Provas práticas para seleção de pessoal*
Ao incluir provas práticas para selecionar trabalhadores operacionais, a prefeitura aumenta a produtividade da administração municipal, e não prejudica quem nunca teve acesso à escola mas detém um conhecimento prático valioso.
Autor: José Carlos Vaz
Ao incluir provas práticas para selecionar trabalhadores operacionais, a prefeitura aumenta a produtividade da administração municipal, e não prejudica quem nunca teve acesso à escola mas detém um conhecimento prático valioso.
Autor: José Carlos Vaz
Muitas prefeituras, ao realizar concursos para a contratação de servidores, encomendam de empresas e entidades especializadas provas escritas correspondentes ao nível de escolaridade exigido. Dessa forma, pode acontecer de se contratar como merendeira alguém que não saiba realizar nenhuma tarefa de cozinha, ou como mecânico alguém que não sabe sequer trocar um pneu.
Nos últimos anos, as administrações municipais têm percebido que as provas de português, matemática e conhecimentos gerais, que podem ser razoáveis para o preenchimento de alguns cargos administrativos, não são suficientes para avaliar a capacidade dos candidatos a muitos cargos, notadamente aqueles de natureza operacional.
O QUE FAZER?
Os critérios de seleção para contratação de qualquer servidor público devem voltar-se para o exercício cotidiano das atividades exigidas pelo cargo e para a capacidade de resolver situações-problema que surgem no decorrer do trabalho.
As provas práticas são um excelente instrumento para selecionar os candidatos aos cargos cujas funções dependam mais de conhecimentos práticos (o "saber fazer") do que de conhecimentos teóricos. Ainda que a preparação e a realização de um concurso público baseado em provas práticas sejam mais complexas que um processo de seleção que conte apenas com provas de escolaridade, os resultados, em geral, compensam.
PREPARAÇÃO
A preparação de um concurso com provas práticas deve ser delegada a uma equipe composta por representantes da área de recursos humanos da prefeitura e das áreas diretamente interessadas no concurso.
É necessário elaborar um planejamento detalhado do concurso: prever todas as fase da sua realização e prever também o número de candidatos (isso influenciará nos prazos, pessoas e materiais necessários).
A equipe responsável deve dispor de informações detalhadas sobre os cargos a serem preenchidos, para elaborar as questões a serem aplicadas. Essas informações não podem se limitar a descrições teóricas das funções e a tabelas de tempos-padrões de execução de tarefas. É importante conhecer o ambiente de realização das atividades. A observação direta e as entrevistas com profissionais que desempenhem as funções a serem supridas pelo concurso podem ser complementadas pela realização das tarefas pelos próprios organizadores, para que compreendam melhor a experiência dos trabalhadores.
Para aplicar a prova prática, é preciso designar uma equipe de examinadores entre os técnicos das áreas às quais se destinam os aprovados, contando com o apoio de profissionais da área de recursos humanos. Também o grupo de examinadores deve conhecer o cotidiano da atividade avaliada. De preferência, os avaliadores devem ter participado da elaboração da prova e passar por um rápido processo de capacitação. Desta forma, estarão mais aptos a avaliar os candidatos.
O processo de capacitação dos avaliadores deve garantir que adotem uma postura de respeito aos candidatos, transmitindo-lhes segurança e tranqüilidade, uma vez que há probabilidade de que grande parte dos participantes, com pequena experiência com o sistema escolar, apresentem-se nervosos durante a realização dos testes.
CONTEÚDO E APLICAÇÃO DAS PROVAS
O item principal das provas práticas é a realização das atividades básicas exigidas pelo cargo, medidas comparativamente a padrões mínimos fixados pela equipe responsável pelo concurso. Esses padrões devem dizer respeito a velocidade e qualidade final do trabalho e gasto de materiais, quando couber. Durante a realização desses testes, pode-se também considerar critérios relevantes como a preocupação do candidato com prevenção de acidentes, sua capacidade de colaboração em situações de trabalho, iniciativa e capacidade de inovação.
A aplicação de testes de comportamento em situações-problema permite avaliar se o candidato é capaz de compreender a inserção de seu trabalho na administração municipal e suas implicações.
Quando o nível de alfabetização dos candidatos for muito baixo, é recomendável aplicar questões sobre situações-problema sem recorrer a provas escritas. As questões podem ser formuladas oralmente, pela explicação da situação, com os candidatos respondendo também oralmente ou através de cartões coloridos ou numerados.
Para grande parte dos cargos, pode ser necessário avaliar a capacidade de relacionamento em grupo e trabalho conjunto dos candidatos. Havendo possibilidade, isto pode ser feito através de dinâmicas de grupo. Também pode-se avaliar este aspecto do potencial dos candidatos durante a aplicação dos testes práticos, realizando-os em grupos, de preferência compostos no máximo por seis candidatos.
CUIDADOS
A aplicação das provas práticas, na maioria dos casos, é mais demorada do que a aplicação de provas escritas. Em concursos que possuam um número muito grande de inscritos, esta característica das provas práticas de seleção pode criar inconvenientes e exigir mais tempo e dedicação da equipe encarregada da seleção. As conseqüências disto devem ser previstas durante a fase de planejamento do concurso.
