Trata do papel, características e perfil da assessoria parlamentar de vereadores petistas.
Fonte: CARDOZO, José Eduardo “Exposição feita na reunião de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores eleitos”. Brasília, mimeo, 2000.Trata do papel, características e perfil da assessoria parlamentar de vereadores petistas.

1. Exposição José Eduardo Cardozo

Trata do papel, características e perfil da assessoria parlamentar de vereadores petistas.
Fonte: CARDOZO, José Eduardo “Exposição feita na reunião de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores eleitos”. Brasília, mimeo, 2000.Trata do papel, características e perfil da assessoria parlamentar de vereadores petistas.

1. Exposição José Eduardo Cardozo

Gostaria de agradecer o convite para estar aqui com os companheiros, para podermos tecer, nesta manhã, considerações que são vitais para todos nós.

Até pela introdução que foi feita, eu acho que todos nós temos consciência de que existem muito poucas reflexões sobre a ação parlamentar dos petistas ou sobre a ação petista no campo do Parlamento.

Eu gostaria de começar perguntando por que isso acontece. Se a experiência do PT no Parlamento é efetivamente, do ponto de vista histórico, mais antiga do que a de administrar. Porque a primeira parcela do poder de Estado que nós assumimos foi a parcela do Legislativo e só mais tarde vieram as conquistas das administrações. Porque que tanta produção, tantos seminários são feitos do modo petista de governar e efetivamente nada é feito do ponto de vista da reflexão, da teorização da questão do Parlamento e da ação petista no Parlamento? Em geral, se nós analisarmos os congressos, os encontros, os seminários realizados pelo Partido dos Trabalhadores, nós vamos verificar que praticamente 100% dos temas voltados à discussão de políticas relacionadas com o aparelho de Estado se voltam ao Executivo, e raríssimas -aliás esta é uma das poucas oportunidades históricas de que eu participei de alguns debates mais amplos sobre a questão do Parlamento.

E é curioso que isso aconteça, porque, não raras vezes, o principal problema ou um dos principais problemas que as administrações petistas têm são efetivamente as relações com a sua própria bancada parlamentar. São constantes, são freqüentes os momentos de crise, são permanentes as situações em que o prefeito acusa a bancada governista de ser mais oposição do que efetivamente os reais oposicionistas. As reclamações dos parlamentares petistas em relação ao prefeito são sempre brutais, dizendo que ele rompe com os princípios, rompe com o programa, e a crise se instaura permanentemente, não se esvaindo nunca.

E aí, a pergunta. Por quê? Por que que o próprio Partido, por que que nós mesmos não tivemos considerações mais profundas sobre isso.

Eu queria dar uma resposta que eu acho que é causa determinante de alguns outros problemas, que não apenas esse. Evidentemente, o Partido dos Trabalhadores é formado por pessoas que vivem numa sociedade, dentro das contradições históricas, ideológicas, culturais, dominantes. E por mais que nós tenhamos o desejo profundo e discussões acumuladas para transformar essa realidade, nós não somos super-homens que conseguimos retirar do nosso cérebro as visões culturais e ideológicas incrustadas através dos tempos. E eu creio que ninguém desconhece que o Legislativo, no nosso país, é tido, pensado e assumido como um poder de segunda categoria.

A tradição autoritária histórica do nosso País, desde o período da colonização aos períodos de ditadura que nós tivemos, trazem na nossa cultura política dominante a idéia de um Legislativo amesquinhado, ou seja de um Legislativo que é um apêndice do Executivo. Quem governa? O Executivo. O Legislativo é um órgão que, quando muito, fiscaliza. Mas não é copartícipe das ações governamentais. Isso, que é uma realidade histórica no Brasil, se encontra tão impregnado na nossa cultura política, que nós petistas não atentamos para isso e reproduzimos essa ideologia; ou seja, nós que, por excelência, somos protagonistas de um ideário de democracia radicalizada, inconscientemente, não nos damos conta do papel que o Poder Legislativo tem e da importância que ele tem no plano da ação governamental. E é curioso, porque a Constituição de 1988 dá, até por posição política defendida no Congresso Constituinte pelo PT, uma dimensão ao Legislativo de, realmente, um Poder com prerrogativas, com posturas, que evidentemente têm que ser exercidas.

Mas nós, que defendemos um Legislativo forte, um Legislativo que fracionasse o Poder com o Executivo, normalmente esquecemos daquilo que defendemos no plano teórico e reproduzimos ideologicamente a subserviência ao Executivo. Isso seja nós petistas no Parlamento, seja no Executivo.

