Cuidar da saúde do cidadão em sua própria residência aumenta a capacidade de atendimento da rede pública e humaniza o tratamento.Autor: José Carlos Vaz
Consultor: Jorge Kayano

Cuidar da saúde do cidadão em sua própria residência aumenta a capacidade de atendimento da rede pública e humaniza o tratamento.Autor: José Carlos Vaz
Consultor: Jorge Kayano

No Brasil, os governos têm promovido abertamente o sucateamento da rede pública de saúde. Entre a omissão e as alianças com os setores que fazem das doenças da população um negócio, assiste-se à redução da qualidade de atendimento aos pacientes da rede pública e a um processo de abandono dos investimentos. O significado final desta crise é a diminuição da capacidade de trabalho, da qualidade e da expectativa de vida dos brasileiros. As medidas preventivas são insuficientes, os tratamentos adiados e os cidadãos usuários são submetidos a condições humilhantes.

As prefeituras que optam pela valorização da saúde encontram grandes dificuldades para obter recursos para novos investimentos e para custear os serviços. A saúde dos cidadãos vai piorando, as carências aumentam. É necessário ampliar e melhorar os serviços oferecidos, mas não se tem os recursos necessários. A racionalização do que está disponível surge como alternativa inevitável.

UM MODELO INEFICIENTE
Os serviços de saúde no Brasil adotam um modelo centrado na doença e no hospital e são caracterizados pelo gigantismo e o imediatismo. É um modelo custoso ao país. As medidas preventivas são menosprezadas, com a opção pelo atendimento à doença já manifesta, muitas vezes em estado grave. Os serviços são estruturados de forma a ser prestados em unidades de saúde, transformando a exigência de melhores serviços de saúde em reivindicação de novos equipamentos. O cotidiano do sistema de saúde torna-se uma triste combinação de filas, congestionamento de unidades e gastos enormes de tempo e dinheiro com a "burocracia".

É preciso romper com esse modelo, transformando-o num modelo humanizado, centrado na promoção da saúde, onde cuidar do cidadão seja muito mais que prescrever medicamentos.

São necessários, portanto, instrumentos de política de saúde baseados na desconcentração dos serviços e em atividades de prevenção, auxiliando na redução da crise hospitalar e promovendo a melhoria das condições de vida.

DESCONCENTRAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
É possível prestar serviços de saúde à população, sem que ela necessariamente tenha que se locomover até as unidades de saúde ou se submeter à internação hospitalar. A desospitalização é uma tendência mundial da organização dos serviços de saúde, que possibilita aliviar a carência de leitos hospitalares e melhorar a qualidade de atendimento através da desconcentração dos locais de atendimento. Ao invés de unidades de grande porte, transfere-se a prestação dos serviços para unidades mais simples e para a própria residência dos cidadãos.

As alternativas de desconcentração de serviços de saúde possuem vários graus de complexidade e são diversos os tipos de trabalho que podem ser realizados:

Visitas domiciliares: Além do atendimento a consultas nos postos de saúde, médicos e outros profissionais podem periodicamente percorrer os bairros, visitando as casas. Além de aproximá-los da comunidade, permite um acompanhamento mais particularizado. Os profissionais passam a conhecer não só o quadro clínico dos pacientes, mas também as suas condições de vida, em termos econômicos, sociais e familiares. É importante que o profissional seja fixado num bairro ou região, para que possa conhecer e ser conhecido, podendo acompanhar em detalhe a evolução da saúde das famílias atendidas.

Prestação de serviços especializados: Alguns atendimentos podem ser realizados a domicílio, quando os pacientes têm dificuldades de locomoção. É o caso de fisioterapia, odontologia, coleta de exames, curativos.

Internação domiciliar: Há casos em que é possível dispensar a um paciente o mesmo tipo de tratamento que ele receberia se estivesse internado num hospital, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. É indicada para convalescenças, situações de baixa gravidade e risco, para doenças crônicas que necessitam de cuidados de enfermagem e até para casos de pacientes terminais (AIDS, Oncologia), quando não houver mais procedimentos a realizar para reverter o quadro clínico. É indicada, também, para crianças e idosos, que se ressentem mais do afastamento da família, além de pacientes de saúde mental.

