Feira de Projetos
Autor: José Carlos Vaz
Organizando feiras de projetos, a prefeitura motiva os cidadãos a participarem da elaboração e da discussão de políticas públicas e ajuda a capacitar lideranças sociais.
A participação da sociedade na formulação de políticas públicas exige instrumentos específicos. Não basta simplesmente convidar as entidades e os cidadãos: as intervenções mais complexas exigem métodos apropriados para motivar e integrar os participantes. Realizar uma Feira de Projetos pode ser uma alternativa útil em situações onde haja projetos gestados na sociedade civil e a necessidade de compatibilizar a participação popular com a formulação de alternativas (e não só a decisão entre alternativas colocadas previamente pelo governo municipal).
O que é
Uma Feira de Projetos é um evento destinado à apresentação e discussão de propostas para uma determinada região do município (um bairro, um eixo comercial, uma zona deteriorada, uma favela a ser urbanizada), um tema setorial (por exemplo, capacitação para o trabalho, meio ambiente) ou um público específico (como desenho de políticas públicas para juventude, mulheres, deficientes, idosos, etc.). A Feira é organizada conjuntamente pelos cidadãos e entidades, com apoio técnico e organizativo do governo municipal. Participam da Feira projetos de cidadãos, grupos de cidadãos, entidades e movimentos da sociedade, concessionárias de serviços públicos e órgãos da prefeitura e de outros níveis de governo.
Na Feira são apresentados os projetos: além da oportunidade de explicá-los, seus autores podem utilizar maquetes, cartazes, vídeos e outras formas de apresentação. Nesse ambiente, os projetos são discutidos de maneira informal e sem a preocupação imediata de se tomar decisões. Os autores dos diversos projetos podem travar contato entre si e, inclusive, redesenhar seus projetos para criando cooperação entre eles.
Para garantir a adesão e a motivação dos participantes, é importante que não haja qualquer forma censura: todo aquele que quiser apresentar seu projeto terá direito de fazê-lo, o importante é garantir que os projetos se restrinjam à temática da feira, dizendo respeito à região, tema ou público previamente definidos. O tema, por sua vez, deve estar claramente delimitado, como um requisito indispensável para não se fazer um evento que não leve a lugar nenhum.
A partir das discussões realizadas na Feira de Projetos, deve-se formar grupos de trabalho (compostos por representantes da prefeitura, cidadãos e demais envolvidos) para encaminhar o detalhamento ou adequação técnica dos projetos, com apoio de profissionais das áreas, fornecidos pela prefeitura. Isto é necessário porque normalmente os projetos apresentados não conterão elementos suficientes para a tomada de decisão. Esses grupos, em algumas situações, podem fundir projetos que guardem relação entre si, avançando na direção da construção de consensos. É importante que esses grupos cheguem a conclusões em um período curto de tempo (algumas semanas), para que se não disperse o envolvimento criado pela Feira. A partir dos resultados dos grupos de trabalho devem-se organizar os eventos posteriores para definir o conteúdo das intervenções ou das políticas a serem adotadas, inaugurando-se, inclusive, uma dinâmica de auscultação periódica de proposições.
A abertura para as propostas da sociedade não deve significar que a postura da prefeitura deva ser unicamente passiva. Ao contrário, seus representantes devem estimular a apresentação de projetos, auxiliar sua formatação e apresentar projetos já gestados na prefeitura (eventualmente, até mesmo projetos excludentes entre si) ou iniciativas extra-oficiais de seus funcionários. Também é recomendável que a equipe da prefeitura realize um trabalho de análise dos projetos apresentados, buscando compreender demandas, atitudes, aspirações e necessidades (conscientes ou não) que estejam presentes entre os cidadãos mas não explicitamente reveladas nos projetos.