A definição dos critérios de seleção deve considerar a possibilidade e o interesse da prefeitura em oferecer programas de formação para os servidores contratados. Caso a prefeitura pretenda submeter os novos contratados a atividades intensivas de preparação para exercerem suas funções, podem ser adotados padrões mínimos de desempenho menos rigorosos, aumentando-se, em contrapartida, o peso de outros critérios na seleção.
As provas práticas não devem ser os únicos instrumentos para a seleção de trabalhadores operacionais. É importante complementá-las com entrevistas, análise de experiência de trabalho anterior e testes de raciocínio lógico.
EXPERIÊNCIAS
Em S. Paulo-SP (9.646 mil hab), em 1989, foi realizada uma série de concursos para provimento de cerca de 16 mil cargos, distribuídos em 31 categorias profissionais. A maioria dos candidatos inscritos no concurso já trabalhava na prefeitura, a título precário. Dentre estes, havia um grande número de pessoas que, apesar de consideradas boas profissionais, eram praticamente analfabetas.
Os dirigentes e técnicos municipais envolvidos na preparação do concurso concluíram que seria injusto e irracional submeter estes trabalhadores, que desempenhavam satisfatoriamente suas funções, à reprovação em provas escritas. A partir desta reflexão, optou-se pela realização de provas práticas para a seleção. Devido ao grande porte do concurso, entretanto, a sua realização baseada unicamente em provas práticas exigiria um grande volume de tempo e trabalho, o que seria agravado pelo fato da prefeitura quase não ter experiência nesta área.
A solução encontrada foi a realização de um exame escrito, tradicional, e uma prova prática, com um peso duas vezes maior que o da prova escrita. As provas práticas foram organizadas pelas secretarias contratantes de cada uma das categorias.
Foi avaliada não só a capacidade do candidato de realizar as tarefas mais exigidas dos cargos, mas também sua capacidade de resolver situações-problema. Por exemplo, os candidatos a vigia escolar responderam questões sobre controle de entrada e saída de pessoas, procedimentos em situações inusitadas ou emergenciais e inspeção continuada.
Em Santo André-SP (617 mil hab.), durante a gestão 1989-1992, a Empresa Pública de Transportes realizou a seleção para vários cargos operacionais, como motoristas e pessoal de manutenção, através de provas práticas. Em concursos anteriores, a seleção para esses cargos havia sido baseada unicamente em provas escritas e percebeu-se que estas não levaram à contratação de profissionais com o perfil desejado.
RESULTADOS
Do ponto de vista administrativo, é inegável que a realização de provas práticas permite que a prefeitura selecione candidatos mais aptos e capacitados para ocupar cargos operacionais. Evita que candidatos sem aptidão ou habilidade para as funções prestem os concursos por falta de opção profissional, interessados apenas em ocupar um emprego público, tornando-se servidores desinteressados e pouco capazes para o seu trabalho. Desta forma, as provas práticas contribuem, também, para a maior profissionalização dos servidores públicos e para o aumento da produtividade da administração municipal. No caso da Empresa Pública de Transportes de Santo André, os concursos que utilizaram provas práticas permitiram que se contratassem trabalhadores com maior capacitação para o desempenho das funções necessárias do que aqueles admitidos nos concursos envolvendo apenas questões relativas à escolaridade.
A aplicação de provas práticas de seleção para trabalhadores operacionais elimina uma discriminação freqüente no serviço público. Em geral são prejudicados os trabalhadores que, apesar de capacitados a desempenhar satisfatoriamente várias atribuições, foram privados – e não por culpa sua- do acesso ao sistema educacional. A prova prática enfraquece o preconceito originado da separação entre trabalhadores intelectuais e trabalhadores manuais, pois valoriza o saber próprio destes últimos, reconhecendo-o e legitimando-o.
No caso de São Paulo, o processo de seleção dos trabalhadores operacionais da Secretaria de Educação (vigias e serventes escolares) permitiu um aprofundamento da visão de que estes trabalhadores também são educadores. Contribuiu, portanto, para a valorização desses servidores públicos e para a melhoria do atendimento prestado às crianças na rede municipal de educação.
QUESITOS DE AVALIAÇÃO DA PROVA PRÁTICA PARA SERVENTE ESCOLAR DA REDE MUNICIPAL DE SÃO PAUL (1989)
PONTUAÇÃO |
PERMANÊNCIA NO EMPREGO (1 ponto por ano) | 5 |
FUNÇÕES AFINS JÁ EXERCIDAS | 10 |
SITUAÇÃO-PROBLEMA 1: PRIORIZAÇÃO DE ATENDIMENTO |
10 |
SITUAÇÃO-PROBLEMA 2: DIVISÃO DE TRABALHO E COOPERAÇÃO | 10 |
SITUAÇÃO-PROBLEMA 3: ATITUDE ÉTICA | 10 |
QUALIDADE DE SERVIÇO: LIMPEZA DE MOBILIÁRIO | 10 |
QUALIDADE DE SERVIÇO: LIMPEZA DE CHÃO | 10 |
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PRÁTICO | 10 |
Fonte: Secretaria Municipal de Educação
* Publicado originalmente como DICAS nº 32 em 1995.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.