Criança fora da rua, dentro da escola
Para tirar crianças e adolescentes da rua é preciso investir na educação e na saúde das próprias crianças mas também dar atenção a suas famílias, por meio de programas de geração de emprego e renda e melhoria das condições de moradia.Autora: Ana Paula Macedo Soares
Para tirar crianças e adolescentes da rua é preciso investir na educação e na saúde das próprias crianças mas também dar atenção a suas famílias, por meio de programas de geração de emprego e renda e melhoria das condições de moradia.Autora: Ana Paula Macedo Soares
Em 1994, o Governo do Estado do Ceará, realizou uma pesquisa na cidade de Fortaleza, constatando a existência de 5.962 crianças, entre 5 e 17 anos, que, mesmo mantendo vínculo com suas famílias, freqüentavam os semáforos, as praças, a orla marítima e outros locais para complementar a renda familiar. Nessa época, também foi identificada a existência de um grupo de 184 crianças e adolescentes, sem vínculos familiares, morando na rua, dependendo da mendicância para sobreviver. Tendo em vista esta realidade, foi concebido o Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola".
OBJETIVO
O Programa tem dois objetivos. O primeiro é retirar as crianças e os adolescentes da rua, reinserindo-os em sua comunidade e contexto familiar, combatendo o trabalho e a exploração infantil. Para isso, promove melhorias nas condições de vida das famílias mais carentes, que se encontram em situação de risco, buscando construir um ambiente saudável de convivência. O programa atua junto às famílias para que estas possam estimular o desenvolvimento educativo de seus filhos, exercendo, gradualmente, papel ativo nessa função. O programa busca promover a reestruturação das famílias, com ações de assistência e apoio para a geração de renda.
O segundo objetivo do programa é introduzir e manter essas crianças e adolescentes na escola e nos programas socioeducativos, garantindo o aproveitamento do aprendizado.
Para alcançar esses objetivos, promove-se a ação articulada dos programas e serviços do setor governamental e não-governamental, de forma a atender integralmente essas famílias.
ETAPAS
O trabalho começou com a localização dos pontos críticos da cidade, onde havia maior concentração de meninos e meninas pedindo esmola. Nesses pontos, realizou-se o trabalho experimental junto a 500 crianças, com visitas freqüentes às suas famílias, para maior adesão ao programa. Houve um treinamento específico para educadores sociais e foi realizada uma campanha nos meios de comunicação para estimular a colaboração da comunidade.
O primeiro passo é o contato pessoal do educador social com as crianças e adolescentes. Os educadores procuram conquistar a confiança da criança, ou adolescente, por meio de um contato amistoso e informal. Com essa primeira abordagem, os educadores visitam as famílias das crianças, quando fazem um levantamento gerais encontradas.
As fichas são encaminhadas à Fundação de Ação Social (FAS), cujos técnicos realizam um segundo contato com as famílias, identificando suas potencialidades e carências. Nas visitas, os técnicos convidam os pais das crianças a conhecerem e freqüentarem os Centros Comunitários.
Nos Centros Comunitários, os técnicos da FAS reúnem-se mensalmente com os pais da criança para debater o Estatuto da Criança e do Adolescente, o papel da família no Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola", o relacionamento conjugal e a auto-estima. Também são ministradas palestras sobre educação sexual e educação para saúde (prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, prevenção ao câncer, etc.).
Nesses Centros, são realizadas também oficinas e debates com temas ligados à atuação da mãe na estrutura familiar e os direitos da mulher. Os Centros auxiliam em reformas nas casas das famílias, fornecem cestas básicas, fazem expedição de documentos básicos e promovem o engajamento das famílias em projetos comunitários.
Os Centros Comunitários atendem principalmente aos pais das crianças que se encontravam nas ruas, mas prestam outros serviços às famílias, podendo encaixar os filhos maiores de idade em programas voltados para a profissionalização. Também há grupos de vivência para terceira idade.
Existem 10 Centros Comunitários atendendo seis bairros. Alguns Centros Comunitários atendem mais de 100 famílias. A FAS e os Centros Comunitários são vinculados à Secretaria de Ação Social.