Preparação
Grande parte do sucesso de uma Feira de Projetos está no processo de preparação. É importante envolver ao máximo cidadãos e entidades na preparação, fazendo com que o evento seja assumido por toda a sociedade, e não seja visto apenas como um evento da prefeitura.. Neste processo de preparação deve ser levada em conta também uma boa divulgação cuidando para não criar expectativas falsas. A participação em uma Feira de Projetos pode se dar tanto pela apresentação de projetos, como pela simples visita à feira. A organização, portanto, deve prever formas de envolver este segundo tipo de participante.
É papel da equipe da prefeitura auxiliar tecnicamente a preparação das apresentações. No que se refere à forma, pode-se realizar um trabalho prévio de capacitação dos autores dos projetos para sua apresentação (inclusive com apoio de entidades da sociedade) e fornecer materiais. Quanto ao conteúdo dos projetos, técnicos da prefeitura podem auxiliar em análises preliminares de viabilidade, estimativas de custos e fornecimento de informações. É muito importante que a feira também contenha espaço para apresentação de informações e diagnóstico pertinentes ao objeto da intervenção (o diagnóstico, inclusive, pode ser produzido com apoio de entidades da sociedade).
A realização de uma feira de projetos não exige um volume significativo de recursos. O mais crítico deles é o pessoal de apoio técnico. Essa equipe pode ser constituída por funcionários da prefeitura ou pode ser feita uma parceria com alguma ONG. A prefeitura pode oferecer parte dos recursos, buscando apoio para o restante junto à sociedade: cessão de local, divulgação gratuita, patrocínio e trabalho voluntário de lideranças sociais. Para isso, é aconselhável formar uma pequena comissão encarregada da organização do evento.
Experiência
Em Campinas-SP (879 mil hab.), em 1995, foi realizada uma "Feira de Projetos", onde as instâncias de governo municipal e estadual e as ONGs apresentaram propostas para uma região do município – o Complexo São Marcos – caracterizada por ser uma área com indicadores sócio-econômicos e de saúde altamente desfavoráveis. O objetivo do projeto então desenvolvido para o bairro era melhorar as condições gerais de qualidade de vida de sua população, através de ações intersetoriais do Poder Público com a participação dos representantes da comunidade e a assessoria da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). Foram desencadeadas várias ações, com a participação de representantes da comunidade, dando início ao planejamento para esta região sob responsabilidade do Departamento de Desenvolvimento Social da Secretaria de Ação Regional Norte.
O processo começou com uma articulação envolvendo a equipe da prefeitura e a população local. Para coordenar o processo, foi constituído o Grupo Operativo, composto pelos coordenadores das áreas sociais da SAR, coordenadores de equipamentos públicos municipais, ONGs e entidades comunitárias. Passou-se, então, à sensibilização das secretarias setoriais para a situação da região. Ao mesmo tempo, foram sendo sensibilizados os técnicos e dirigentes responsáveis pelos equipamentos e serviços.
O Grupo Operativo contatou a equipe de cada equipamento e lideranças da região, utilizando a técnica da estimativa rápida, que inclui a utilização de fontes de informação secundárias, observação direta e entrevistas com "informantes-chave". Foram levantadas informações populacionais, sócio-econômicas, de infra-estrutura, sobre recursos locais e perfis de doenças. Com isso, produziu-se um diagnóstico resumido dos problemas da área e dos recursos disponíveis. O processo de diagnóstico consumiu 45 dias.
Feito o diagnóstico, passou-se ao reconhecimentos dos projetos (implantados ou não) para a região. Neste momento houve a "Feira de Projetos", onde as instâncias de governo municipal e estadual e as ONGs apresentaram seus projetos para a região.
A etapa seguinte foi a escolha das prioridades. Com assessoria dos técnicos da OPAS, foram montados grupos heterogêneos que construíram propostas de priorização dos problemas. Em uma plenária foram apresentados os resultados dos trabalhos dos diversos grupos e eleitos os dois problemas principais: crianças e adolescentes de rua e carência de infra-estrutura básica.
Foram montados dez grupos de trabalho, cada um responsável pela elaboração de um projeto (ou pela reformatação de projetos existentes, alguns até mesmo já em andamento).
