Revisão da legislação municipal de tributos
Adaptar o Código de Tributos às normas constitucionais, com a participação dos cidadãos, permite à prefeitura ampliar sua arrecadação para melhorar a prestação de serviços sem perder legitimidade.Autor: Guilherme Henrique de Paula e Silva
Adaptar o Código de Tributos às normas constitucionais, com a participação dos cidadãos, permite à prefeitura ampliar sua arrecadação para melhorar a prestação de serviços sem perder legitimidade.Autor: Guilherme Henrique de Paula e Silva
Quando a cobrança de taxas nos municípios brasileiros é feita em desacordo com a Constituição, abre-se uma margem grande para ações diretas de inconstitucionalidade, cujas sentenças, desfavoráveis às prefeituras, prejudicam a arrecadação.
Para superar essa dificuldade, Ribeirão Pires-SP (97 mil hab.), município da Grande São Paulo, decidiu reformar o seu Código de Tributos. A cobrança de taxas usando a mesma base de cálculo do Imposto sobre propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) contrariava o dispositivo constitucional que veda a cobrança de tributos diferentes para uma mesma base de cálculo.
Além das taxas relativas ao poder de polícia da administração municipal, a lei 3.668 de 1993, que constitui o Código Tributário do Município, previa a Taxa de Limpeza Pública, Taxa de Coleta e Remoção de Lixo, Taxa de Conservação de Vias Públicas e Taxa de Controle de Sinistros. Embora os fatos geradores desses tributos fossem vários, a base de cálculo era a mesma, criando dificuldades de ordem constitucional para sua cobrança.
Além dessa dificuldade frente à Constituição, Ribeirão Pires tinha alíquota de Imposto Sobre Serviços (ISS) diferente dos municípios vizinhos. Isso provocava algumas distorções: uma vez que todos estes municípios fazem parte de uma malha urbana quase contínua, era comum empresas prestadoras de serviços e profissionais liberais atuarem em um município e fazerem seu registro em outro, cuja alíquota fosse menor.
Com o IPTU havia problemas quanto às isenções, cujos critérios eram discutíveis, como a isenção oferecida aos aposentados, independente do tamanho e valor das propriedades. Isso começou com uma lei isentando os aposentados (e pensionistas) em 50% do valor do IPTU. Em seguida, outra lei isentava esses contribuintes do total do valor do IPTU e ainda de 30% das taxas inclusas nesse imposto. Em 1996, a lei 4.037 isentou completamente do pagamento do IPTU e das taxas todos os aposentados e pensionistas que tivessem rendimento menor ou igual a dois salários mínimos. Como a maioria se enquadrava nesse critério, havia grande perda de receita.
Outro problema era o fato de as alíquotas serem muitas e variarem desde 0,15% do valor venal do imóvel, para aqueles cujo uso e construção estavam de acordo com os dispositivos da legislação municipal, até 2% do valor venal para terrenos baldios não murados, sem passeio calçado e localizados em logradouros pavimentados, com guias e sarjetas, isto é, logradouros com os melhoramentos públicos de responsabilidade do poder municipal. Além dessas alíquotas extremas, havia alíquotas de 1% a 1,2%, além de outras, que eram aplicadas segundo a quantidade de itens das posturas municipais atendidas pelo imóvel, dificultando a administração e fiscalização das cobranças.
ALTERAÇÕES
Para sanar as dificuldades de ordem constitucional e algumas injustiças no lançamento do tributo, a Prefeitura decidiu alterar o Código de Tributos do Município..
Em dezembro de 1997, foi aprovada a lei 4.136 que alterava as alíquotas relativas ao ISS, tornando-as uniformes em relação às alíquotas dos municípios vizinhos, desestimulando, assim, a evasão fiscal do ISS. Essa decisão foi decorrente da participação de Ribeirão Pires junto ao Consórcio de Municípios do ABC.
O Consórcio, que inclui também os municípios de Santo André (625 mil hab.), São Bernardo do Campo (660 mil hab.), São Caetano do Sul (139 mil hab.), Diadema (323 mil hab.), Mauá (342 mil hab.) e Rio Grande da Serra (34 mil hab.), decidiu uniformizar as alíquotas relativas ao ISS para desestimular as distorções nos registros de empresas e profissionais de um município em outro.
