Uma política pública voltada para a juventude deve oferecer uma resposta global às diversas necessidades dos jovens, melhorando sua qualidade de vida e favorecendo ao máximo sua participação nas decisões.

Uma política pública voltada para a juventude deve oferecer uma resposta global às diversas necessidades dos jovens, melhorando sua qualidade de vida e favorecendo ao máximo sua participação nas decisões.
Fonte: José Carlos Vaz e Veronika Paulics – DICAS nº 91 em 1997Uma política pública voltada para a juventude deve oferecer uma resposta global às diversas necessidades dos jovens, melhorando sua qualidade de vida e favorecendo ao máximo sua participação nas decisões.

José Carlos Vaz e Veronika Paulics*

Os governos municipais não enxergam os problemas da juventude de maneira global. Diante dos problemas enfrentados pelos jovens, costumam oferecer soluções localizadas, sem políticas que assumam um caráter integrador de ações de vários setores da prefeitura. As abordagens mais freqüentes em relação à juventude podem ser classificadas em três grupos:

a) Ações fragmentadas: em geral restringem-se a ações setoriais com pouca articulação, enfocando problemas mais ligados ao cotidiano familiar ou mesmo a questões de segurança pública ou educação. Assim, procura-se de resolver o problema do adolescente de rua, ou da adolescente grávida, ou do uso indevido de drogas, ou da violência nas escolas, ou oferecer práticas desportivas e eventos culturais ou , ainda, prevenir a disseminação da Aids.

b) Juventude como problema: neste caso, a juventude é um problema do qual devemos nos proteger. A ela são associados: ameaça à estabilidade familiar, violência, drogas, gravidez na adolescência, depredação, desrespeito, barulho e desordem. Em resposta, o poder público oferece ações que buscam suprimir esses problemas, "recompondo a ordem quebrada": policiamento nas escolas, programas de informação sobre drogas e sexualidade, fiscalização de locais de diversão.

c) Juventude como setor fragilizado:
esta é uma abordagem na qual o Estado é visto basicamente como protetor de um grupo social mais frágil. Esta forma de atuação tem um forte lastro na proteção legal de crianças e adolescentes e se materializa sob a forma de políticas de proteção a adolescentes em situação de risco social. O advento da maioridade legal quebra essa relação de proteção. A partir dos dezoito anos o jovem torna-se apenas mais um cidadão, sem que haja atenção especial às necessidades inerentes ao processo de sua absorção pelo mundo adulto e pelo mercado de trabalho -que em grande parte dos casos já se iniciara, muitas vezes ao custo da perda do acesso da criança ou adolescente à formação escolar.

A visão que se tem da juventude é baseada quase sempre em estereótipos construídos a partir de opiniões com pouca fundamentação científica. Pensa-se a juventude como uma categoria genérica que procura abarcar um grupo social bastante numeroso e complexo.

Na verdade, há uma imprecisão em se falar de juventude como se fosse um conjunto homogêneo. O modo de vida, os problemas e as necessidades dos jovens variam de acordo com o local onde vivem, sexo, faixa etária e classe social. Não há uma juventude, mas sim diferentes juventudes que, do ponto de vista das políticas públicas, requerem ações diferenciadas.

A grande maioria dos problemas da juventude identifica-se com os mesmos problemas e necessidades de toda a população, normalmente tratados setorialmente pelos governos municipais. No entanto, há dois aspectos que fazem a juventude merecer uma atenção particular como sujeito de políticas públicas:

a) Especificidades da juventude: as carências da juventude, em termos de políticas públicas, são diretamente influenciadas por sua condição concreta de vida. Suas demandas são diferenciadas em relação a outras faixas etárias ou possuem manifestações específicas à juventude. As necessidades de emprego, formação profissional, saúde, lazer, por exemplo, tendem a ser bastante particulares aos jovens. Por outro lado, mesmo que haja coincidência de objetivos das políticas em relação aos jovens e a outros grupos sociais ou faixas etárias, como no caso da prevenção ao uso indevido de drogas, a forma de atingi-los tende a ser bastante específica.

b) Convergência de necessidades: a juventude é um momento em que se combinam uma série de necessidades particulares: busca de socialização, afirmação de gênero, entrada no mercado de trabalho, início da vida adulta. Esses desafios colocados para o jovem são interligados entre si. Nesse momento de transição estas diversas necessidades de atendimento à saúde, moradia, emprego etc.; convergem de forma crítica. Atuar em uma esquecendo-se das restantes dificilmente será eficaz.

POLÍTICA MUNICIPAL DE JUVENTUDE

O caráter intersetorial da juventude enquanto público-alvo de políticas públicas deve ser compreendido pelo governo municipal no processo de formulação de políticas. Por exemplo, não se pode imaginar um programa de geração de emprego e renda que não tenha ações especialmente voltadas para a juventude. Indo mais além, pode-se caminhar para uma política municipal de juventude, voltada para o atendimento, por meio de um conjunto de ações intersetoriais, de necessidades e aspirações desse público. Uma política pública destinada à juventude deve considerar, por princípio, que esta é uma temática de caráter intersetorial, que cruza transversalmente várias políticas municipais. Trata-se de uma visão que difere de uma abordagem mais tradicional de políticas públicas, em que estas são formuladas, implantadas e operadas isoladamente – gerando um atendimento fragmentado ao cidadão.

