O apoio da poder público às iniciativas da sociedade civil que procuram garantir o tratamento fora do domicílio permite reduzir o desperdício decorrente do abandono de tratamento e ajuda a criar laços de solidariedade.Autora: Janaína Valéria de Mattos

O apoio da poder público às iniciativas da sociedade civil que procuram garantir o tratamento fora do domicílio permite reduzir o desperdício decorrente do abandono de tratamento e ajuda a criar laços de solidariedade.Autora: Janaína Valéria de Mattos

Embora a possibilidade de cura de uma criança com câncer seja de 70%, muitas crianças que iniciam o tratamento não o concluem principalmente por causa de problemas socioeconômicos. A Constituição Federal assegura a ajuda na assistência médica fora do domicílio dos pacientes, mas, na prática, isso nem sempre é efetivado pelo poder público. A interrupção do tratamento é uma das formas mais corriqueiras de desperdício de recursos na área da saúde. Ainda que não esteja ao alcance das prefeituras garantir o tratamento fora de domicílio a todos que necessitam, podem apoiar iniciativas da sociedade civil que buscam garantir que as crianças das famílias do interior possam viajar para os centros de tratamento e ali permanecer até o fim do tratamento.

EXPERIÊNCIA

Em 1988, o pai de uma criança que sofria de linfoma soube que a maior parte das crianças do Estado da Bahia, que eram atendidas em Salvador, não compareciam às consultas de retorno. Embora o tratamento fosse acessível, as famílias não tinham como pagar as viagens nem a permanência na capital. Sensibilizando outros pais e médicos, criou o Grupo de Apoio a Crianças com Câncer (o GACC da Bahia), oferecendo assistência psicossocial, médica e financeira a crianças com câncer vindas de famílias carentes do Estado da Bahia. O grupo procura proporcionar as condições necessárias para que estas crianças sejam submetidas ao tratamento médico adequado, pelo tempo que for necessário: recursos para transporte interurbano, hospedagem e locomoção urbana. A entidade é filiada à Confederação Internacional de Pais de Crianças com Câncer, com sede em Valência, na Espanha.

FUNCIONAMENTO

Os pacientes atendidos pelo GACC são crianças e adolescentes até 19 anos. Eles chegam ao GACC acompanhados de um responsável, quase sempre a mãe, tendo sido encaminhados por um médico da localidade de origem. Pacientes carentes que moram em Salvador também podem ser atendidos, porém não ficam hospedados na casa. No GACC, é feita uma ficha de admissão onde constam também as condições socioeconômicas. Isso ajuda a equipe do GACC a identificar o tipo de orientação e de auxílio que cada família necessita. A partir do momento em que são admitidos, a criança e sua família passam a ser beneficiados pelos serviços oferecidos no Programa:

1. Atenção à criança e ao acompanhante: hospedagem para os não-residentes na capital; alimentação; transporte urbano e interurbano; terapia ocupacional.

2. Atenção apenas à criança: internação no Hospital "San Rafael"; atendimento de emergência e UTI Móvel; ajuda financeira para compra de medicamentos; ajuda financeira para realização de exames; cesta básica durante os intervalos do tratamento; desenvolvimento de atividades recreativas de cunho educacional; educação fundamental em escola municipal próxima à sede.

3. Atenção à criança e sua família: assistência dentária; assistência psicológica; vestuário e brinquedos; noções de higiene e nutrição; noções de cidadania.

4. Atenção apenas ao acompanhante: exame preventivo de câncer ginecológico para as mães e planejamento familiar.

ETAPAS DE IMPLANTAÇÃO

O GACC iniciou suas atividades em 1988, contando com apenas dez leitos, instalados numa casa próxima ao centro de Salvador. Foram cadastrados todos os possíveis associados. A entidade possui hoje um cadastro de aproximadamente 15 mil associados que fazem doações regulares.

