Saneamento básico em Angra dos Reis-RJ*
Investir em saneamento básico melhora a qualidade de vida e preserva o meio ambiente. Um programa participativo compromete a população com a manutenção da rede e ajuda a reduzir os custos finais.Autor: Marco Antônio de Almeida
Investir em saneamento básico melhora a qualidade de vida e preserva o meio ambiente. Um programa participativo compromete a população com a manutenção da rede e ajuda a reduzir os custos finais.Autor: Marco Antônio de Almeida
Os municípios brasileiros, nos últimos anos, têm buscado autonomia em relação às Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs). Em alguns municípios foi possível melhorar o atendimento e a cobertura da rede, ao mesmo tempo em que diminuiu o custo da tarifa para a população. Este movimento se alinha a um processo geral de municipalização de serviços. No caso do saneamento básico, reveste-se de extrema importância em função dos impactos provocados na melhoria da qualidade de vida das populações: diminuição das doenças infecto-contagiosas e da mortalidade infantil; e preservação do meio ambiente, em especial dos recursos hídricos.
O EXEMPLO DE ANGRA DOS REIS
As formas de ocupação do solo no município de Angra dos Reis – RJ (94.200 hab.), no sul fluminense, foram determinadas pelas características geográficas da região. O litoral recortado, cheio de ilhas e escarpas, deu origem a vários núcleos populacionais afastados e isolados uns dos outros, embora ligados ao centro da cidade.
Até 1992, Angra dos Reis jogava cerca de 10 milhões de litros de esgoto, por dia, na Baía de Ilha Grande. Com exceção de algumas vilas e condomínios, não havia tratamento de efluentes. Menos de 15% da população era atendida por rede de esgoto, e eram freqüentes doenças relacionadas ao mau saneamento – endêmicas e epidêmicas.
O abastecimento de água do município também era precário. Os sistemas de abastecimento estadual e municipal não eram suficientes para atender a demanda, e uma boa parcela da população recorria à captação direta em poços, rios ou nascentes, utilizando, portanto, água sem qualquer controle de qualidade.
OBJETIVOS
Com base nesse diagnóstico, a prefeitura resolveu criar um programa municipal de saneamento, o Prosanear, baseado numa metodologia voltada à participação popular e com soluções adequadas às características do município. Os principais objetivos do programa são:
1-) Melhoria imediata das condições de vida da população: conseqüência direta da instalação dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. A extensão desses serviços à população significa reduzir rapidamente a incidência de doenças endêmicas e das epidemias.
2-) Melhoria das condições ambientais: resultado do tratamento de esgoto, que diminuiu consideravelmente a poluição da Baía da Ilha Grande, melhorando a qualidade da água das praias centrais do município.
3-) Comprometimento da população atingida com a manutenção do sistema: esse objetivo envolve a conscientização sobre os efeitos do saneamento na melhoria da saúde pública e sobre a necessidade de conservá-lo como um bem público. Essa ação pedagógica é fundamental para encorajar a participação popular e manter o sistema em pleno funcionamento. A comunidade participa na definição, implantação e gestão dos sistemas de água e esgoto.
CARACTERÍSTICAS
O Prosanear é um sistema de saneamento do tipo condominial. A comunidade é dividida em grupos de vizinhança, denominados condomínios, que serão as unidades básicas do sistema. Através do engajamento da população, o programa promove uma redução nos custos de instalação e manutenção do sistema. Sua implantação, tanto no aspecto técnico quanto administrativo, é fruto de um processo de elaboração e aprovação conjunto entre prefeitura e comunidade.
As casas de cada condomínio são ligadas através de um sistema de tubos de PVC, que recolhe o esgoto das residências numa rede coletora formada por tubos mais largos. A rede coletora conduz o esgoto para as estações de tratamento, que, posteriormente, libera a água sem contaminação.
As instalações nas residências foram feitas com mão-de-obra e recursos dos próprios moradores, orientados pelos técnicos da prefeitura. Os moradores instalaram a caixa de gordura e a de passagem, e os canos necessários. Já a ligação das casas até a caixa de inspeção da rede de esgotos, bem como as estações de tratamento, foram feitas pela prefeitura.
Cada residência necessitou de, no mínimo, dois joelhos de 90 graus e um joelho de 45 graus, ambos de 100 mm; duas luvas de 100 mm e os tubos de PVC. A prefeitura montou um esquema especial para a compra coletiva dos materiais.
Os grupos de vizinhos, juntamente com os técnicos da prefeitura, planejaram as obras: o trajeto das tubulações, os locais de instalação dos equipamentos de coleta. Também foram realizadas atividades de educação ambiental, discussões sobre hábitos adequados de higiene, saúde, limpeza e embelezamento dos bairros e das praias.
FASES DE IMPLANTAÇÃO
O sistema de saneamento foi implantado em quatro fases, sempre acompanhadas de um processo permanente de educação ambiental e mobilização social.