Além disso, essa política municipal voltada para os jovens deve levar em conta que a juventude é constituída por públicos específicos com algumas características comuns entre si. Será necessário, portanto, desenhar uma articulação de ações multisetoriais e multidisciplinares para esse público e seus segmentos e suas necessidades específicas.

POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO

Por conta de seu caráter multisetorial, a abrangência de uma política municipal de juventude pode variar em função das necessidades e possibilidades de cada município. É importante identificar as principais demandas e carências e desenhar um conjunto de ações que possam ser desenvolvidas de forma integrada. Pode-se classificar as possibilidades de atuação junto à juventude em grupos:

a) Atendimento a carências básicas: trata-se de atividades que procuram conferir um mínimo de dignidade às condições de vida dos jovens. Devem ser consideradas indispensáveis, por construírem um patamar mínimo de sociabilidade e condições de vida para que outras ações possam ser empreendidas. Entram nesta categoria as ações voltadas a jovens marginalizados (adolescentes em situação de risco social, adolescentes grávidas, apoio à paternidade e maternidade juvenil, jovens prostituídos, infratores, jovens presos ou ex-detentos), ações de assistência à família (programas de renda mínima para famílias com adolescentes na escola, acompanhamento da situação familiar de adolescentes e jovens marginalizados) e oferta de serviços públicos básicos (moradia, educação, saúde, segurança).

b) Programas de saúde voltados a público jovem: trata-se, aqui, de construir ações de saúde voltadas para a juventude (gravidez na adolescência, atendimento psicológico) e de focar os programas mais genéricos para o público jovem (DST/Aids, programa de saúde da mulher). As ações de saúde voltadas aos jovens tendem a ser ações educativas e preventivas (orientação e educação sexual, DST/Aids, prevenção do uso indevido de drogas e do alcoolismo).

c) Ações de intervenção sobre aspectos comportamentais:
este grupo de ações incorpora aquelas que procuram apoiar o processo de socialização dos jovens, como o oferecimento de atendimento psicológico, trabalho com gangues e grupos organizados e prevenção de violência na escola .

d) Acesso à educação:
é importante garantir à juventude o acesso à educação. Especialmente relevantes são as ações de erradicação do analfabetismo e garantia do acesso ao 1º grau. Muitos municípios procuram apoiar os jovens para que cursem o 2º grau e o ensino superior, montando escolas, oferecendo bolsas de estudo ou, ainda, transporte, inclusive para outros municípios.

e) Profissionalização e acesso ao trabalho:
a juventude enfrenta o problema do ingresso no mercado de trabalho. Os municípios podem apoiar os jovens oferecendo educação profissional e de programas de geração de emprego e renda específicos para os jovens.

f) Cultura: neste campo, há dois tipos de possibilidade de ação, que se interligam. Um primeiro é oferecer à juventude possibilidades de expressão cultural própria, estimulando o trabalho dos produtores culturais jovens, amadores ou não. Outro tipo de ação é possibilitar aos jovens o acesso a uma formação cultural básica, ao desenvolvimento do senso crítico e ao consumo de bens culturais.

g) Ações de esporte e lazer: a demanda por esporte e lazer é bastante expressiva entre os jovens. A esse tipo de demanda estão associados vários aspectos de sua vida: sua sociabilidade, sua rede de relações sociais, sua saúde e a ocupação do tempo livre. Normalmente, o oferecimento de atividades de esporte e lazer para a juventude contribui para evitar situações críticas que surgem quando os jovens não encontram opções.

Na verdade, essa classificação não deve ser tratada com rigidez, pois as ações podem ser complementares. Por exemplo, ações voltadas ao resgate da cidadania de jovens marginalizados podem se valer de programas de capacitação profissional ou de expressão cultural.

PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE

É preciso que o governo municipal evite considerar os jovens apenas como público-alvo de uma política pública. Não adianta elaborar uma política sem que se pergunte aos jovens o que querem. É possível tratá-los como sujeitos dessa política, participantes ativos de seu desenho e implementação. Nessa visão, os jovens tornam-se parceiros e interlocutores do governo municipal, realizando ações conjuntas da política municipal de juventude. Para isto, é importante localizar e contatar organizações já existentes, para contar com seu apoio, além de articular fóruns para discussão dos problemas e propostas (que podem, inclusive, evoluir para um Conselho Municipal de Juventude).

RESULTADOS

A implantação de uma política municipal de juventude traz resultados que não se restringem a benefícios imediatos para os jovens. Na verdade, os benefícios produzidos podem ser absorvidos por toda a sociedade e seu impacto se estende a longo prazo.

Os resultados podem ser bastante significativos em termos de melhoria das condições de vida dos jovens, satisfazendo suas necessidades básicas, ampliando seu acesso à educação e à formação cultural básica, prevenindo situações de risco social e oferecendo-lhes condições para um ingresso satisfatório no mercado de trabalho e no mundo adulto.

Em um prazo mais longo, essa melhoria das condições sociais dos jovens se reflete na melhoria das condições sociais de toda a comunidade. Por exemplo, através do aumento da capacidade do município de atrair investimentos em busca de mão-de-obra qualificada.

Também podem ser obtidos resultados de natureza política, não menos expressivos. A melhoria das condições de vida dos jovens, sua maior escolarização e acesso à cultura tende a produzir um impacto significativo na prática da cidadania. A adoção de uma política municipal de juventude desenhada e implementada com a participação dos jovens, através de Fóruns ou Conselhos, fortalece ainda mais estes resultados.
 


*Publicado originalmente como DICAS nº 91 em 1997
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.

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