Projeto Meninas de Santos*
Ações da prefeitura voltadas para o atendimento a crianças e adolescentes prostituídas, resgatando sua auto-estima, ajudam a inibir a violência doméstica e sexual e incentivam o retorno à escola.Autora: Ana Paula Macedo Soares,
a partir de documentos oficiais do programa.
Ações da prefeitura voltadas para o atendimento a crianças e adolescentes prostituídas, resgatando sua auto-estima, ajudam a inibir a violência doméstica e sexual e incentivam o retorno à escola.Autora: Ana Paula Macedo Soares,
a partir de documentos oficiais do programa.
O Projeto Meninas de Santos, iniciado em 1993 pela Prefeitura Municipal de Santos-SP (412 mil hab.), procurou oferecer assistência às meninas vítimas de exploração sexual, freqüentemente usadas para o repasse de drogas, crianças e adolescentes que se encontravam em situação de risco pessoal e social, muitas vezes sem moradia nem vínculo familiar.
IMPLANTAÇÃO
O trabalho foi desenvolvido em três frentes: campo (ruas, bares, hotéis), junto às famílias e no Centro de Convivência Casa do Trem. A equipe técnica foi ao encontro das meninas na região central de Santos, local de concentração da prostituição, visitando hotéis, pensões, bares e ruas, e, em conversas informais e convites para participar das oficinas, buscavam conquistar sua confiança e atraí-las para o projeto. Quando as meninas não aceitavam o convite para freqüentar o Centro de Convivência, o atendimento era feito na rua, orientando-as nos assuntos referentes a saúde, documentação, escola, entre outros. Foram feitas visitas às famílias das adolescentes, também para atendimento e orientação.
O Centro de Convivência Casa do Trem, no centro da cidade, funcionou como um posto de atendimento, com a presença permanente de um integrante da equipe para receber as meninas que buscassem auxílio. A equipe técnica estabeleceu vínculos com estas crianças e adolescentes, oferecendo-lhes, além de orientação, atividades para desenvolvimento pessoal, educação e capacitação profissional. O fato de as meninas se sentirem aceitas e ouvidas foi fundamental para o sucesso do atendimento e início do trabalho; a partir disto, puderam se integrar com o grupo e com a equipe. O trabalho foi desenvolvido de acordo com as demandas e interesses que elas manifestavam. A sugestão de criar um time de futebol feminino, por exemplo, partiu das próprias meninas.
ATIVIDADES
Além de atividades de lazer e orientação, foram realizados também trabalhos de capacitação profissional:
a) Oficina de beleza: era uma das primeiras atividades propostas às meninas, favorecendo o contato com as outras adolescentes e sua integração na dinâmica do projeto. Elas podiam cortar os cabelos, fazer as unhas e aprendiam os ofícios de manicure e cabeleireira. Esta atividade teve papel fundamental pois abordou os aspectos de estética e cuidados, resgatando a auto-estima das adolescentes;
b) Oficina de sexualidade: promovendo a discussão das questões referentes ao corpo, à contracepção, maternidade, doenças sexualmente transmissíveis, família, drogas, direitos, exploração sexual e afetiva. Foram promovidas algumas palestras ministradas por profissionais de saúde. Nessa ocasião, a comunidade, a família, os maridos ou namorados também eram convidados;
c) Atendimentos individuais: oferecendo orientação para os conflitos psíquicos individuais, de relacionamento familiar e amoroso, em relação ao trabalho e à saúde;
d) Atendimentos familiares: foram realizados atendimentos nas residências ou no Centro de Conveniência, buscando fortalecer os laços familiares ou até mesmo propiciando famílias substitutas. Inicialmente, os atendimentos eram semanais;
e) Artes Plásticas: confecção de cartões, pintura de vidros e tecidos, enfeites em garrafas, etc. O objetivo desta oficina era desenvolver a livre expressão.
f) Oficina de Teatro: esta oficina integrou atividades físicas, afetivas e intelectuais, trabalhando a desenvoltura e a desinibição. Promoveu o conhecimento de autores e obras. Quando a peça era baseada em história pessoal, proporcionava um resgate da história de vida; e
g) Futebol Feminino: a partir da demanda das próprias meninas, foi criado o time de futebol feminino, sendo que a prática esportiva contribuiu muito para firmar a identidade de grupo, melhorar o convívio e o reconhecimento de regras coletivas.
