Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de premiação de 1997 do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford.Autor: José Carlos Vaz, a partir de documentos oficiais do programa.

Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de premiação de 1997 do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford.Autor: José Carlos Vaz, a partir de documentos oficiais do programa.

O Programa Miguilim é uma iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte-MG (2.091 mil hab.), implantado em 1993 e que se manteve em operação mesmo com a mudança de governo em 1996. Melhorou significativamente a condição de vida das crianças e adolescentes beneficiados e permitiu consolidar um novo padrão de atenção a esse público, onde a articulação entre diversas iniciativas e agentes públicos estatais e privados é um ponto fundamental.

OBJETIVO

O objetivo central do programa é garantir aos meninos e meninas de rua o direito à cidadania. Para tanto, busca assegurar-lhes condições para que possam romper com um modo de vida baseado na rua e, a partir desta ruptura, construir um novo modo de vida. O atendimento às demandas das crianças e adolescentes em situação de risco social e a oferta de oportunidades educativas, afetivas, culturais, socializadoras e profissionais foram elementos centrais para o sucesso do programa.

DIRETRIZES E ESTRATÉGIAS

O programa Miguilim adotou um modelo no qual governo municipal tem um papel de articulador das diversas linhas políticas, pedagógicas e metodológicas, envolvendo a família, a comunidade e a sociedade em geral. Procura-se garantir a descentralização do atendimento, integrando as Administrações Regionais e Centros de Apoio Comunitário ao trabalho e articulando ações e projetos governamentais e não-governamentais já existentes. Esse caráter articulador da ação da prefeitura não significa uma simples terceirização das atividades para organizações não-governamentais, como ocorre em outras experiências. A prefeitura mantém-se como efetiva responsável e como elemento central no planejamento e na operação da política municipal de atenção às crianças e adolescentes.

Os aspectos preventivos são levados em conta no programa, buscando-se constituir uma retaguarda comunitária, com efeitos de impacto sobre a formação dos meninos e meninas de rua e de suporte na reconstrução dos laços familiares e comunitários das crianças e adolescentes em processo de retorno à família.

Um outro ponto fundamental foi garantir a implantação de programas e serviços destinados a assegurar o cumprimento das medidas sócio-educativas de prestação dos serviços comunitários e liberdade assistida, e o atendimento ao adolescente a quem se atribua ato infracional. Para tanto, foi importante a articulação de ações com o Poder Judiciário, Ministério Público, Conselhos Tutelares e Defensoria Pública.

Outra diretriz estratégica é superar práticas e atitudes discriminatórias contra crianças e adolescentes com trajetória de rua. Não basta, portanto, atingir resultados: a maneira como os resultados são atingidos também faz parte das preocupações do programa. Entende-se que as ações só serão efetivas se a forma de implantação contribuir para superar a discriminação. Com isso, pretende-se uma transformação no plano cultural, tanto em nível de cultura política quanto em termos de cultura organizacional das entidades envolvidas.

ATIVIDADES DO PROGRAMA

Uma das razões dos bons resultados do programa é a amplitude de suas ações. A operação do programa inclui a realização de atividades como:

1. encaminhamento de crianças e adolescentes às cidades de origem;
2. garantia e defesa dos direitos das crianças e adolescentes;
3. oferecimento de espaços de convivência fora da rua;
4. oficinas e cursos profissionalizantes;
5. albergues feminino e masculino;
6. casa de apoio e abrigo;
7. núcleo de atividades artísticas e pedagógicas;
8. atendimento direto às crianças e adolescentes com trajetória de vida na rua;
9. prevenção de DST/AIDS;
10. fornecimento de cesta básica e vale-transporte;
11. acompanhamento individual, familiar e escolar;
12. encaminhamento para programas e serviços para atendimento de necessidades nos campos da saúde, educação, moradia, esporte, lazer, cultura, integração com a família e com a comunidade;
13. atendimento especial às adolescentes através de ações educativas e de abordagem das questões de gênero (inclusive junto aos seus companheiros, buscando erradicar práticas machistas).

PARCERIAS

O Programa Miguilim combinou duas formas de intervenção: ao mesmo tempo em que há o envolvimento da equipe do programa na realização de parte das atividades, outra parte é realizada de forma indireta, através de uma rede de entidades governamentais e não-governamentais. Essas entidades encarregam-se de prestar serviços nos campos de:

1. garantia dos direitos de crianças e adolescentes e formação de educadores sociais;
2. atendimento direto às crianças e adolescentes com trajetória de vida na rua;
3. projetos específicos de profissionalização.

Fica sob responsabilidade da equipe da prefeitura envolvida diretamente no programa a execução de uma parte dos serviços prestados às crianças e adolescentes, além das atividades de abordagem de rua e pronto atendimento, estudos de caso e supervisão de convênios.