Eu quero dar um testemunho. Eu – e a vida nos prega algumas peças – e uma delas é que… Eu fui secretário de Governo na administração da Luiza Erundina, e hoje sou vereador. Pela primeira vez vou ter a experiência de ser vereador governista. Já fui vereador oposicionista e já fui Governo. Vou entrar agora numa outra perspectiva que é a de ser vereador governista. E eu me lembro, no Governo de Luiza Erundina, quando nós falávamos da Câmara no Secretariado – e era um Secretariado invejável, do ponto de vista das cabeças, das mentes; nós tínhamos desde Paulo Freire, Marilena Chauí, Paulo Singer, Perseu Abramo, dentre outros, pessoas de envergadura ministerial – todos nós, sem exceção, – e onde eu me incluo – pensávamos na Câmara como um problema. A Câmara era um problema, claro. E a nossa irritação era profunda quando a Câmara tinha que discutir alguma coisa que nós já tínhamos fechado no Governo. Era como uma perda de tempo, ou seja, nós definíamos alguma política, algum projeto de lei, e dizíamos: "Meu Deus, eles querem discutir? A nossa bancada deseja discutir?"

Eu me recordo com muita clareza, até porque eu era agente desse processo também. Ou seja, eu me sentia internamente como perdendo tempo quando eu tinha que sentar com a bancada e explicar uma coisa que já tinha sido exaustivamente discutida no Executivo, e que, para mim, era o óbvio ululante, do ponto de vista da implementação governamental.

Isso, falando da nossa bancada, dos nosso aliados, quanto mais dos nossos adversários, Ou seja, a Câmara é um problema. E nós reproduzimos esta idéia. Não raras vezes, nós mesmos tendemos a acreditar que tudo aquilo que é discordância em relação a políticas governamentais, é ranhetice ou é oposição política por questões de tendência partidária, mas nunca algo que nós mesmos, enquanto Governo, não assumimos como efeito de impor alguma decisão que tem que ser cumprida por pessoas que foram eleitas e que efetivamente têm que exercer um mandato também na sua plenitude, na representação popular que lhes foi dada.

Isso, a meu ver, é um lado da história, Mas há um outro lado, também, o do parlamentar. Porque, evidentemente, na medida em que o quadro da cultura política brasileira, diz isso, e a reação do Executivo é esta, normalmente no parlamentar nós temos dois sentimentos diferenciados, ambos radicalizados. Ou o parlamentar se sente desrespeitado nisso e parte para uma postura de absoluta radicalidade em relação ao ataque do Executivo – Não quero dizer que essa postura do Executivo determine isso. Essa é uma das causas, eu diria, porque a radicalidade petista às vezes, nos embates com o Governo, demonstra uma ferocidade às vezes muito maior do que a dos nossos adversários ideológicos. Essa postura, que é um quadro histórico, não se deve apenas a isso, mas se deve a outras razões também. Nós temos uma grande dificuldade de nos relacionarmos com a nossa base eleitoral, assumindo o papel de sermos Governo. Nós desenvolvemos uma cultura histórica de esquerda, de sermos oposição. E lidar com uma população, politizando relações e explicando os limites, é a coisa mais difícil que nós temos.

Para nós, é como chegar e dizer: "Eles dizem que têm dinheiro, mas não têm dinheiro para nada". Mas quando cabe a nós dizer: "Não temos dinheiro" nós parlamentares temos uma dificuldade incrível e temos às vezes a tendência muito ruim de faltar com a verdade com aqueles que nós representamos. E dizer : "Isso é um problema político, o Governo não está agindo bem", quando nós mesmos sabemos que é inviável o que eu estou dizendo, que o Governo está certo, e eu, por oportunismo eleitoral, muitas vezes, eu não assumo a bandeira da verdade no diálogo feito com a minha base de representação. Eu me recordo muitas vezes de, como secretário de Governo, ter participado de reuniões com a nossa bancada, formada por companheiros sérios, corretos, que questionavam certas decisões governamentais, como por exemplo :"Temos que dar um aumento de tarifa de ônibus, porque nós não temos como arcar com o subsídio". E a bancada de vereadores se reunia e dizia: "Vocês não podem dar este aumento de ônibus. É inaceitável". E eu falava: "Tudo bem, quais são as alternativas que vocês têm?" Os números de São Paulo são muito grandes, mas isso se aplica a qualquer município, na dimensão da sua arrecadação. Nós tínhamos que passar 30 milhões de reais de subsídio, por mês, para o transporte coletivo. E eu falei: "Bem, se nós não vamos aumentar tarifa, e nós temos que manter os 30 millhões, de onde nós tiramos os 30 milhões para dar o subsídio? Quais são as alternativas? Aí eu falava: "Da Educação, vamos ter que não construir as escolas. "Isso é inaceitável, companheiro, também". "Tá bem, então vamos tirar da Habitação; não vamos construir as casas que estão programadas." "Isso é inaceitável, companheiro". "Tá bem, então vamos tirar das creches". "Não, isso é inaceitável, companheiro". Eu falei: "Tá bem, então não vamos aumentar os salários, como está combinado com o Sindicato. "Isso é inaceitável". "Bem, então eu tiro o dinheiro de onde?" Aí o companheiro dizia: "Bem, companheiro, isso é uma questão técnica, não é política. Isso cabe a vocês resolver."