POLÍTICAS INTEGRADAS
O Projeto Meninas de Santos fez parte de um programa de políticas integradas que realizou intervenções nas áreas de saúde, educação, esportes, cultura e direitos. Neste contexto, destacam-se os Programas de Atendimento às Crianças e Adolescentes em Situação de Risco, formando um sistema composto por: a) central de atendimento para coleta de informações sobre crianças com necessidade de apoio; b) equipe de educadores de rua, responsável pelo contato com as crianças e o desenvolvimento de atividades esportivas, encaminhando-as para os abrigos quando necessário; c) abrigo de curta permanência para alimentação e primeiros socorros e duas casas para moradia de crianças cujo vínculo familiar foi rompido, com atendimento médico, odontológico e encaminhamento à escola; d) escola experimental e centros de convivência, com atividades culturais, esportivas e brinquedotecas; e) organização de programa semanal de uma hora em rádio com reportagens e locução feitas por crianças (Rádio Muleke); f) setor de cursos e formação profissional para adolescentes; g) campanhas de mobilização da sociedade que provessem recursos financeiros e humanos às crianças.
A atuação de entidades públicas responsáveis pela garantia dos direitos (Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos, Ministério Público, entre outros) foi fundamental para a efetividade dos Programas de Atendimento às Crianças e Adolescentes em Situação de Risco.
PARCERIAS
A criação de políticas públicas atendeu às necessidades detectadas por pesquisas desenvolvidas pela Universidade Católica de Santos e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Também foi feito um levantamento de dados junto a órgãos públicos municipais, estaduais e federais e organizações não-governamentais.
O UNICEF, em convênio com a Prefeitura de Santos, auxiliou na concepção do projeto e forneceu recursos financeiros para sua efetivação. Foi criada a Associação Poiesis para garantir autonomia financeira ao Projeto. Foi articulada a campanha "Seja um Anjo da Guarda", em parceria com o Ministério Público, o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e a Fundação ABRINQ. Esta campanha ajudou a obter a colaboração da sociedade civil, com o recrutamento de voluntários para o trabalho, recursos financeiros, oferta de vagas em empresas e o patrocínio de uniformes para o time de futebol feminino, que utiliza o ginásio poliesportivo da Universidade Católica de Santos. Campanhas de combate à exploração sexual foram desenvolvidas com a participação de organismos de Segurança Pública, Ministério Público, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e empresários do setor de comunicação.
DIFICULDADES
O preconceito da opinião pública foi um dos maiores obstáculos enfrentados pelo projeto. Além disso, foi preciso enfrentar os aliciadores de menores. A mudança no jeito de tratar as crianças carentes foi uma dificuldade para a própria equipe.
Os programas de atendimento às crianças e adolescentes em situação de risco foram muitas vezes confundidos (tanto pelos meios de comunicação quanto pela opinião pública) com projetos de "defesa de delinqüentes". O Estatuto da Criança e do Adolescente, alvo de muitas críticas, foi compreendido como algo que "só concebe direitos ao menor", sem impor sanções ou deveres. Os abrigos e casas de moradia sofreram discriminação dos vizinhos, ataques da mídia e processos judiciais.
A tensão entre os operadores e os traficantes de drogas e cafetões foi uma ameaça freqüente. Neste caso, a atuação das entidades do poder público foi imprescindível. Outro fato relatado foi o "pacto de silêncio", isto é, a falta de denúncias para provocar a ação do Ministério Público frente à exploração de crianças. Por sua vez, o violento tratamento dado às crianças por parte dos policiais militares e civis também contribuiu para dificultar o andamento do projeto.