O produto final desse trabalho foi um "Plano de Ação Intersetorial" para o complexo, envolvendo a participação ativa de representantes da comunidade, técnicos dos equipamentos locais, das Secretarias Setoriais e da SAR Norte, buscando uma atuação intersetorial, integrando e agilizando as ações e otimizando os recursos a partir de um diagnóstico local e de demandas da região.
Uma vez elaborado o plano, passou-se à discussão da gestão da sua implantação. O Grupo Operativo foi substituído por um Grupo Gestor, mais amplo, e um Grupo Executivo Local. O primeiro foi composto por lideranças locais, coordenadores de área das SARs e coordenadores de equipes (cerca de 50 pessoas). Esse grupo, reunindo-se trimestralmente, foi o responsável pelas avaliações e definições de andamento dos projetos. O Grupo Executivo Local foi formado pelos coordenadores dos dez projetos. Os grupos de trabalho foram mantidos acompanhando os projetos, inclusive dando sugestões de alteração.
A equipe responsável pela coordenação da trabalho foi a equipe da Diretoria de Desenvolvimento Social da SAR-Norte, com um grupo de condução e apoio composto por três profissionais: uma médica, um professor e uma assistente social – apenas esta última se dedicando em tempo integral. Vários outros profissionais da SAR e das secretarias setoriais (saúde, educação, etc.) estiveram envolvidos nos vários projetos em que se desdobrou o Plano de Ação Intersetorial.
A parceria com as ONGs e entidades comunitárias foi fundamental para a formulação do plano e para o processo de implantação. Os vários projetos que surgiram em função do plano têm, cada um, várias parcerias, envolvendo também a UNICAMP e as escolas estaduais.
Resultados
O principal benefício que a realização de uma Feira de Projetos traz é o fortalecimento da participação popular na formulação das políticas públicas, provocando uma transformação da cultura política. Essa Feira, no entanto, não deve ser utilizada isoladamente, o que seria contraproducente: ocorrendo dentro de um processo de planejamento baseado na interdisciplinaridade e na participação, permite construir uma relação com os cidadãos que, ao mesmo tempo, envolve grandes contingentes (e, portanto, fornece grande representatividade ao processo de planejamento participativo) e promove um forte comprometimento de lideranças e entidades.
Este tipo de instrumento pode motivar muito os cidadãos, por ter um caráter até mesmo lúdico, o que faz com que a participação no processo de formulação de políticas públicas não seja vista como uma atividade desgastante. Contribui também, em termos simbólicos, para desmistificar a formulação de políticas, retirando-a do estrito âmbito do saber técnico, e mostrando que pode ser compatibilizado com as aspirações da comunidade, através da interação entre especialistas e cidadãos não-iniciados.
Outro resultado positivo, do ponto de vista de transformação da cultura política, é a apropriação dos espaços públicos pelos cidadãos, que têm oportunidade de se expressar livremente e de construir relações de cidadania ativa em seu espaço de interesse imediato. A participação em uma Feira de Projetos, elaborando, apresentando e discutindo-os, pode também trazer benefícios no campo da capacitação de lideranças sociais. Ainda que sejam resultados indiretos, é aconselhável que se preveja e estimule esta possibilidade.
A divulgação dos resultados pode gerar novos resultados positivos. Além de documentar uma experiência coletiva marcante (por exemplo, por meio de um vídeo ou um pequeno caderno apresentando os projetos e um resumo dos debates), pode contribuir para ampliar o nível de participação nas etapas seguintes do processo.
Além disso, por conta da preocupação com a intersetorialidade e participação da comunidade, há uma maior possibilidade de se estar percebendo novas necessidades e elaborar soluções imediatas. Outras necessidades podem gerar desdobramentos do uso do mesmo instrumento: uma Feira de Projetos pode impulsionar outras feiras. Por exemplo, uma feira de Feira de Projetos regionais pode dar origem a uma Feira de Projetos sobre criança para aquela região.
* Publicado originalmente como DICAS nº 81 em 1997