Eu vivi inúmeras vezes situações desse tipo. Ou seja, evidentemente é cômodo ser oposição nesse ponto e dizer: "o Governo está errado." Mas ser situação, ter que virar para a sua população e dizer: "Vamos ter que dar um aumento de tarifa, sim" e explicar isso para a sua base, é muito difícil. Então, situações desse tipo, como situações do parlamentar se sentir desrespeitado nas suas prerrogativas, levam à radicalidade. A ausência da verdade, de assumir a verdade com receio de perder apoio e sustentação para o seu mandato e o desrespeito do Executivo às prerrogativas dos parlamentares, a meu ver, são as principais causas que determinam a postura das bancadas petistas colidindo de uma forma brutal, absolutamente brutal, com o Executivo.

Nunca me esqueço, numa das primeiras administrações petistas, a administração de Diadema, em São Paulo, eu fui convidado para dar consultoria jurídica num projeto de lei que dava a concessão do direito real de uso para favelados; eu fiz um parecer, trabalhei juridicamente, técnicamente, naquilo. E me convidaram para participar de um ato de apoio ao prefeito de Diadema, em defesa desse projeto porque havia muitos ataques da oposição. E quando eu cheguei, vi um vereador discursando, mas dando uma paulada no prefeito. Eu me espantei: "Isso é um ato de apoio ao Executivo, eu me espantei, e deixaram um homem da oposição falar? Como é que pode? Nós somos democratas, mesmo. Num ato de apoio ao Executivo alguém criticar profundamente o prefeito daquela forma!" Aí eu soube que era um vereador da situação, ou seja, o líder da bancada petista que estava se pronunciando, desancando o prefeito num ato de apoio.

Essa era uma situação que efetivamente eu acho que só se explica por causas muito objetivas. Normalmente nós falseamos a realidade. A explicação que o Executivo dá e que o Legislativo dá para essas situações de crise baseia-se em situações localizadas, pessoalizadas. "Ele é o culpado", "O prefeito é que fez isto", "O Secretário que fez aquilo" "Aquele vereador é um oportunista" etc. Assim mascaramos as realidades objetivas que são causas determinantes desse processo. É a má compreensão, por parte do Executivo, do papel do Legislativo e, de outro lado, a má compreensão do Legislativo sobre a realidade de que, quando somos Governo, temos que politizar as relações com nossa base de sustentação. Precisamos ter a verdade e a consideração dos limites governamentais como uma condição indispensável do modo político de atuar no Parlamento, quando se é petista.

Cada vez mais eu me convenço de que a verdade é fundamental na relação política, especialmente quando você está no Parlamento e se relaciona com a população. Mesmo correndo riscos de ser mal interpretado ou ser acusado em diversas questões. A politização e a conscientização passam por esse processo e nós não podemos nos curvar a vícios históricos da política tradicional de direita.

