Mais que um caso de polícia, a violência nas escolas é um problema pedagógico.Autor: José Carlos Vaz
Consultoras: Dirce Gomes, Sonia R.T. Almeida e Marta A. Mendonça

Mais que um caso de polícia, a violência nas escolas é um problema pedagógico.Autor: José Carlos Vaz
Consultoras: Dirce Gomes, Sonia R.T. Almeida e Marta A. Mendonça

Em muitas cidades, as escolas são palco de situações de violência. Situadas em locais onde a exclusão social se manifesta de modo mais acentuado, as escolas não ficam isoladas deste contexto. De depredações a casos de arrombamento, ameaças e prisões, muitas coisas acontecem, amedrontando pais, professores e alunos. Em geral, a solução proposta é o policiamento e a colocação de grades. Nem sempre esta solução é possível e quase nunca é eficaz. Ao contrário, muitas vezes ela apenas reforça a violência da situação.

DE ONDE VEM A VIOLÊNCIA?

Para muitos pais, alunos e profissionais de educação, a violência vem de fora da escola. Ou seja, a escola é vista como uma vítima de "maus elementos" que a atacam, depredam e roubam. E no entanto, a escola também produz a violência no seu cotidiano. É uma violência sutil e invisível, que se esconde sob o nome de "evasão". É, inconscientemente, promovida pelos próprios educadores através de regulamentos opressivos, currículos e sistemas de avaliação inadequados à realidade onde está inserida a escola e medidas e posturas que estigmatizam, discriminam e afastam os alunos.

O ambiente escolar soma mais algumas à série de violências que pesa sobre a vida das crianças e jovens que freqüentam a escola pública. Muitas vezes, a escola diz-se neutra, universal e com valores próprios. Essa "neutralidade" acentua e dissemina valores estranhos àqueles que ilustram o cotidiano das crianças pobres, que vêem reprovados seus hábitos e seu jeito de falar. Ao inferiorizar os alunos pobres, a escola lhes ensina a resignação frente ao fracasso. Quando os alunos deixam a escola, expulsos pelos mecanismos de evasão, encaminham-se para a outra parte do ciclo: o trabalho mal remunerado, o subemprego, as FEBEMs e os presídios.

Quase sempre, a violência não é um ato gratuito, mas uma reação àquilo que a escola significa ou, ainda pior, àquilo que ela não consegue ser. A maioria das ocorrências violentas nas escolas são praticadas por alunos ou ex-alunos. Ou seja, muito raramente são "elementos estranhos" que atacam a instituição. Há uma diferença qualitativa entre os diversos tipos de "atos de violência" que chegam à direção das escolas. A gravidade das situações é variável e os efeitos das providências tomadas podem ser muito sérios. Os envolvidos, em geral, são alunos ou jovens expulsos indiretamente através dos mecanismos de evasão. Por isso, é importante que a escola se volte para estes jovens, buscando a sua reintegração na condição de alunos ou de usuários de espaços e serviços oferecidos à comunidade.

O QUE SE PODE FAZER?

Não é fácil erradicar a violência da sociedade. Por serem suas causas complexas e de caráter estrutural, não está ao alcance do governo municipal eliminá-la das escolas ou de qualquer outro lugar. No entanto, é possível e necessário controlar alguns dos mecanismos que a geram, reduzindo seus efeitos.

Democratizar a escola é a linha central de todas as intervenções para diminuir a violência em seu ambiente. A mudança na prática do sistema de ensino deve levar à eliminação das barreiras – muitas vezes não percebidas – entre os alunos e a escola, entre a comunidade e a escola. Num trabalho que envolve ações de curto, médio e longo prazos de maturação, as violências geradas pelo próprio sistema escolar devem ser questionadas e subvertidas pelos seus atores.

A democratização do acesso à escola não deve ser vista só como a extensão do atendimento escolar (aumentando o número de vagas, por exemplo) ou mesmo a criação de condições materiais para a fixação do aluno. A democratização deve ser encarada de forma mais abrangente, significando, também, a mudança das relações internas e da estrutura de funcionamento da instituição escolar, valorizando e estimulando em seu interior a presença dos alunos marginalizados pela sociedade.

Assim, para atacar o problema da violência nas escolas, o primeiro passo é situá-lo dentro de sua esfera de complexidade. A violência na escola é diferente da violência nas ruas: insere-se no meio escolar, alimenta-se da sua dinâmica e de seus vícios. Soluções policialescas não resolvem. É claro que, se for necessário, deve-se colocar vigias, gradear janelas, etc. Mas estas medidas terão pouca eficácia se não forem acompanhadas de outras, que resolvam o problema em seus aspectos sociais e pedagógicos. Para isto, é necessário trabalhar com os profissionais de educação (tanto professores como servidores operacionais), com os alunos, com a comunidade e com a polícia, procurando estabelecer uma compreensão mais ampla da violência, como fenômeno social que possui uma face visível e muitas outras invisíveis. Para consolidar esta nova compreensão da violência é preciso um esforço de repensar a escola tanto interna quanto externamente, em suas relações com o ambiente em que se encontra.