IMPLANTAÇÃO

A implantação do projeto está baseada nas parcerias, não só em relação à operação do programa, mas desde a sua concepção. O programa foi concebido no âmbito da sociedade civil organizada, por meio da Frente de Defesa das Crianças e Adolescentes. Em 1993 a prefeitura de Belo Horizonte incorporou a proposta, transformando-a em ponto central de sua política de atenção às crianças e adolescentes.

Nos momentos iniciais de implantação, a prefeitura firmou convênios com nove entidades, responsáveis por dezoito unidades de atendimento. Nesta etapa, foi necessário resolver uma situação de mais urgência, a da destinação de crianças que viviam fora do convívio familiar. Para tanto, deu-se prioridade à incorporação ao programa das entidades que forneceriam serviços de moradia às crianças e adolescentes. Firmados os convênios, foi possível iniciar o repasse de recursos às entidades e viabilizar sua operação dentro do programa.

Logo nos primeiros meses a prefeitura também iniciou as atividades sob sua responsabilidade direta, assumindo inicialmente o atendimento aos adolescentes com mais de catorze anos. Nesse momento, foram implantadas casas abertas, tanto diurnas como noturnas, espaços de convivência fora do ambiente da rua e duas oficinas profissionalizantes. Ao longo do tempo, outros serviços prestados foram sendo acrescidos a estes. O atendimento às crianças e adolescentes abrangeu uma larga faixa de situações e serviços prestados. Além das unidades conveniadas, a prefeitura mantém sete outras sob sua administração direta.

A implantação e operação do programa não se viram livres de algumas dificuldades. O trabalho de articulação das parcerias é, por natureza, bastante complexo. A consolidação do padrão de atendimento desejado demandou, por sua vez, um esforço de mudança de mentalidade tanto junto à equipe da prefeitura como junto às entidades envolvidas.

RECURSOS

Os recursos para a operação do programa são basicamente de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Além dos investimentos iniciais realizados para a implantação de equipamentos específicos de atendimento às crianças e adolescentes, a prefeitura é responsável por mantê-los em operação, assumindo as despesas e dedicando uma equipe de mais de 130 pessoas – composta por profissionais de coordenação, auxiliares de serviços, pessoal administrativo e 83 educadores sociais – responsável pela prestação de serviços e pelas atividades de coordenação e supervisão do programa. A prefeitura custeia as atividades realizadas por sua própria equipe, e ainda repassa recursos para dar suporte à operação das entidades conveniadas. Estas, por sua vez, colocam suas instalações à disposição do programa.

Para 1997, o orçamento do programa significou quase 1% do orçamento da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, atingindo cerca de US$ 1 milhão.

RESULTADOS

O Programa Miguilim produziu resultados significativos no campo da valorização da cidadania das crianças e adolescentes beneficiados. Possibilitou efetivas melhorias nas condições de vida do público atingido e permitiu a consolidação de um novo padrão de atenção às crianças e adolescentes. As melhorias podem ser identificadas observando-se resultados como a redução do número de crianças e adolescentes na rua, o retorno à escola e a melhoria das condições de higiene e saúde. Entre janeiro e julho de 1997 o programa atendeu 893 crianças e adolescentes. Nos cinco primeiros meses de 1997 o projeto conseguiu promover uma média de 24 retornos de crianças e adolescentes às suas famílias. Nesse mesmo período, as oficinas culturais e educacionais tiveram um total de 279 participantes. Desde 1993, mais de 400 adolescentes foram encaminhados a atividades de geração de emprego e renda.

Os trabalhos realizados não se restrigem à atenção de caráter estritamente objetivo (cuidados pessoais, escola, saúde etc.). Ao buscar atender as crianças e adolescentes em sua integridade de pessoas humanas e cidadãos, o Programa Miguilim também obteve avanços significativos do ponto de vista da auto-estima e valorização pessoal das crianças e adolescentes envolvidos.

A preocupação com a cidadania das crianças e adolescentes está presente desde a concepção do programa e se manifesta ao longo de todo o processo de atendimento. Desde a implantação houve uma permanente preocupação em se romper com uma postura assistencialista no atendimento ao público-alvo. Da mesma forma, foi feito um grande esforço para superar o ponto de vista policialesco que se tinha das crianças e adolescentes em situação de risco social. Nesse sentido, o programa traz um grande impacto na consolidação de um modelo de política pública baseado em uma visão onde a criança e o adolescente são encarados como sujeitos ativos, merecedores de respeito aos seus direitos e atenção integral por parte do Estado e da sociedade organizada.

Os méritos do programa residem também no processo de formulação. Trata-se de um caso onde o governo local conseguiu incorporar uma proposta da sociedade civil à sua agenda de políticas públicas. A estrutura de sua operação implantada, baseada na articulação entre diversas iniciativas e agentes públicos estatais e privados é um ponto fundamental para a obtenção de resultados, mas é, em si, também uma importante conquista, pois levou à constituição de uma rede de entidades atuando no campo da atenção às crianças e adolescentes que pode dar iniciativa e andamento a novas ações.


* Publicado originalmente como DICAS nº 106 em 1998