Aliás, aqui também puxo outro ponto, Um dos grandes problemas que pessoalmente vejo na questão do modo petista de estar no Parlamento, quando se é Governo, é algo que eu chamaria o fisiologismo de esquerda que, a meu ver, é terrivelmente danoso, tanto quanto o fisiologismo de direita. Aliás, por que fisiologismo de direita ou de esquerda? O fisiologismo é o mesmo, a diferença é o discurso. Há mandatos parlamentares que, a meu ver, mais por inadvertência do que por má fé, se relacionam com movimentos sociais na perspectiva de mais atrelar esses movimentos ao seu mandato do que efetivamente de garantir a sua autonomia,

Ou seja, há parlamentares que, por vezes, querem impor políticas aos movimentos sociais pelo fato de terem certas lideranças que são chamadas a ocuparem seus gabinetes e colocam essas lideranças numa encruzilhada: ou seguem o que o parlamentar deseja ou perdem o emprego e fatalmente nos temos aquelas lideranças que se curvam a isto, causando um atrelamento terrível dos movimentos populares a ações do parlamentar, trazendo um dano terrível efetivamente à independência e ao caminho desses movimentos sociais.

A meu ver, essa prática de fisiologismo de esquerda muitas vezes implica em retóricas quando se vai discutir um orçamento, ou quando você vai ter relações com o Executivo, e esse parlamentar muitas vezes condiciona implicitamente na sua retórica, até situações de apoio ao Executivo, ao atendimento das demandas da sua base eleitoral. Evidentemente que ele não faz como o vereador de direita faz. Ele não chega e fala assim: "ou faz isso ou não voto mais, rompo com você". Claro, isso seria impossível, ele apenas usa uma terminologia de esquerda , ele fala "O companheiro está rompendo com os princípios do movimento popular. Então, portanto, não o apoiarei mais, porque isso rompe com o ideário do nosso Partido".

O que eu quero dizer é que muitas vezes o vício da política brasileira faz com que nós utilizemos um discurso retórico, que justifica um fisiologismo que é histórico. E evidentemente é tão destrutivo para o Executivo como para a formação de relações sociais que nós temos a responsabilidade de desenvolver.

Dentro desse quadro, eu cada vez mais acho que nós temos, no PT, que ter um desafio efetivo de refletir sobre isso e eu posso afirmar, até por mim próprio, que não é uma reflexão fácil. Ela é uma reflexão dolorida. Nas poucas vezes em que eu participei de tentativas de reflexão sobre isso, nós parlamentares e membros do Executivo temos até reações de auto-defesa, quando nós mesmo nos pegamos descobertos em algumas práticas viciadas que nós mesmos não temos consciência de que são viciadas.

É claro, as pessoas, até psicologicamente, nessas horas reagem de uma maneira a se defender, a reagir, a não aceitar. Por isso é que eu acho que essas reflexões têm que ser agudizadas. Dou um outro exemplo. Um dos principais desafios que o PT tem hoje em todo o Brasil e, a meu ver, é uma das principais das razões principais pelo Partido ter tido essa vitória fantástica dos municípios, e nas Câmaras, é a identificação do PT com a questão ética.

E eu acredito que esse fator foi decisivo no Brasil, em diversas prefeituras, em São Paulo foi claro isto. Ou seja, no momento em que se começa a ter o despertar da consciência nacional, ainda pequeno, sobre a distinção entre o que é público e o que é privado, sobre a distinção e a necessidade de defesa do dinheiro público, como uma alternativa para o social, que nunca foi respeitada, o PT hoje é o único partido que tem credenciamento e pode falar de cabeça erguida sobre isto. E a população captou isso de uma forma muito contundente. Portanto, nós seremos profundamente cobrados no próximo período em relação a questões éticas, o que, creio, deve nos levar a posturas absolutamente intransigentes nessa questão. Eu creio que nós devemos ser inflexíveis conosco mesmos em relação a este aspecto, sob pena de nós nos desacreditarmos perante aqueles que nos depositaram a confiança fantástica em relação a esta ação.

E eu digo isto, porque no Parlamento ideologicamente uma das questões que nós petistas convivemos e, às vezes nos curvamos, é a questão do Corporativo ou do corporativismo parlamentar. O Parlamento, infelizmente, tem um forte desejo de corporação em relação a certos privilégios e em relação a certas questões que estão postas. E nós às vezes justificamos esses privilégios e essas prerrogativas também com o discurso de esquerda, confundindo isto com prerrogativas parlamentares. A meu ver não é preciso pensar muito para distinguir prerrogativas parlamentares, que qualificam o Legislativo como poder e que asseguram a sua independência, com questões corporativas, próprias do Parlamento, envolvendo gratificações, envolvendo estruturas inchadas, envolvendo situações que eu diria são reprováveis até do ponto de vista ético.