ALGUNS CUIDADOS
Apesar das vantagens que a assistência domiciliar apresenta, a sua implantação e a gestão dos serviços exigem muita atenção. O principal ponto a ser lembrado é que um sistema de assistência domiciliar, desde o mais simples até o mais complexo, só pode ser concebido a partir da existência da rede de unidades de saúde, que funciona como a principal porta de entrada e oferece a retaguarda hospitalar e ambulatorial para os pacientes. Vem, portanto como aperfeiçoamento dos serviços oferecidos pela rede.

Para a implantação, é preciso definir quais são os tipos de serviço viáveis no município, levando-se em conta as maiores necessidades e as possibilidades da prefeitura em termos de equipamentos e pessoal. Não é conveniente iniciar com programas mais complexos, pois estes precisam de maior suporte da rede.

É importante estabelecer critérios de seleção das regiões ou pacientes a serem atendidos. É mais vantajoso, por exemplo, implantar serviços de visita domiciliar nas localidades com maior concentração de população infantil e com menor nível de renda. A internação domiciliar é mais aconselhável onde houver maior carência de leitos públicos. Para a prestação de serviços especializados e a internação domiciliar, é importante observar as condições existentes na residência do paciente, avaliando se é possível receber cuidados em casa. Uma vez que a participação ativa dos doentes e familiares é fundamental, não é possível levar adiante o projeto sem considerar as condições psicológicas e a disposição da família em seguir a prescrição.

Os serviços de assistência domiciliar exigem equipes multiprofissionais, incluindo enfermeiros e auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas, além de médicos e outros especialistas. A remuneração dos profissionais deve garantir sua permanência no trabalho, evitando descontinuidades. Para programas como os de visitas domiciliares, a perda de um profissional significa a perda de um acúmulo de informações e relações com a população que demorará meses para ser refeito.

EXPERIÊNCIAS
A visita domiciliar periódica de médicos às residências é uma forma muito popular em nosso país. Foi implantada em Porto Alegre-RS, no começo da década passada. Neste caso, cada médico atende cerca de 300 famílias. Também Curitiba-PR e Alvorada-RS adotaram, recentemente, esta modalidade de serviço.Nos EUA, o atendimento domiciliar a pacientes geriátricos, na cidade de Boston, já completou mais de 100 anos. Também na França e na Espanha a desospitalização já vem sendo praticada há vários anos.Santos-SP é a cidade brasileira mais avançada em atendimento domiciliar à saúde. Além de um programa de internação domiciliar, oferece serviços de fisioterapia, consultas, curativos e coleta de exames a pacientes que não podem se locomover. Atende também a domicílio alguns casos de odontologia, pediatria, AIDS e saúde mental. Os programas de hipertensão, diabetes e pré-natal também têm atividades domiciliares. A vigilância em saúde – epidemiológica e sanitária – conta com atividades domiciliares, com busca ativa de pacientes, em programas de controle de recém-nascidos de risco, tuberculose, hanseníase e doenças de notificação compulsória.

RESULTADOS

a) Econômicos
Há dois tipos de benefícios econômicos resultantes da desconcentração dos serviços de saúde. O primeiro inclui os que estão diretamente ligados à racionalização do uso dos recursos. Esta racionalização pode acontecer tanto através da internação domiciliar (reduzindo os custos de hotelaria) quanto pela diminuição do número de atendimentos em hospitais e postos de saúde (significando uma menor sobrecarga na rede de unidades e menor necessidade de investimentos para a ampliação da estrutura física).

Os benefícios de segundo tipo são os decorrentes da melhora do estado geral de saúde da população. Surgem em virtude das medidas preventivas possíveis pelas visitas domiciliares, reduzindo a demanda pelos serviços ou em virtude da maior oferta de leitos e de acesso ao tratamento. Ocorre, também, aumento da disponibilidade para o trabalho, reduzindo-se os tempos gastos por pacientes e acompanhantes para obter atendimento.

b) Sociais
A internação domiciliar permite o aumento da oferta de leitos hospitalares, o que é extremamente importante num país como o Brasil, onde existe má distribuição de leitos e carência em muitos municípios. Oferece, ainda, maior dignidade para os pacientes terminais e seus familiares e pode contribuir para a redução da infecção hospitalar.

As formas de atendimento ambulatorial realizadas a domicílio podem facilitar o acesso da população a esses serviços, reduzindo a necessidade de deslocamentos, muitas vezes penosos para os doentes.

As visitas domiciliares trazem resultados positivos através da possibilidade de antecipação do diagnóstico, personalização do atendimento e possibilidade de maior orientação aos pacientes.

 


*Publicado originalmente como DICAS nº 8 em 1994Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.

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