As crianças e adolescentes são encaminhados às escolas e programas socioeducativos. Em um período do dia, a criança vai à escola, no outro turno, freqüenta os programas socioeducativos: ABC (centros para Aprender, Brincar e Crescer), o Circo Escola, a Casa do Menino Trabalhador, a Casa da Juventude ABC, onde a criança e o adolescente fazem trabalhos ligados à arte, cultura e recebem reforço escolar. De acordo com a idade do adolescente, ele freqüenta oficinas de capacitação para o trabalho. Por exemplo, são oferecidas oficinas com cursos de informática, oficinas para aprendizagem do ofício de cabeleireira, confecção de doces, entre outros. Os centros ABC são ligados à FAS e à Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor do Ceará.
Quando a renda per capita da família é inferior a 30% do salário mínimo, é repassada uma bolsa-aprendizagem, cujo valor varia entre meio e um salário mínimo, de acordo com o número de filhos. A condição imposta é que as crianças e adolescentes freqüentem tanto as escolas quanto os equipamentos sociais, isto é, devem ter os dois períodos do dia ocupados, evitando o seu retorno às ruas, e apresentar freqüência de, pelo menos, 95%. As bolsas têm duração de seis a dez meses. Mesmo que a família não receba mais a bolsa, pode continuar freqüentando os Centros Comunitários e as crianças continuam freqüentando as escolas e os equipamentos sociais. As famílias continuam tendo acesso aos serviços de saúde e, caso precisem de auxílio financeiro para pequenas reformas em suas moradias, são atendidas.
PARCERIAS
O Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola" é realizado pelo Governo do Estado do Ceará, em parceria com o setor empresarial e a sociedade civil. A iniciativa do programa coube à Secretaria do Trabalho e da Ação Social do Estado do Ceará, que é o órgão gestor do programa.
A Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor do Ceará (FEBEM-CE) é responsável pela coordenação e execução das políticas sociais de atendimento à criança e ao adolescente. A FAS realiza o acompanhamento sistemático das famílias, buscando incentivar a responsabilidade dos pais em relação aos filhos, auxiliando na recuperação de moradias, concedendo cestas básicas, encaminhando a serviços de saúde, expedindo documentos básicos e promovendo o engajamento das famílias em projetos comunitários.
O Sistema Nacional de Empregos (SINE) oferece cursos de qualificação profissional para adolescentes e seus familiares, encaminhando-os ao mercado de trabalho.
A Secretaria de Educação assegura vagas nas escolas para as crianças e adolescentes encaminhados pelo programa, enviando mensalmente relatório de freqüência e avaliação descritiva do desempenho escolar.
A Secretaria de Saúde garante o atendimento médico e hospitalar àqueles encaminhados pelo programa.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) oferece segurança aos educadores sociais que trabalham nas áreas de risco, prestando apoio onde a ação dos educadores é limitada.
O Juizado da Infância e Adolescência é responsável pelo atendimento jurídico prestado em forma de orientação e encaminhamentos.
O Ministério Público intervém junto às famílias a fim de evitar a exploração e o retorno das crianças e adolescentes às ruas.
O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA) delibera acerca das ações a serem desenvolvidas e gerencia o Fundo Estadual da Criança e do Adolescente.
O Conselho Tutelar fornece apoio ao encaminhamento dos processos do programa, fiscalizando o trabalho desenvolvido.
Algumas ONGs estão articuladas ao programa, auxiliando nos trabalhos socio-educativos, como a realização de oficinas para as crianças e adolescentes.
A classe empresarial faz o repasse de 1% do Imposto de Renda, destinado-o para o Fundo Estadual da Criança e do Adolescente, atuando em parceria com a Secretaria da Ação Social e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor do Ceará no apoio às iniciativas do programa.
A comunidade participa comunicando à equipe do programa a localização de crianças nas ruas, por meio de ligações telefônicas. Para isso, houve grande campanha, nos meios de comunicação, para combater a doação de dinheiro a crianças, incentivando-se outras formas de auxílio, como a prática de telefonar para a central de atendimento do programa, informando a presença de crianças em determinado ponto da cidade. Os meios de comunicação também foram utilizados para incentivar a sociedade a contribuir com o Fundo da Criança e do Adolescente.
EXPANSÃO DO PROGRAMA
O Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola" está estabelecido na cidade de Fortaleza, mas já está sendo expandido para a área metropolitana. Além disso, planeja-se implementar o programa em outros municípios do Ceará. A expansão do Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola" para os municípios do interior estará articulada com o Programa de Apoio a Reformas Sociais (PROARES), que é um programa estadual que apóia a disseminação das políticas públicas nos vários municípios do Estado do Ceará.