Eu dou um exemplo. A Câmara Municipal de São Paulo é um dos parlamentos que eu acredito oferece uma das maiores condições de estruturas parlamentares do País, Você tem, aproximadamente, para cada vereador, 21 assessores. Você tem – eu até posso ser leviano em números, porque eu vou falar um valor bruto; o líquido, evidentemente é menor – mas tem uma massa salarial, por cada gabinete, em torno de 90 mil reais por mês.

Me parece que, evidentemente, por maior que seja a dimensão de São Paulo, isso é algo inaceitável, especialmente para um Legislativo que tem uma estrutura técnica absolutamente debilitada. Ou seja, nós temos gabinetes inchados e assessorias centrais de subsidiamento nulas, absolutamente nulas, o que leva esse Legislativo a ser subserviente ao Executivo, porque não tem dados para fazer um estudo de orçamento, não tem dados para fazer estudos mais aprofundados e, ao mesmo tempo transforma cada gabinete parlamentar num exército político a serviço do parlamentar, do ponto de vista do seu mandato, da sua reeleição etc.

No entanto, quando você vai colocar essa discussão, ela é terrível porque não é fácil você falar em cortes de gabinetes e gratificações. Até porque você se indispõe com todo o Legislativo, inclusive com partidos aliados, no momento em que você vai colocar isso. Ou então, em dados momentos em que você tem que propor investigações, como aconteceu em São Paulo, contra o indivíduo que está sentado ao seu lado, claro, porque uma coisa é você investigar, como delegado, como promotor, aquele que se apresenta fora da sua sala, e outra coisa é você virar para o seu colega do lado e falar assim: "Eu vou te investigar e, se possível, vou te colocar na cadeia". Não é uma das coisas mais simples que possam ser feitas. Claro, às vezes nós titubeamos um pouco nisso. Essa é uma questão que o modo petista de legislar tem que enfrentar com profundidade. Nós temos que romper com clareza, com firmeza ética com o corporativismo. Nessa questão nós não podemos transigir, especialmente quando tivermos a presidência e quando tivermos a maioria parlamentar. Ou a população não aceitará e fará muito bem em não aceitar isso. Porque a população espera da nossa parte o rompimento com essas práticas.

Agora, o meu tempo está acabando; é óbvio que existem muitas outra questões que podem ser aprofundadas e colocadas neste contexto, mas eu quero dizer que neste momento em que o PT cresceu no Parlamento o nosso desafio é importante e histórico. Se nós não conseguirmos dar a resposta que a população espera do nosso partido neste momento, nós teremos um retrocesso brutal no próximo período em relação ao credenciamento que nós teremos nas disputas do Poder neste país.

Espero, portanto, que, se for correta a minha análise, de que é a má percepção do Legislativo e são fatores ideológicos que fazem com que o PT não discuta esta questão, que daqui para a frente nós, enquanto vereadores, tenhamos a clareza de que nós precisamos exigir do Partido que abra espaços para que essa discussão se faça com a clareza que a população merece.

Obrigado.

2. Respostas de José Eduardo Cardozo às questões levantadas pelo auditório

1) Eu quero confessar aos companheiros que estou profundamente impressionado com o resultado desta reunião. É uma das poucas reuniões das que tenho participado ultimamente em que acontece isto: estamos aqui há quase três horas e há uma atenção de todos, uma presença de todos, e um sentimento de que deveria continuar. Nós estamos sendo premidos pelo tempo e querendo ficar. Isso mostra a carência absoluta de discussões e de algumas situações de troca mesmo de informações básicas entre nós.

E acho que talvez o grande saldo deste encontro seja isso. A necessidade de estarmos buscando mecanismos de discussão coletiva sobre o papel do vereador, sobre o papel do parlamentar, sobre situações objetivas e buscar alguns mecanismos de intercâmbio, de experiências e até de produções unificadas. Quando, por exemplo, o companheiro coloca a questão de um regimento interno que sirva de guia, Podemos citar outras experiências em questões de leis orgânicas municipais, que podem servir de parâmetro para todos os municípios, de leis de licitações municipais, enfim, de diversas coisas que são experiências que poderíamos estar aprofundando.

Então, eu acho que esse é o primeiro diagnóstico. E cabe agora a gente ter alguns enfrentamentos para isso. Por exemplo, eu conversava aqui com os companheiros da mesa. Eu acho que seria necessário nós começarmos a estimular encontros regionais de vereadores. A partir dai, inclusive, formar fóruns de intercâmbio, que poderiam ser pensados e de estimular a produção unificada de algumas experiências. É claro, esses encontros regionais poderiam estar pautando um encontro nacional até dentro do temário que for levantado de forma global em cada encontro regional.

