiu na medida em que a demanda pelo atendimento se tornou maior que a verba disponível.

RECURSOS

Para manter o trabalho, o Renascer conta 1500 sócios-contribuintes, cada um doando entre R$ 20,00 e R$ 80,00 por mês. Estes associados acompanham o desenvolvimento das atividades do Renascer através de um boletim que lhes é enviado juntamente com a guia do pagamento. Há também um grupo de empresas que colabora com o projeto fornecendo alimentos, roupas, remédios.

O Renascer tem uma sede própria, inaugurada em fevereiro de 1999, composta por seis salas para o atendimento às crianças/famílias. No que diz respeito à equipe, a entidade tem sete funcionários, remunerados por empresas colaboradoras, 24 prestadores de serviços e uma equipe de 111 voluntários.

A Associação conta com um grupo formal e outro informal, responsáveis pela administração da Associação. Estão organizados em Diretoria Executiva, Conselho Fiscal e Conselho Consultivo. No dia a dia, as decisões são tomadas pelas diretoras adjuntas, pelo presidente do Conselho Consultivo, pela superintendente geral, e pelo presidente do Conselho Diretor.

O gasto mensal do Renascer é de, aproximadamente, R$ 53.000,00.

DIFICULDADES

A Associação Saúde Criança Renascer ampliou o conceito de saúde, dando atenção também aos problemas econômicos, sociais, emocionais e psicológicos das famílias. Esta nova abordagem trouxe resistências por parte dos médicos, das empresas e dos próprios voluntários. Porém, aos poucos, o programa começou a mostrar-se eficiente e essa barreira logo foi superada.

Uma outra dificuldade do Renascer foi ter acesso a empresas que pudessem se tornar colaboradoras, que foi superada com a promoção de campanhas para conseguir sócios e apoiadores.

Houve dificuldades também com o espaço físico da sede própria, que teve a sua construção concluída apenas em fevereiro de 1999. Contudo sua legalização ainda é motivo de problemas para a Associação, que conta com o auxílio de advogados voluntários para solucionar o problema.

Dificuldades administrativas também existem e, para saná-las, o Renascer adotou um método de trabalho unindo funcionários e voluntários, esclarecendo as funções de cada um e envolvendo cada pessoa nas metas do projeto. Esse método fez com que os envolvidos se sentissem responsáveis e mais participantes nas resoluções dos problemas.

RESULTADOS

A reinternação no Hospital da Lagoa diminuiu em 60% no caso da pneumonia. Essa doença praticamente não tem cura em crianças desnutridas mas, se as famílias forem bem orientadas, os filhos podem recuperar a saúde. Com a ajuda do Renascer, mais de 600 famílias receberam alta. Os indicadores são os prontuários médicos: a avaliação é feita no quarto mês; se a doença é crônica e a criança não se interna mais é sinal de que a doença se estabilizou. Um outro indicador é o financeiro: a família que conseguiu sair da miséria total não internará uma criança no hospital por um bom tempo.

A Associação já atendeu ao todo mais de 4mil crianças e adolescentes.

Um outro grande resultado do Renascer é a multiplicação de seu modelo: foram criadas mais nove associações que funcionam nos mesmos moldes.

A criação do Renascer no Rio de Janeiro contribuiu para diminuir o número de internações por reincidência da doença, em decorrência do abando do tratamento por falta de condições familiares. O mesmo pode acontecer em outras localidades, principalmente em municípios menores, às vezes com um ou dois hospitais. Para tanto a prefeitura pode incentivar a organização de associações nos moldes da Renascer ou, ainda, organizando um corpo de funcionários que divididos nas áreas de captação de recursos, administrativa, financeira e pessoal possam atuar diretamente junto às famílias carentes.

A prefeitura pode também desencadear uma ação direta junto às famílias, oferecendo programas de capacitação para o mercado de trabalho, geração de emprego e renda e outros, por meio de parcerias com empresas e organizações da sociedade civil. Quanto mais secretarias estiverem envolvidas e quanto maior o número de parcerias estabelecidas, maior será a possibilidade de sucesso da intervenção do poder público. Com isso, as famílias terão mais condições de cuidar de suas crianças, prevenindo doenças e não sobrecarregando de internações o serviço público de saúde.

CONTATOS

Vera Regina Gaensly Cordeiro
Rua Jardim Botânico, 414, Parque Lage
Rio de Janeiro, RJ – CEP: 22461-000
Tel.: 0 XX 21-286 9654
Fax: 0 X 21-286 9298