O PROARES cria a estrutura para políticas públicas articuladas, permitindo a expansão do programa em municípios do interior, onde ainda não há infra-estrutura para sua implantação. O PROARES faz estudo e diagnóstico das condições da educação, saúde, cultura e assistência social do município.
RECURSOS
O Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola" é mantido basicamente com recursos estaduais: 2,67% dos recursos do Estado do Ceará destinam-se ao programa. O setor privado contribui com doações para o Fundo da Criança e do Adolescente, o que gera dedução de 1% do Imposto de Renda.
O programa é constituído por 57 educadores sociais, dois assistentes sociais e dois pedagogos, dez técnicos alocados da Fundação de Ação Social e uma coordenadora.
Os educadores sociais têm a função de contatar as crianças e adolescentes, retirando-os das ruas. Os técnicos da Fundação de Ação Social são responsáveis pelo contato com as famílias dessas crianças. Reúnem mensalmente para avaliação, reciclagem e estudos sobre sua atuação, definindo o planejamento. A coordenação é responsável pelo treinamento dos educadores sociais.
DIFICULDADES
As dificuldades referem-se às perspectivas de superação da desigualdade social, com o constante crescimento do número de pessoas marginalizadas, destituídas de bens materiais, de educação e excluídas do mercado de trabalho.
Outra dificuldade é a inserção das crianças e adolescentes de rua nas comunidades escolares. Tampouco a metodologia empregada correspondem à realidade de risco social vivida por estas crianças, o que torna mais difícil ainda a adaptação à vida escolar. Buscando resolver esse problema, houve divulgação do objetivo e estratégia do programa junto às escolas, sensibilizando diretores e professores para o acompanhamento das crianças e adolescentes encaminhados pelo programa, sendo que a Secretaria da Educação promoveu o treinamento de professores para auxiliar a adaptação e o acompanhamento das crianças e adolescentes.
Para tornar a escola mais interessante e convidativa para os alunos, foi concebido o modelo de "escola viva". Nessa escola, as crianças integram ativamente a vida escolar, colaborando na construção da escola, fazendo hortas e participando de várias atividades.
RESULTADOS
O Programa colabora para a melhoria da educação, saúde, moradia, profissionalização e renda das crianças, adolescentes e famílias atendidas, melhorando a qualidade de vida dessa população.
É importante ressaltar que os meninos e meninas carentes passam a infância e adolescência em escolas e equipamentos sociais; isto é, aprendendo e brincando, distantes do trabalho e da exploração infantil. A reestruturação da família e da comunidade local também são resultados significativos do Programa.
Os Centros Comunitários realizaram 103 encaminhamentos para o balcão de empregos e 189 encaminhamentos para cursos de profissionalização. Foram atendidos 110 pedidos de fornecimento de instrumental para trabalho e 302 pedidos de reformas de moradia. Houve 110 encaminhamentos para serviços de saúde, 342 cestas básicas foram fornecidas e 820 documentos foram expedidos pelos Centros Comunitários. Além disso, também houve, por meio dos Centros Comunitários, 280 engajamentos de pessoas em projetos comunitários.
A pesquisa, realizada em 1994, apontou a existência de 5.962 crianças e adolescentes que freqüentavam semáforos, praças e orla marítima e apontou também a existência de 184 meninos e meninas sem vínculo familiar.
A coordenação do programa contabilizou os resultados do Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola", considerando o período que vai de agosto de 1996 a março de 1999. Nesse período, foram cadastradas 5.363 crianças e adolescentes; enquanto 2.425 famílias foram visitadas e diagnosticadas. Considerando as crianças e suas famílias, houve um total de 9.574 encaminhamentos realizados pelo Programa "Criança Fora da Rua, Dentro da Escola".
CONTATOS
Lúcia Maria Bezerra Veras ajudou a implantar o Programa, ex- Secretária do Trabalho e Ação Social
Tel.: (0 XX 85) 261- 8188
Tânia Gurgel, Secretária do Trabalho e Ação Social
Tel.: (0 XX 85) 261- 8188
Tânia Maria Maciel Alencar, Coordenadora do Programa Criança Fora da Rua, Dentro da Escola
Tel.: (0 XX 85) 264 – 1421
Rute Barrocas, técnica da FAS – Fundação da Ação Social
Tel.: (0 XX 85) 488 –5150
Márcia Dutra, Programa de Apoio a Reformas Sociais (PROARES)
Tel.: (0 XX 85) 244- 9119.