A solidariedade e reconhecimento internacionais, como o apoio da Embaixada da França e a ópera realizada em benefício do projeto, quando o Prefeito de Parma visitava a cidade de Santos, auxiliaram a enfrentar e superar as dificuldades. A cooperação do UNICEF foi decisiva para a manutenção dos Programas de Atendimento às Crianças e Adolescentes em Situação de Risco.
A campanha "Seja um Anjo da Guarda" conseguiu reverter significativamente a opinião pública. Com o apoio de grande parte da sociedade civil tornou-se possível, inclusive, atrair voluntários para o projeto.
RESULTADOS
Os resultados alcançados pelo programa estão em sintonia com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente. No campo social, ajudou a construir alternativas de vida para meninas que se prostituíam ou estavam em situação de risco. Estas crianças e adolescentes passaram a ter um horizonte de perspectivas distinto da prostituição, da rua, do consumo de drogas e do trabalho marginal. Passaram a viver mais próximas do mundo da escola, da família e da formação profissional.
As oficinas ajudaram as adolescentes a desenvolver sua auto-estima, e o atendimento possibilitou a consciência de seus direitos, fazendo com que elas os reivindicassem junto aos Conselhos Tutelares. A grande maioria das adolescentes de Santos possuía apenas a Certidão de Nascimento, tendo sido encaminhadas para obtenção de R.G. e Carteira de Trabalho.
O resgate da auto-estima e a consciência dos direitos são elementos centrais para combater a violência doméstica e sexual, a exploração econômica e afetiva. Através deste resgate, é possível inibir o uso e o tráfico de drogas por parte desta população.
No campo da saúde, a oficina de sexualidade orientou as garotas em relação aos cuidados com o corpo, prevenção à AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis. As informações sobre a contracepção diminuíram a freqüência de gravidez precoce, a existência de mães adolescentes e o aborto ilegal. Aquelas que estavam grávidas puderam contar com assistência médica. A prática esportiva também estimulou a atenção e os cuidados com o corpo.
Por estar inserido em um projeto de políticas públicas integradas, os recursos foram otimizados e houve bons resultados nas áreas de saúde, educação, convívio familiar, consciência e reivindicação dos direitos da criança e do adolescente. Em 1996, este programa havia retirado 593 crianças das ruas, sendo que 242 meninas encontravam-se cadastradas no Projeto Meninas de Santos e 130 freqüentavam regularmente as oficinas. Estas meninas foram encaminhadas e acompanhadas para consulta médica e odontológica. Isto foi possível devido à interação com a Secretaria Municipal de Higiene e Saúde, que conta com rede de policlínicas e serviços médicos especializados. Outro dado importante foi a diminuição dos índices de evasão escolar. As adolescentes apresentaram melhoria nas suas notas e motivação para o estudo. A integração do Projeto Meninas de Santos com a Secretaria Municipal de Educação facilitou este processo.
O Projeto Meninas de Santos foi uma das vinte experiências finalistas do ciclo de premiação 1996 do Programa de Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford.
Veja também as experiências Casa Rosa Mulher (Rio Branco-AC) e Programa Miguilim (Belo Horizonte-MG)
GASTOS ORÇAMENTÁRIOS ANUAIS
COM O PROJETO MENINAS DE SANTOS. |
|
SERVIÇOS |
GASTOS (R$) |
INSTALAÇÕES |
13.200,00 |
MANUTENÇÃO DAS INSTALAÇÕES |
3.000,00 |
ÁGUA, LUZ, TELEFONE. |
6.000,00 |
ALIMENTAÇÃO |
30.000,00 |
TRANSPORTE |
7.200,00 |
PESSOAL |
103.200,00 |
MATERIAL PARA OFICINAS |
12.000,00 |
MATERIAL PERMANENTE |
15.000,00 |
TOTAL |
189.600,00 |
FONTE: Prefeitura Municipal de Santos, 1996.
* Publicado originalmente como DICAS nº 115 em 1998