Como a escola depende do que está à sua volta, o entorno deve ser sempre considerado. Se a escola estiver integrada a ele, abrindo o seu espaço – privilegiado e valorizado – não só aos alunos, mas ao oferecimento de soluções para problemas e necessidades da região, ser mais respeitada pela comunidade onde se insere.

É importante promover atividades comunitárias e o uso das instalações para eventos ou para o lazer dos moradores das imediações, contando com a participação e o envolvimento dos diretores, professores e outros profissionais, levando-os a substituir o medo por novas posturas que contribuam para a superação de uma mentalidade violenta.

UMA EXPERIÊNCIA DE SUCESSO

Em São Paulo-SP, tornaram-se cotidianas as reclamações das escolas contra atos de violência. Na gestão 1989-1992, convencida de que as medidas tradicionais (gradeamento, vigilância e policiamento) não eram suficientes nem atingiam pontos centrais do problema, a Secretaria de Educação criou o "Projeto Pela Vida, Não À Violência". O projeto foi desenvolvido por equipes regionais, auxiliadas por uma equipe de apoio multidisciplinar, composta por assistentes sociais, psicólogos, educadores e advogados. Focando seu trabalho na concretização da cidadania, o projeto assumiu como procedimentos básicos:

a) Ouvir todos os segmentos envolvidos, em especial os alunos.

b) Explicitar as contradições existentes.

c) Trabalhar as contradições internas.

d) Trabalhar as relações humanas.

e) Organizar comissões para aprofundar as discussões sobre violência e sobre a segurança possível.

f) Abrir as escolas para dentro e para fora.

g) Fazer funcionar efetivamente as estruturas democráticas das escolas.

Sua atuação materializou-se através de atividades que tiveram como centro a abertura de uma discussão sobre violência com alunos, pais, professores e outros profissionais da educação. Foram promovidos cursos e debates sobre temas como direitos humanos, preconceitos, Estatuto da Criança e do Adolescente e drogas, entre outros.

O Projeto "Pela Vida, Não À Violência" procurou utilizar e absorver as expressões culturais da juventude da periferia, como a música rap, procurando criar uma visão de escola que também funcione como centro de eventos que digam respeito à comunidade.

Também foi levada em conta a importância de formar vigias e pessoal operacional (serventes, merendeiras, etc.), dentro do conceito de que todos os trabalhadores em educação têm responsabilidade sobre a formação dos alunos, inclusive nas questões relacionadas à violência.

O projeto criou, ainda, um espaço reservado exclusivamente aos professores, atendendo sua demanda em temas por eles propostos como medos e dificuldades de relacionamento.

RESULTADOS

A experiência do Projeto "Pela Vida, Não à Violência" mostrou que é possível administrar a violência, mantendo-a em patamares que ofereçam um mínimo de tranqüilidade para o funcionamento da rede pública de educação.

Os métodos adotados pelo projeto permitiram que se ampliasse o elo da escola com a comunidade em atividades como reforma da escola em mutirão, abertura da escola em fins-de-semana para atividades culturais, esportivas e comunitárias, cursos de primeiros socorros e debates sobre temas de interesse da comunidade relacionados à violência. A partir da ampliação da ligação com a comunidade, as queixas de violência foram reduzidas.

Em muitos casos foi possível combater a cultura da violência que a miséria e o abandono pelo Estado vão implantando. Em uma escola, por exemplo, onde os alunos da 4ª série fizeram um abaixo-assinado em defesa da pena de morte, o projeto realizou uma discussão de esclarecimento com as crianças e adultos envolvidos na iniciativa.

O projeto conseguiu avanços na integração de crianças e jovens afastados da escola pelos mecanismos de exclusão. Não só puderam participar de atividades no espaço da escola (fanfarra, painel de exposição de trabalhos, sala de leitura aberta a jovens da comunidade) como receberam orientação nas questões relativas a trabalho. Para parte desses alunos, encaminhou-se o seu retorno à escola.

O projeto alcançou, também, resultados positivos na discussão com professores e alunos dos problemas relacionados ao alcoolismo e consumo de drogas, que normalmente apresentam relação com a violência.

O projeto "Pela Vida, Não à Violência" integrou-se numa política de educação pública que buscou modificar a visão e as práticas tradicionais do sistema escolar brasileiro. Esta inserção numa política global, privilegiando o desenvolvimento da cidadania, foi fundamental para o êxito do projeto.


* Publicado originalmente como Dicas nº 10 em 1994.
Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.

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