1ª fase: Caracterização da área. Consistiu num levantamento socio-econômico do bairro para conhecer o número de moradores e suas condições sociais. Para planejar o sistema de esgoto de maneira a atender a população existente – bem como sua expansão futura -, a prefeitura executou uma atualização cadastral, mapeando a quantidade real de prédios existentes ou em construção, os terrenos vagos passíveis de ocupação, as ruas e caminhos, as condições sanitárias de cada residência. A comunidade também foi consultada sobre como deveria ser o sistema de abastecimento.
2ª fase: Decisão do processo produtivo. Os moradores, já organizados em condomínios e assessorados por técnicos do município, examinaram os anteprojetos elaborados pela prefeitura, conferindo se as soluções propostas eram as melhores para sua família e seus vizinhos. Dessas discussões conjuntas foi definido o perfil final das obras a serem executadas.
3ª fase: Implantação do projeto. Definidas as empresas executantes e comprados os tubos, as obras se iniciavam imediatamente após os moradores de um conjunto de condomínios decidirem o caminho da rede e de seus diferentes ramais. Técnicos da prefeitura orientaram os moradores para executar corretamente as ligações em suas casas, e destas com o sistema coletivo. Os condomínios também escolheram seus representantes para a Comissão de Acompanhamento das Obras.
4ª fase: Implantação do sistema. O sistema começava a funcionar assim que eram terminadas as ligações finais das casas com os coletores. Efetuada a implantação, os condomínios passam a discutir a divisão de responsabilidades com a prefeitura em relação à manutenção do sistema.
CUSTOS E RECURSOS
O Prosanear é um programa onde 50% das obras são financiadas pelo Banco Mundial, 25% pela Caixa Econômica Federal e o restante pela prefeitura. O programa atende 80% do município. O investimento total está previsto em R$ 11 milhões.
A prefeitura economizou mais de R$ 800 mil comprando tubos de PVC e os canos de ferro diretamente dos fabricantes, contratando as empresas apenas para a instalação das redes, divididas em oito lotes de obras.
DIFICULDADES
A principal dificuldade foi vencer a resistência cultural ao programa. A concepção popular de saneamento é uma manilha na frente da casa para que ninguém veja o esgoto. Como o Prosanear utiliza-se de canos de PVC, em grande quantidade, passando pelos quintais da casas com esgoto alheio, a população levou um certo tempo para se acostumar à idéia de que canos de 100 milímetros seriam uma solução para o problema do saneamento.
A condição econômica da população também dificultou o programa. Muitas famílias não tinham como comprar as caixas de gordura, os tubos e as conexões necessárias, já que a renda da maioria da população das mais de 20.000 moradias atingidas pelo Prosanear oscilava de um a três salários mínimos. A prefeitura montou um esquema especial para a compra coletiva dos equipamentos necessários, conseguindo preços mais baixos que os do mercado através da economia de escala, adquirindo grandes quantidades de material. Em alguns lugares foram desenvolvidas atividades como bingos beneficentes para gerar recursos para a aquisição de equipamentos.
INOVAÇÕES E IMPACTOS
Os principais méritos do Prosanear são a originalidade na mobilização popular quanto aos cuidados sanitários, e a criatividade na adoção de tecnologia barata e de formas mais econômicas de gestão de obras públicas.
Foram realizadas várias reuniões com a comunidade para debater a questão sanitária e suas conseqüências para a saúde, o meio ambiente e a qualidade de vida em geral. Nas escolas e postos de saúde foram desenvolvidas atividades de educação ambiental, utilizando inclusive formatos lúdicos e populares, como teatro de bonecos e cantorias, para transmitir informações e quebrar preconceitos.
Em lugar do modelo caro e equivocado adotado no resto do país — redes de manilhas que misturam esgotos às águas das chuvas e desembocam nos rios ou no mar — Angra dos Reis, optando pelo sistema condominial, uniu economia de recursos e envolvimento da população no processo.
Para baratear o programa, a prefeitura abriu licitações e comprou o material necessário diretamente dos fabricantes, contratando as empresas apenas para a instalação das redes. O controle social do Prosanear era efetuado pela população envolvida, através de representantes eleitos para a Comissão de Acompanhamento de Obras.
Outros programas da prefeitura somaram-se ao Prosanear, contribuindo para ampliar seu impacto positivo no meio ambiente, além de gerar recursos. É o caso do Programa de Troca de Lixo Inorgânico. Os moradores podiam trocar o lixo inorgânico por gêneros alimentícios, brinquedos, material escolar e material de construção — sendo esta, inclusive, uma das formas de arrecadação para a aquisição de material necessário para a ligação das residências ao sistema de saneamento básico.
Com a conclusão do programa, deixaram de ser lançados diariamente 10 milhões de litros de esgotos nas praias de Angra dos Reis, contribuindo para sua despoluição, melhorando a qualidade da água fornecida e diminuindo a incidência de doenças relacionadas às más condições de saneamento.
* Publicado originalmente como DICAS nº 80 em 1997