Em 93, um doador anônimo financiou a compra de uma nova casa, localizada no bairro do Tororó e atual sede da entidade. Após a reforma, financiada por doações, passou a abrigar um total de 50 leitos, podendo receber 25 crianças acompanhadas. Mas a demanda era ainda maior, o que movia os coordenadores do programa a uma constante busca de um local que fosse realmente adequado e que oferecesse condições de ampliar o atendimento a um máximo possível de pessoas que tivessem necessidade. A Fundação Monte Tabor, entidade financiadora do Hospital "San Rafael", doou um terreno que havia em frente ao próprio hospital. Nesse terreno está sendo construído, com recursos de campanha específica junto a empresários, financiamento do BNDES e reservas financeiras do GACC, um prédio com 52 alojamentos. O prédio contará também com auditório para 100 pessoas, com área de apoio, capela, sala de atividades para mães, sala de atividades educacionais, de arte e atividades diversas, sala de jogos, consultório de psicologia, assistência social, sala para curativos, gabinete dentário, estacionamento, rouparia, cozinha, almoxarifado, vestiário para funcionários e playground coberto e descoberto. Além de todas essas instalações, o projeto prevê a construção de um laboratório de biologia molecular, o primeiro do Nordeste, que será disponibilizado para todos os serviços oncológicos da região. A expectativa e que esta prestação de serviços possa gerar recursos próprios, permitindo ao GACC ser autosuficiente financeiramente.

INSTITUCIONALIZAÇÃO

O GACC é registrado em Cartório como Pessoa Jurídica de Utilidade Pública, sem fins lucrativos. O órgão máximo para deliberações do GACC-Bahia é uma Assembléia Geral, realizada, ordinariamente, a cada ano. Participam todos os associados à entidade, que definem as diretrizes gerais a serem aplicadas nos próximos anos. Além da Assembléia Geral, o GACC conta com um Conselho Deliberativo, formado por seus ex-presidentes, empresários e outros associados, que é responsável pela aprovação de orçamento e diretrizes para o ano seguinte, além da definição dos novos diretores e das linhas mestras da entidade. Há também uma Diretoria Executiva, formada por quatro diretores, também nesse caso todos voluntários, que acompanha a aplicação do Programa. Há um Conselho Fiscal que verifica os balancetes mensais, os balanços, etc. Além disso, a entidade conta com uma auditoria externa.

RECURSOS

Sem contar com nenhuma ajuda oficial, o Programa do GACC se mantém com recursos provenientes de contribuições dos cerca de 15 mil associados, doações eventuais em campanhas específicas e resultantes do trabalho de telemarketing (responsável pela maior parte dos recursos doados à entidade).

Os recursos disponíveis para a manutenção do programa são da ordem aproximada de R$ 120 mil por mês, sendo esse valor insuficiente para a sua plena realização, limitando, muitas vezes, o fornecimento da medicação necessária para alguns pacientes.

Há 11 pessoas trabalhando nas casas e 45 trabalhando no telemarketing, operado pela própria entidade. Além disso, o GACC conta com a colaboração permanente de 40 voluntários.

Os serviços do GACC encontram-se distribuídos entre três instalações. A primeira delas é uma casa pequena de quatro cômodos, que abriga o gabinete odontológico, o consultório de psicologia e a administração. Na segunda casa estão instalados 50 leitos, sendo 25 para crianças e 25 para acompanhantes, refeitório e sala de recreação. Além dessas duas casas, o GACC ocupa mais três salas alugadas num prédio comercial, nas quais funciona o departamento de telemarketing.

Para o atendimento médico oferecido às suas crianças, o GACC conta com os serviços de oncologia em clínicas particulares que atendem pelo SUS (Sistema Único de Saúde), além de seis leitos permanentes no Hospital San Rafael de Salvador, mantido pela fundação italiana Monte Tabor, que dispõe de todo equipamento utilizado para diagnóstico, e é considerado um hospital de referência para todo o norte e nordeste do País.

PARCERIAS

O GACC conta com poucos parceiros regulares na iniciativa privada, destacando-se dentre eles, o McDonald’s, que promove regularmente o McDia Feliz; a Boni, responsável pelo fornecimento de carne à entidade; e a Propeg, empresa de propaganda, que se encarrega de toda a comunicação, sem nenhum custo para o GACC; além dos sócios. Às vezes, para campanhas específicas, recebe ajuda de algumas empresas e da comunidade, que faz doações ou organiza eventos.