Para alcançar o objetivo da reforma, a Prefeitura de Ribeirão Pires estabeleceu o debate público sobre a futura legislação referente aos tributos municipais. Em 1998, foi formada a "Comissão do IPTU", que contou com a participação de organizações da sociedade civil. Dessa Comissão fizeram parte representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação dos Engenheiros e Arquitetos, Associação Comercial de Ribeirão Pires, indústrias locais, Associação dos Aposentados, empresas imobiliárias e Poder Legislativo, por meio de uma representação da Câmara Municipal e do Poder Executivo, de representantes da Secretaria do Desenvolvimento Sustentável, da Secretaria da Administração e da Secretaria de Finanças.
Os estudos desenvolvidos pelo Poder Executivo para propor as alterações na legislação foram realizados com os próprios recursos do município. Os técnicos que se debruçaram sobre as questões relativas a lançamento, arrecadação, alíquotas, etc., faziam parte do corpo técnico da Secretaria de Finanças. Na contingência de uma alteração de Código de Tributos, o município poderia ter optado por uma consultoria especializada externa. Nesses casos, é comum a busca de financiamentos junto a bancos de desenvolvimento e convênios com instituições de ensino e pesquisa, como universidades, escolas especializadas, fundações voltadas para pesquisas e assessorias.
Na medida em que se tratava de questões de interesse de toda a população e do poder público e que houve uma ampla participação nos debates que conduziram à alteração do antigo Código de Tributos, o processo de aprovação da lei nº 4.213, de 1998, do novo IPTU, ocorreu com divergências e oposições.
Toda mudança real na norma legal altera, de alguma forma, relações de benefícios e obrigações entre grupos sociais. É natural, portanto, que aqueles que têm suas obrigações aumentadas se posicionem contra as mudanças, e aqueles que têm benefícios aumentados ou obrigações diminuídas se posicionem a favor. Em Ribeirão Pires, advogados, arquitetos e aposentados se opuseram, se não às mudanças, pelo menos ao aumento global no valor do lançamento que estas mudanças representavam. No entanto, a própria forma do processo de mudança, com participação ampla da sociedade civil, tornou essa oposição assimilável pelo posicionamento favorável dos outros segmentos sociais.
Quando enviado para a Câmara Municipal, o Projeto de Lei carregava consigo o consenso necessário para sua aprovação no âmbito do legislativo. Em 17 de dezembro de 1998, foi aprovada a nova lei alterando o Código de Tributos do Município. Assim, 1999 é o primeiro ano de execução fiscal sob essa nova lei.
COMISSÃO DO IPTU
Durante o período de estudos e avaliações das diversas alternativas examinadas, a "Comissão do IPTU" apontou a criação de recursos para o município como preocupação central.
O Executivo não apresentou um projeto a ser discutido pela Comissão, para eventual parecer. Mas a própria Comissão partiu para a avaliação da situação tributária anterior, relativa ao IPTU, e passou a propor mudanças. Essas propostas foram aproveitadas pelos técnicos da Secretaria de Finanças para fazer projeções, que, por sua vez, eram devolvidas à Comissão para reavaliar a situação e fazer novas propostas que corrigissem eventuais distorções percebidas. Se o objetivo de receita não era alcançado, ou ultrapassado, essa Comissão promovia novas discussões, elaborando outras propostas.
As mudanças na legislação do IPTU não chegaram a constituir um novo Código Tributário do Município. Foram alteradas, basicamente, as normas relativas às isenções, buscando uma maior progressividade no imposto, e as normas relativas às alíquotas, na busca de maior eficiência fiscal pela simplificação. As taxas que eram cobradas com o IPTU teriam que ser extintas sem prejuízo para a receita, que já estava aquém das necessidades.