Eu acho que nós precisamos estar meditando um plano para que, talvez a SNAI, pudesse estar pensando alguma coisa para estimular ou para produzir isso.

2) Em relação à questão das verbas: Nós não temos ciência de tudo que acontece com relação às verbas de um parlamento, especialmente nas câmaras municipais.

O que nós sabemos, o que dá para perceber, é que existem alguns modelos de verbas absolutamente malucos. Como os da Câmara Municipal de São Paulo. Que é a coisa mais irrazoável que se possa imaginar; não falo nem da quantificação de valores, eu falo do sistema. Um vereador pode livremente atribuir, acho que são 30 e poucos mil reais (ou 33 mil) de gratificações aos assessores que ele quiser. É um sistema que, no meu modo de entender, foi feito para roubalheira, Por que você tem 33 mil reais para distribuir a quem quiser e o vereador, depois, retoma isso e embolsa. É pra isso que foi feito. Nós parlamentares do PT utilizamos isso, inclusive, para um fundo de gabinete. Você dá para o funcionário, isso retorna para você comprar computador, para poder viabilizar as coisas. Resultado: nós temos um companheiro petista que está indiciado. Porque um funcionário demitido falou: "Não. Ele me tomava dinheiro". Inclusive as próprias contribuições partidárias são feitas em cima desse esquema, ou seja, nós temos que ter clareza de que nós temos que mudar isso. É grave a situação.

Um companheiro mencionou o problema de verbas que são pagas aos parlamentares, fixas, para certos custeios. Que está dando problema com a Receita Federal. Está, mesmo. Por que a Receita Federal está considerando que algumas dessas verbas que são dadas ao parlamentar seriam como o salário do parlamentar. E aí se fala: Mas não é salário; eu compro". "Bem, se você compra e o dinheiro é público, você não pode comprar sem licitação". É essa a encruzilhada.

Nós temos que estar pensando formas de mudar isso. Me parece muito claro. Em São Paulo, mesmo, nós estamos tentando discutir como equacionar esse problema.

Agora, me parece claro que a definição desse problema das verbas e de modelos de gabinete, o equacionamento dessas questões passa por uma definição até teórica prévia do papel do Parlamento.

Nós não temos claro o papel da Câmara dentro de um modelo nosso, político, de como as coisas devem ser. Então temos que aprofundar essa discussão e, a partir daí, estruturar os caminhos para que isso seja feito.

3)Mesa Diretora?

O companheiro perguntou – vários outros também colocaram essa questão. Olha, até eu mesmo acho que já falei muita besteira sobre isso em momentos passados da minha vida. Eu já errei muito em avaliações anteriores. Agora, minha avaliação é que é impossível ter uma receita pronta, mas você pode ter alguns princípios de enfrentamento para esse caso.

Participar de uma mesa diretora é muito importante, porque você tem informações da Casa e você pode fazer alguns avanços. Nós mesmos, em São Paulo, participando de mesas diretoras, com presidente de direita e com uma composição de direita, fizemos avanços: um deles, inclusive foi a própria TV-São Paulo, que transmite por uma TV a cabo as sessões da Câmara Municipal para a população. E que, embora seja uma TV a cabo, num percentual muito reduzido, mudou atos de parlamentares. Antes ninguém queria falar, agora, com a televisão, todo mundo quer falar. Tá certo? Há um crivo de avaliação. O indivíduo fala: "Mas eu votei nesse cidadão, que fala essa quantidade industrial de bobagens?". Então isso é um avanço importante.

Porém eu não creio que você deva participar da mesa sempre, a qualquer custo e a qualquer preço. Eu acho que isso não pode acontecer. Nós temos que ter claro que se faz acordo em cima de um programa objetivo, de princípios que nos norteiem.

Em conclusão: embora muito importante, não dá para pensar em: "Mesa sempre, a qualquer preço, com quem for, sem qualquer parâmetro". Essa é a minha opinião pessoal.

Eu queria tocar em outros pontos, mas não há tempo outros companheiros poderão abordá-los. Eu fico muito satisfeito, muito feliz, de ter podido estar aqui. E espero que este seja o pontapé inicial para que a bola que aqui foi levantada role no futuro e a gente possa voltar a essas discussões com mais profundidade,

Obrigada a vocês.