Para o programa de educação, o GACC mantém convênio com a Prefeitura de Salvador para o uso da escola Amélia Rodrigues, promovendo a inclusão social de suas crianças, que ali convivem com outros alunos provenientes da comunidade do bairro. Como as crianças do GACC permanecem, em média, oito dias ao mês em Salvador, o processo educacional é uma tarefa bastante complexa, exigindo treinamento específico para os profissionais de ensino.

DIFICULDADES
O maior problema do GACC é a questão financeira. Em primeiro lugar, os recursos disponíveis para a manutenção do programa são, muitas vezes, insuficiente para solucionar graves problemas que aparecem no dia-a-dia da instituição, como o fornecimento regular de medicações e de colocação de próteses, benefícios que poderiam ser estendidos a mais crianças, caso a arrecadação da entidade fosse maior.

Problemas burocráticos também vêm dificultando as ações do programa, no que se refere ao tratamento médico. O convênio mantido com o governo do Estado, por meio do SUS, estabelece uma cota de 20 tomografias mensais, que, na maioria das vezes, não são realizados em decorrência da lentidão burocrática. Casos de urgência urgentíssima nem sempre são atendidos, o que faz com que o GACC tenha que pagar pelos exames em clínicas particulares. Medicamentos utilizados para diminuir os efeitos colaterais das medicações específicas ao tratamento do câncer, sendo que estes efeitos são muitas vezes os responsáveis pelo abandono do tratamento, não são pagos pelo SUS; tampouco a colocação de próteses. Também o aumento do número de leitos disponíveis para o tratamento de crianças com câncer no Hospital "San Rafael", vem sendo adiada porque depende da autorização do SUS.

A diretoria do GACC chama a atenção para a inadequação dos repasses do SUS para o tratamento do câncer: na maioria dos casos, não corresponde à realidade do tratamento. Além disso, seria necessário estabelecer critérios de avaliação e fiscalização do trabalho de grupos de apoio, para que esses possam ser incluídos nas tabelas do SUS. O trabalho de apoio e incentivo ao tratamento ambulatorial é um dos fatores que mais ajuda a diminuir as internações, reduzindo os custos do tratamento.

RESULTADOS

Considerando-se que, há onze anos, 50% dos pacientes residentes no interior não apareciam para as consultas de retorno, pode-se considerar que o trabalho do GACC mudou radicalmente o quadro do tratamento do câncer infantil na Bahia. Como resultado deste esforço, atualmente não se verifica abandono do tratamento pelas crianças apoiadas pelo GACC que, além do trabalho terapêutico, proporciona condições para transporte, alojamento e mais de 18 serviços de utilidade pública.

As perspectivas de melhorar o atendimento na nova sede constituem uma grande vitória do programa, que pretende dobrar a capacidade de atendimento, colaborando na redução da desigualdade de acesso aos recursos destinados à cura do câncer infantil.

A criação de um GACC na cidade de Itabuna, no extremo sul da Bahia, direcionado a toda a população do sul do Estado, diminuiu em grande parte a demanda pela casa de Salvador, principalmente naquelas situações em que a rede de saúde da região oferece os serviços médicos necessários.

A exemplo do que foi feito em Itabuna, um trabalho eficaz de levantamento dos serviços médicos oferecidos em cada região, assim como das condições de saúde da população, poderia diminuir em grande parte a dificuldade de acesso a serviços especializados. A implementação de programas análogos, desde que adequados à realidade local, ajuda a melhorar a qualidade de vida da população, melhorando também a aplicação dos recursos públicos. Uma análise desses resultados demonstra que os grupos de apoio, além de oferecerem um atendimento mais humano, global, ampliando os benefícios às famílias envolvidas e contribuindo assim para um maior controle das condições de saúde da população em geral, representam custos muito mais baixos do que uma internação hospitalar, principalmente quando se pode optar por atendimento ambulatorial.

CONTATO

Roberto Sá Menezes

Telefone: 0 XX 71 – 321-6643

http://www.gaccbahia.org.br