Ação integrada nos bolsões de pobreza urbanos
Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de premiação de 1997 do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford.Autora: Veronika Paulics
a partir de documentos oficiais do programa.
Esta é uma das cinco experiências premiadas como destaque no ciclo de premiação de 1997 do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Ford.Autora: Veronika Paulics
a partir de documentos oficiais do programa.
O Programa Ação Integrada nos Bolsões de Pobreza Urbanos, de Ipatinga-MG, busca reduzir o grau de pobreza do município desenvolvendo projetos habitacionais em quantidade e qualidade junto às populações mais carentes, promovendo o desenvolvimento humano das comunidades através da implementação de projetos sociais integrados. A prefeitura estabelece parceria com a sociedade civil organizada, que se responsabiliza pela gestão dos recursos e constrói as casas em sistema de mutirão.
ORIGENS
A concepção original do projeto surgiu na década de 80, quando começaram a se organizar os movimentos de luta pela moradia. Da avaliação destas práticas constatou-se a baixa qualidade dos espaços urbanos produzidos, dos materiais empregados, das moradias edificadas, a pobreza arquitetônica dos conjuntos habitacionais, a falta de estrutura apropriada para construção das habitações (assessoria técnica, ferramentas, etc.). Partiu-se, então, para uma nova concepção de gestão na construção de moradias para a população excluída do Sistema Financeiro de Habitação (de 0 a 3 salários mínimos): a participação popular foi incluída tanto na gestão dos recursos quanto na definição dos projetos. Todas as faces da pobreza e da desigualdade passaram a ser trabalhadas a partir da implementação de políticas habitacionais.
IMPLEMENTAÇÃO
A produção de moradias pelo sistema autogestionário é a principal área de atuação do projeto. A prefeitura estabelece convênios com a sociedade civil organizada, que assume a gestão dos recursos para a efetivação dos mutirões.
Os convênios prevêem recursos para a construção de moradias mas também para a implementação de um Projeto Social que reduza de forma sistemática as principais carências da população alvo, educando para a adoção de novos hábitos, para a preservação da saúde, do meio ambiente, do saneamento e do patrimônio adquirido, e apoiando iniciativas de geração de emprego e renda. As ações do Projeto Social são implantadas através de uma equipe multidisciplinar, composta por sociólogos, pedagogos, psicólogos, artistas plásticos, técnicos em comunicação, entre outros. Além disso, envolvem as secretarias municipais de Saúde, de Ação Social, de Educação e Serviços Urbanos.
O primeiro passo é fazer um levantamento do perfil da demanda, ou seja, detectar as principais carências de saúde, educação e nível de profissionalização. Com base neste diagnóstico, elabora-se um Projeto Social cujas principais metas são diminuir as carências de educação; incrementar ações de atenção à saúde da mulher, do idoso e do trabalhador; formar uma Associação de Moradores e uma creche comunitária e, ainda, desenvolver atividades profissionalizantes para melhorar a qualidade do trabalhador excluído pelo mercado. Este Projeto é implantado simultaneamente à construção das moradias, permitindo que a população se prepare para uma mudança de hábitos e para sua relação com um patrimônio antes inexistente.
A elaboração dos projetos arquitetônicos e de engenharia também contam com a participação da população alvo, para que sejam adequados à demanda e ao perfil sócio-econômico dos futuros usuários.
Após a definição dos projetos físicos e sociais, a prefeitura repassa a entidade os recursos de acordo com o cronograma físico-financeiro e o plano de obras previamente aprovados. A entidade prepara a população alvo através de seminários de recepção e discussão onde é elaborado o regulamento de obras e são definidas as equipes de trabalho (administrativa, de obras e de participação). Após a preparação de todos os envolvidos para o gerenciamento do convênio, é iniciado o mutirão propriamente dito. No primeiro mês são construídas as instalações provisórias: cozinha comunitária, creche, sanitários, galpão para reuniões e oficinas e as casas-modelo. No decorrer do mutirão, o projeto social é implementado mês a mês.
As famílias participam da construção das moradias trabalhando nos fins de semana, em Assembléias gerais discutem e aprovam todas as questões referentes ao processo de gestão dos recursos. Cada um participa de acordo com suas condições físicas. Todos da família podem e devem participar: as mulheres, os adolescentes, os idosos e também os portadores de deficiência. Além das equipes de trabalho, há equipes de fomento, meio ambiente, comunicação, lazer, cozinha, creche, entre outras.
A tecnologia adotada nos projetos para a construção das moradias é a alvenaria estrutural, com blocos de concreto ou de escória (desenvolvidos em Ipatinga), favorecendo a racionalidade da construção, que dispensa o uso de formas de madeira, reduz o uso do cimento, prevê toda a tubulação embutida e não tem quebras de blocos, devido à modulação dos mesmos. A aparência das paredes dispensa acabamentos tradicionais como o reboco. Este processo construtivo permite diminuir significativamente o desperdício de materiais e reduz os custos em até 30% em relação ao sistema convencional – alvenaria com estrutura de pilares e vigas.
Ao término dos projetos eles são avaliados levando em conta os rendimentos de economias e valores finais de construção com apropriação de todos os gastos indiretos e diretos envolvidos. Nesta avaliação final, também são medidos todos os avanços sociais obtidos e as metas do Projeto Social. A prefeitura e a entidade monitoram conjuntamente os mutirões, para avaliar a evolução mensal de todos os fatores e aspectos.