Com a nova lei, a isenção passou a ser total para todos os imóveis até o valor venal máximo de 25 mil UFIRs, ou seja, para valores venais de até R$ 24.425,00 (em abril de 1999, quando uma UFIR valia R$ 0,9770). Os aposentados e pensionistas tiveram suas isenções limitadas de duas formas. Uma, dentro desse critério de 25 mil UFIRs, isto é, imóveis de propriedade de aposentados e pensionistas cujo valor venal ficasse aquém desse critério ficam isentos. Quanto aos imóveis cujo valor ultrapassa o limite, quando os proprietários são aposentados ou pensionistas, é cobrado o IPTU sobre a diferença entre o valor venal do imóvel e 25 mil UFIRs. Esse benefício de renúncia fiscal só é concedido ao contribuinte aposentado ou pensionista cuja renda seja igual ou inferior ao teto do salário de contribuição do INSS. Dessa forma, limita-se a isenção tanto pela renda do contribuinte como pelo valor imóvel.
As alíquotas, que variavam bastante, passaram a ter somente dois valores: 0,90% do valor venal para imóveis construídos e 2,0% para terrenos baldios. Com isso foram simplificados os cálculos do IPTU. Além disso, para o cadastramento dos imóveis, deixou-se de exigir uma série de dados relativos à construção, que nem sempre são fáceis de conseguir, tendo em vista as dificuldades de fiscalização (pessoal) em municípios de porte médio ou grande.
As taxas cobradas anteriormente no Imposto foram suprimidas pela nova lei.
PROTEÇÃO AMBIENTAL
Como Ribeirão Pires fica numa área de manaciais, a lei 3.885, de 1995, do Código Municipal do Meio Ambiente, classifica e localiza áreas de interesse para preservação, tanto da bacia contribuinte da represa como da mata atlântica da Serra do Mar. Incentivos fiscais voltados para a preservação de matas nativas fazem parte da política ambiental desenvolvida pela Secretaria de Desenvolvimento Sustentado.
Os incentivos fiscais são dados em forma de isenção de percentuais do IPTU, que variam segundo a área ou classificação do imóvel no Código Municipal do Meio Ambiente. Para áreas com mais de 70% de florestas, o contribuinte fica isento em 100% do valor do IPTU. Para áreas com menos de 10% de cobertura por florestas, o incentivo fica reduzido a 40%. Entre esses valores, há outros isentando os contribuintes em percentuais proporcionais às extensões florestais.
Mesmo para áreas não classificadas no Código do Meio Ambiente há incentivos para a preservação da mata atlântica. Áreas não classificadas, cuja cobertura por floresta ultrapasse 80%, têm redução de 80% no IPTU. Na medida em que a cobertura da área vai diminuindo, a redução no IPTU chega a 20% para áreas com menos de 10% de cobertura por floresta.
RESULTADOS
Do ponto de vista legal, a mudança da legislação permitiu à prefeitura ajustar-se às normas constitucionais, que têm sido freqüentemente violadas por municípios que cobram taxas vinculadas ao IPTU.
A receita municipal, que vinha caindo há alguns anos, tem uma perspectiva real de aumento diante dos resultados dos lançamentos de 1999. Diante da redução dos tributos relativos ao IPTU, para 44% dos contribuintes, a expectativa é de diminuição acentuada da inadimplência, o que resulta em grandes melhorias para a receita, além de cortar custos de administração e execução da dívida ativa.
Para 44% dos contribuintes houve redução do imposto. Para os outros 56%, o imposto manteve-se igual ou tornou-se maior. Com essas modificações, o lançamento do Imposto em 1999 aumentou 40% em relação a 1998.
Apesar da mudança relativa ao ISS, em 1998, e da mudança do IPTU, não houve necessidade de nenhuma adaptação da máquina administrativa da prefeitura, a não ser os ajustes de programas de cálculo no âmbito da Secretaria de Finanças.
A atuação transparente do Executivo melhorou a articulação da sociedade civil com o poder público. A rigor, o que se deu no município foi uma decisão da sociedade (representada pela "Comissão do IPTU") de permitir ao Executivo ampliar a sua arrecadação para administrar melhor a cidade.
CONTATOS
Sr. Martins – gerente da Receita da Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de Ribeirão Pires – SP
Tel.: 0 XX 11 459-1000
Fax: 0 XX 11 459-3861
Originalmente publicado como Dicas, nº 147.