Entregues as moradias, é a vez do Projeto de Pós-ocupação, que prevê a implantação de uma série de atividades como o funcionamento de uma creche comunitária, a emissão de escrituras dos terrenos e o controle de uso e ocupação dos conjuntos habitacionais. Esta etapa é decorrente da avaliação de que o processo de deterioração destes conjuntos de interesse social acontece de forma muito rápida na ausência de um acompanhamento técnico e, principalmente, em função da falta de uma fonte de renda para manutenção do patrimônio adquirido.
PARCERIAS
O Departamento de Habitação é responsável pela implementação da política habitacional do Município, fiscalizando a utilização dos recursos pelas entidades conveniadas, através do acompanhamento dos gastos por despesa e medições físicas mensais. A Secretaria de Obras é responsável pela implantação de infra-estrutura e a preparação dos terrenos. O Departamento de Contabilidade é responsável pela avaliação e aprovação das prestações de contas mensais das entidades conveniadas. A Secretaria de Saúde participa efetuando palestras de prevenção. No período de Pós-ocupação dos novos conjuntos, a Secretaria de Serviços Urbanos tem a atribuição de implantar novas linhas de transporte coletivo, o sistema de coleta de lixo, ceder mudas para o plantio de árvores em vias públicas e praças. A Secretaria de Administração fiscaliza as construções sem autorização porventura existentes. A Secretaria de Educação garante vagas nas escolas mais próximas para as crianças e celebra convênios para a manutenção das creches comunitárias.
A Associação Habitacional de Ipatinga (entidade que organiza os sem-casa), tem a responsabilidade de selecionar as famílias que participam do movimento para ingressar nos projetos, gerir os recursos e desenvolver a implantação do Projeto Social.
O Cartório de Registro de Imóveis tem uma participação importante como parceiro neste projeto, facilitando procedimentos e dando agilidade necessária para o cumprimento das metas estabelecidas pelo poder público para registro dos conjuntos de interesse social e emissão das escrituras para regularização fundiária de cada assentamento.
A empresa Pedreira Um Valemix é uma parceira importante no modelo tecnológico adotado pelo projeto. A empresa desenvolve a partir de 1991 um bloco estrutural de escória, à base de argila, cimento e escória de alto forno (proveniente da Usiminas, siderúrgica implantada na cidade em 1958). Pela sua composição, apresenta menos porosidade do que os blocos de concreto e sua aparência dispensa acabamentos, além de ser mais resistente e mais barato. A Pedreira Um Valemix também tem empregado parte da mão de obra treinada nos mutirões: à medida que ela expande o seu mercado, expande-se o mercado para a mão de obra especializada no assentamento destes blocos.
RECURSOS
Em 1996 e 1997, foram construídas 300 unidades habitacionais, através de financiamento do Programa Somma do Governo do Estado de Minas Gerais, onde a prefeitura entrou com 25% do valor do financiamento e o Governo do Estado e o Bird com os 75% restantes. No total, foram gastos pela Prefeitura de Ipatinga R$ 4,2 milhões.
RESULTADOS
A Ação Integrada nos Bolsões de Pobreza Urbanos trazem resultados relacionados diretamente à qualidade e o custo das habitações construídas e também associados ao resgate da cidadania:
a) Custos da construção: são produzidas moradias de qualidade superior e preço inferior se comparados com os processos convencionais (via contratação de empreiteira). No Projeto Novo Centro, nas mesmas condições o preço de construção por mutirão é de R$ 169,70 o metro quadrado enquanto que na construção por empreiteira, o metro quadrado custou R$ 208,18.
b) Percentual de economias adquiridas: estas economias são o saldo positivo entre o custo previsto dos serviços planilhados e o custo real de execução dos mesmos. Ou, ainda, todas as despesas realizadas não previstas que não acarretaram acréscimo no valor total do convênio original. Estas economias variam de 10 a 20% do valor total do convênio.
c) Desperdício de materiais de construção: enquanto o índice nacional de desperdício na construção civil chega a 30%, nos mutirões o desperdício apurado cai para 5%, principalmente em função da reutilização dos materiais e da tecnologia adotada.
d) Capacitação de mão de obra: nos mutirões, normalmente, é encontrado um percentual de 10% de mão de obra qualificada, que aumenta para 20% ao término das obras de construção civil. Com o treinamento no local de trabalho, pode-se qualificar mão de obra para a prestação de serviço na construção de moradias.
e) Organização dos movimentos sociais: o processo de autogestão fomenta a formação de novas lideranças. Durante o primeiro ano de pós-ocupação, os projetos habitacionais já contam com Associação de Moradores e têm representantes no Orçamento Participativo do Município.
f) Integração social: todos os conjuntos habitacionais implantados pelo processo de mutirão possuem times de futebol e organizam eventos festivos envolvendo toda a comunidade.
g) Baixo índice de evasão: nos projetos construídos por mutirão, o número de vendas e transferências das moradias é muito baixo, não ultrapassando 2,5%.
O resgate por parte do poder público da população economicamente excluída reflete diretamente na diminuição dos índices de pobreza e desigualdade. O projeto trabalha de forma global todas as faces da pobreza e permite que o cidadão se reeduque para fazer parte da cidade legal, valorizando o seu espaço de moradia.
* Publicado Originalmente Como Dicas Nº 98 em 1997.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.